Um pouco da história da ciência no Brasil

“A partir da vinda da Família Real em 1808, investiu-se na criação de instituições científicas no Brasil – mesmo que timidamente – com ênfase para a formação de especialistas e cientistas in loco, antes obrigatoriamente realizada em Portugal ou outras nações europeias. É, nesse momento, que se estabeleceram instituições como a Escola Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro (1808), voltada para a formação de profissionais na área da saúde, e a Academia Real Militar (1810) – com o propósito de oferecer “o primeiro curso completo” de ensino das várias ciências, além da educação militar. Figueirôa (2000) lembra que o foco das instituições era o desenvolvimento e o progresso material nacional e, portanto, de cunho mais prático. Esse era exatamente o perfil do Real Horto Botânico (1808, atual Jardim Botânico do Rio de Janeiro), criado para aclimatar espécies vegetais trazidas de Portugal; do Observatório Astronômico e Metereológico (1809, posteriormente Observatório Nacional), do Museu Real (1818, mais tarde nomeado de Museu Nacional), do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado por D. Pedro II (1838); da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e da Escola de Minas de Ouro Preto (ambas a partir de 1876).

Num movimento complementar, foram inauguradas a Impressão Régia e a Biblioteca Nacional, em 1810, que construíram uma base sólida para a educação profissionalizante, uma vez que passou a ser possível o acesso a publicações, sobretudo livros, impressas no país para o ensino de disciplinas, como medicina e engenharia, incluindo traduções de obras clássicas. Um importante passo para tornar o Brasil menos dependente, ao menos no modo de adquirir e divulgar obras.

Entre os novos desafios postos às atividades científicas e tecnológicas do Brasil Colônia
estava a adaptação de espécies exóticas às condições climáticas e geológicas brasileiras para investir na agricultura, por exemplo, além dos enfrentamentos das doenças tropicais, a demanda por novas construções e os investimentos para se descobrir recursos minerais. Não havia, a princípio, preocupação (muito menos condições) de inserir o país no cenário científico europeu, o que ocorreria a partir do final do século XIX com a publicação de periódicos das instituições que passaram a funcionar como vitrine para o exterior. A ciência latino-americana, como já dito anteriormente, era vista como mera contribuição – geralmente parca – para uma “ciência universal” e, portanto, isenta de influências socioculturais ou de identidade regional (Quevedo, 2000). “Boa parte da historiografia sobre as ciências na América Latina comparou as manifestações aqui havidas com uma imagem um tanto idealizada dos países tomados como modelos, e buscando o esperado, não encontraram o realizado” (Figueirôa, 1997. p.17).

“(...) Não só existiu atividade científica no Brasil no século XIX, no âmbito das ciências
naturais, como também a quantidade, a qualidade e a continuidade de suas manifestações superaram as expectativas” (Lopes, 1997. p. 323). Essa fase de desenvolvimento científico no Brasil foi fundamental para estabelecer os substratos sobre os quais a comunidade e a ciência criariam novas demandas e, posteriormente, se consolidariam.

Margaret Lopes investigou o desenvolvimento da história natural no Brasil e concluiu que esta área do conhecimento teve papel fundamental para a ciência no país. As primeiras instituições que surgiram contribuíram para a profissionalização dos cientistas, instituições e a especialização do conhecimento. “O naturalismo estabeleceu o escopo universal do método e procedimento científico e foi a ideologia que sustentou a rápida ascensão dos novos grupos profissionais” (Lopes, 1997, p.326). Essa área do conhecimento poliu as capacidades de observação, coleta, identificação, disseminação do conhecimento e exposição, tão essenciais para o método científico, daí a importância que Lopes atribui ao seu papel na ciência mundial e, particularmente, na nacional, sobretudo por meio das atividades desenvolvidas no Museu Nacional, inclusive as voltadas para a educação e divulgação científica. As ciências naturais, certamente, também constituíram a primeira vitrine do Brasil no exterior, com a divulgação das expedições de naturalistas no país, apresentando ao mundo a abundância de recursos naturais e a biodiversidade presente. O levantamento de artigos científicos sobre o Brasil publicados em 1883 na então recém criada Science e na Nature foca-se nos relatos de naturalistas estrangeiros (entre eles Alfred Wallace, Orville A. Derby e Fritz Müller) para divulgar, ao exterior, o novo e rico laboratório natural a ser explorado nos trópicos. Essa era uma tendência observada desde o final do século XVIII em periódicos como o inglês Philosophical Transaction of the Royal Society (Domingues, 2006). Assim, o país era visto como campo de estudo para a ciência e não como produtor de ciência.

A ciência brasileira era produzida de modo isolado, dentro de cada instituição. Isso começaria a mudar no final do século XIX, quando há grandes transições políticas e econômicas, reflexo do fim da monarquia e estabelecimento da república e que exige que se criem condições sanitárias nas cidades que se urbanizavam rapidamente e que recebem grandes levas de imigrantes que substituíam a mão-de-obra escrava, abolida em 1888. Dentre as iniciativas mais relevantes dessa nova fase está a criação deinúmeros institutos de pesquisa que dá novo fôlego à ciência nacional com focos voltados ao desenvolvimento agropecuário, urbano e de saúde pública.

Editorial publicado na Science em 1883 tratou desse novo movimento na ciência
brasileira, que começara a se destacar a partir de 1870, sobretudo, afirma o artigo, pelos esforços dos pesquisadores do Museu Nacional, do Observatório Nacional e da nova Escola de Minas de Ouro Preto. “Os brasileiros têm, com poucas exceções honoráveis, ficado satisfeitos em receber o conhecimento sobre ciências naturais do seu país em segunda mão e, raramente, empreendem esforços, por conta própria, para complementar e corrigir o trabalho de naturalistas estrangeiros, os quais são necessariamente incompletos e errôneos” (p.212) criticou. O texto traz também elogios em relação a investimentos governamentais em obras como a Flora Brasiliensis de Carl Friedrich Philipp von Martius e expedições de naturalistas, o “gosto pela ciência altamente desenvolvido” de D. Pedro II e, sobretudo, o aumento da infraestrutura em telecomunicações e das relações com países estrangeiros. O editorial enfatiza o potencial brasileiro para a ciência, muito embora os avanços sejam “caracterizados [mais] pelo estudo da natureza do que pelo estudo dos livros”. O tratamento da questão do progresso científico brasileiro em um periódico científico norte-americano, que propunha abordar os temas mais importantes relacionados à ciência, como a Science é indicativo de que começava a chamar atenção do debate científico internacional a partir do final do século XIX.

Essa nova era no desenvolvimento científico brasileiro reconhecida pela Science como
um “despertar marcante do Brasil para a pesquisa científica”, seria marcada pelo vasto investimento na criação de institutos de pesquisa no final do século XIX: como foi o caso do Instituto Politécnico Brasileiro (1862), no Rio de Janeiro; o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em 1887; o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo em 1899; o Instituto Soroterápico Federal no Rio de Janeiro (atual Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz), em 1900; o Instituto Serumtherápico (hoje Instituto Butantan) de São Paulo em 1901; e o Instituto de Zootecnia de São Paulo, em 1905, apenas para citar algumas instituições centenárias do país. Eles surgiram para resolver questões pontuais voltadas, sobretudo, ao desenvolvimento econômico do país, por meio da ciência aplicada e da pesquisa, embora também formassem, em menor medida, recursos humanos.

Apesar do reconhecimento de que no Brasil do século XIX a ciência começou a
progredir, é preciso enfatizar que ela era ainda voltada para os interesses do Império e, portanto, pouco contribuiu, como defendeu Nancy Stepan (1976), para mudar a realidade social, intelectual e econômica do Brasil, diferentemente do que ocorreu a partir do final do século XIX, com a criação desses inúmeros institutos de pesquisa. A autora centrou sua análise nos institutos de perfil biomédico, como o Instituto Oswaldo Cruz (Manguinhos), o Instituto Bacteriológico e o Butantan. A tradição em biomedicina no Brasil, fortalecida a partir desse período, é responsável pelo bom desempenho no país e exterior desse campo do conhecimento. Nas palavras de Stepan, três elementos marcaram a atuação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) como bem sucedida no fazer científico do contexto de país em desenvolvimento: formação de recursos humanos, influência e priorização de projetos de saneamento do governo, e utilização eficiente de cientistas e equipe técnica estrangeira (Stepan, 1976, p.122).”

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É isso!

Fonte:
Germana Fernandes Barata: “NATURE E SCIENCE: MUDANÇA NA COMUNICAÇÃO DA CIÊNCIA E A CONTRIBUIÇÃO DA CIÊNCIA BRASILEIRA - 1936-2009". (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutor em História. Orientador: Prof. Dr. Gildo Magalhães dos Santos Filho). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

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