Um pouco da história da MÚSICA no Brasil

O Rock e a Jovem Guarda

"Os movimentos renovadores da música brasileira foram, na visão de MARIZ (2002): a bossa nova; a canção de protesto; o iê-iê-iê; o Tropicalismo; a música country; o rock; o forró; axé music; o pagode e o funk.Todos dignos de debates entusiasmados e também de muita divergência.

Quanto ao iê-iê-iê ou à Jovem Guarda, o autor certificou que esse movimento surgiu como uma versão brasileira do rock internacional e foi influenciado pelos Beatles, num período de queda da popularidade de artistas brasileiros do rock´n´roll, como Celly Campelo. A música de protesto (1964) e o Tropicalismo (1967) apareceram como defensoras da música nacional contra a invasão estrangeira, isto é, do mundo das massas. A Jovem Guarda foi considerada como um movimento barulhento e incisivo, tendo como rebeldia o grito de Roberto Carlos, por meio do hino: QUE TUDO MAIS VÁ PRO INFERNO!

Cabe ressaltar que STEFANI (1987) discorreu sobre os Beatles, considerando-os ainda como símbolo da música jovem, pela língua inglesa, universalmente difundida; pelo poder da indústria discográfica; do espetáculo e da mídia. Segundo a autora, as canções eram alegres e tinham como característica a primeira pessoa. Os componentes do grupo mostravam-se simpáticos, bem intencionados, criativos, enfim, personagens que representavam uma alternativa para um mundo considerado velho. O emprego de uma linguagem cotidiana, o canto próximo da fala, o grito permeado de interjeições, o andamento de médio a rápido, o uso do modo maior nas canções, as ênfases, as estruturas que tendiam ao crescendo e os finais triunfais eram características de suas canções e passaram a influenciar e ser comuns no rock.

Segundo NICOLAI (1977), Ronnie Cord, compositor e intérprete paulista, estourou nas paradas em 1963, com o rock RUA AUGUSTA, chamando a atenção para Roberto e Erasmo Carlos, autores de PAREI NA CONTRAMÃO, É PROIBIDO FUMAR e FESTA DE ARROMBA. Foi a partir de FESTA DE ARROMBA que surgiu a idéia do programa Jovem Guarda, em 1965, comandado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, tornando-se a grande atração da emissora. Nomes como Eduardo Araújo, Martinha, Rosemary, The Jordans, Renato e seus Blue Caps, Os Incríveis e Golden Boys foram figuras presentes na sua estréia, dentre outros. De acordo com o autor, o programa ganhou grande proporção e passou a ser movimento musical também influenciado pelo bolero e pelo samba-canção. Outros artistas fizeram parte do movimento, como: Ronnie Von, Vanusa, Deny e Dino, Leno e Lílian, Antônio Marcos, Os Vips, entre outros. Compositores de outros movimentos, como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Maria Bethânia passaram a incorporar a guitarra e os elementos do iê-iê-iê em seus trabalhos. A Tropicália, segundo Erasmo Carlos, foi uma das principais causas do término da Jovem Guarda, juntamente com a superexposição ao consumo, esgotamento de seus participantes e prejuízos da agência de publicidade. No entanto, a Jovem Guarda contribuiu para a criação de programas similares na televisão e o movimento projetou muitos artistas, sendo responsável pela adoção de instrumentos eletrônicos e pela fusão da música estrangeira na música brasileira, o que influenciou a produção musical dos anos 70.

MEDEIROS (1984) apontou que a Jovem Guarda surgiu entre a inocência de Celly Campelo e o ceticismo da “juventude transviada”. Inicialmente, os artistas cantavam versões de hits internacionais, como o sucesso SPLISH SPLASH, até Roberto e Erasmo Carlos produzirem canções. Essas canções, dentre elas PAREI NA CONTRAMÃO, eram caracterizadas pelo ritmo veloz, acordes quadrados e letras simples, inspiradas na estrutura narrativa das histórias em quadrinhos. Os temas eram relacionados ao amor, ao desejo sexual, ao automóvel, dentre outros. Vários jovens artistas iniciantes se apresentavam no programa Jovem Guarda. Rebeldes, mas apenas na aparência. Nesse programa, Roberto Carlos foi coroado rei e estabeleceu-se uma briga entre a Jovem Guarda e a Bossa Nova, a primeira, denominada, na época, de música alienada e submissa ao imperialismo americano em contraposição à música engajada à situação política do país. Porém, Roberto e Erasmo Carlos seguiram com suas canções, conservando a qualidade musical aliada a uma temática de personalidade própria e sugestiva.

ROBERTO CARLOS

Em 1995, FELICIANO confirmou que a parceria Roberto e Erasmo Carlos e compositores, como: Carlos Imperial, Martinha, Eduardo Araújo e Renato Barros, foram precursores das canções da Jovem Guarda. Segundo o autor, a Jovem Guarda fez sucesso também no cinema. Na imprensa, as revistas Intervalo, Contigo e Querida refletiam a explosão do movimento, mas 1968 foi o último ano que o programa foi ao ar, sem Roberto Carlos, que ganhara o Festival de San Remo na Itália, retornando mudado e enveredado para a música romântica. O movimento influenciou a música “brega” e, posteriormente, a geração do rock nacional das décadas de 80 e 90.

Para ARAÚJO (2003), a Jovem Guarda sofreu influências tanto do rock´n´roll inglês como do rock americano, sendo produzida por Roberto Carlos e um grupo de artistas em 1965. A Jovem Guarda disputava espaço com a Bossa Nova, de origem universitária, mas a rivalidade existente fomentou uma passeata contra a guitarra elétrica no centro de São Paulo. Porém, em 1967, a guitarra foi incorporada ao Tropicalismo e a influência não só do rock, mas do blues, soul e do trabalho de Roberto Carlos, rompeu com a dicotomia música brasileira e música estrangeira. Desta forma, Roberto e Erasmo Carlos passaram a ser assimilados por setores da MPB.

BAHIANA (1980) declarou que “não há nenhum levantamento sistemático da trajetória do rock por terras brasileiras” (p. 71) e, para a autora, a Jovem Guarda eclodiu numa tentativa industrializada de se fazer rock brasileiro, sendo Roberto e Erasmo Carlos, o lado brilhante e comercial desse gênero.

Em entrevista concedida para a autora, Erasmo Carlos, conhecido como “tremendão”, assumiu que a Jovem Guarda foi um movimento ingênuo, sem pretensões, formado por pessoas do povo e não por universitários. Nas canções, eram retratados os problemas, as garotas, os carros, e apesar de musicalmente pouco ter inovado, o movimento influenciou o comportamento e a vida dos jovens da época e, anos mais tarde, o rock nacional. Erasmo ainda alegou que a Jovem Guarda teve o seu término com o início do Tropicalismo.

Quanto ao magnetismo do amigo e rei Roberto, o “tremendão” creditou este fato à possível formação do cantor, sendo a sua grande marca. Assegurou que Roberto Carlos foi criado ouvindo Dolores Duran, Tito Madi e samba-canção, o que caracterizou o seu lado romântico, mesmo sobre a influência do rock. Desta forma, ainda o considera, indubitavelmente, uma estrela, outorgando o título para poucos, mas concluiu que não encontra uma explicação plausível para esse magnetismo.

Em outra obra, BAHIANA (2005) afirmou que o rock teve o seu início no Brasil a partir de duas vertentes e épocas distintas: primeiro nos anos 50, de uma forma mais ingênua e, pontualmente, em 1965, de maneira definitiva e massiva, por meio do programa Jovem Guarda. Portanto, parte dos frutos do rock´n´roll ingênuo foram Roberto Carlos e a canção de massa e, a outra parcela, a Tropicália de Caetano e Gil.

FRÓES (2000) ressaltou que a Jovem Guarda não foi somente um movimento ou um programa de televisão, mas configurou-se em uma vertente musical que imperou entre os anos de 1965 e 1968. Momento musical esse, que constituiu a história do pop e da indústria fonográfica brasileira, devido ao impacto de suas músicas sobre os jovens da época. Denominou-a assim como a pré-história do marketing musical brasileiro. O autor ainda explicitou que Roberto Carlos foi ícone da Jovem Guarda e estrelou um programa na TV Record em 1965, nas tardes de domingo, em decorrência da proibição da transmissão de jogos de futebol. O nome Jovem Guarda surgiu da frase do revolucionário russo, Vladimir Ilitch Lenin: “O futuro socialismo repousa nos ombros da Jovem Guarda”. O programa teve grande repercussão em São Paulo e, em uma edição especial, para comemorar o aniversário de Roberto Carlos, Ataulfo Alves declarou que o cantor era o ídolo do povo e não da Jovem Guarda. Porém, a Jovem Guarda entrou em crise e Roberto Carlos saiu do programa, que passou a ser comandado por Erasmo Carlos e Wanderléa. Pouco tempo depois, a Jovem Guarda parecia saturada com o surgimento do Tropicalismo.

Em 2005, AGUILLAR salientou que a TV Record precisava criar um programa de música jovem, apresentado por um jovem com grande número de fãs e líder de venda de discos. O programa, no início, enfrentou preconceitos e dificuldades quanto aos patrocinadores, porém, logo se tornou sucesso de audiência. O visual, os movimentos e as gírias alucinaram os jovens que passaram a incorporá-los e a comprar os discos dos cantores e dos grupos que se apresentavam no programa. A grife Calhambeque, título de uma música interpretada por Roberto Carlos, desencadeou o aumento na venda de discos, de instrumentos musicais eletrônicos e revistas especializadas. Roberto Carlos passou a ser conhecido como o “rei da juventude brasileira”. Aliado ao sucesso do programa, Roberto Carlos transformou-se na maior estrela da música jovem da América do Sul. Lançava um disco por ano, iniciava suas incursões no mundo do cinema, fazia shows por todo o Brasil e exterior. Roberto Carlos encerrou as suas atividades de comando no programa em 1968, o que provocou a queda de audiência e culminou com a preferência dos jovens pelas músicas de protesto, mais engajadas à conturbada situação política do Brasil. Erasmo Carlos e Wanderléa, que apresentavam outros programas na emissora, tentaram recuperar a audiência do programa, porém, sem sucesso. Nesse momento, a TV Record ofereceu a Roberto Carlos dois outros programas, denominados Roberto Carlos à noite e Opus número 7, mas ambos foram fracasso de audiência e, portanto, retirados do ar.

VILARINO (2002) comentou que a Bossa Nova firmou-se no Rio de Janeiro e a Jovem Guarda se estabeleceu em São Paulo, vinculada à televisão, mais especificamente à TV Record. A Jovem Guarda, marcada pela consolidação de um mercado cultural voltado para uma sociedade de consumo, desenvolveu uma temática de massa para um público que não dispunha de muitas informações para compreendê-la. Segundo o autor, foi influenciada mais pelo rock dos Beatles e Rolling Stones do que pelo rock Elvis Presley ou Jerry Lee Lewis. Sofria represálias por parte dos integrantes da MPB em função de ser um movimento mais conformista do que transgressor, considerando o momento político do nosso país. Mas, em 1967, no III Festival de MPB da TV Record, uma música de tom engajado, interpretada por Roberto Carlos – MARIA, CARNAVAL E CINZAS (1967) – classificou-se em quinto lugar, com uma temática distante do contexto da Jovem Guarda: amores perdidos, biquínis, festas e carros. Roberto Carlos tinha outras canções nas paradas de sucesso que em nada se assemelhavam a esta interpretação.

Para CAMPOS (1968), a Jovem Guarda estabeleceu-se por apresentar uma linguagem que atingia todas as idades, num momento em que a MPB caía em inércia juntamente com o programa Fino da Bossa comandado por Elis Regina e apresentado concomitantemente à época do programa Jovem Guarda, liderado por Roberto Carlos. O autor ainda remeteu o início da Jovem Guarda ao ecletismo do Fino da Bossa, do exagero interpretativo de Elis, distante do canto característico da bossa nova. Segundo o autor, Roberto e Erasmo Carlos, paradoxalmente, cantavam de forma despojada, natural, mais próxima da interpretação de João Gilberto, apesar da limitação dos recursos vocais e do fato do iê-iê-iê ser rotulado como uma música animada e ritmada. Mas esses cantores de massa foram capazes de incorporar à sua interpretação, influências da bossa, o que denotou à Jovem Guarda certo ar brasileiro, apesar da influência do rock.

Segundo PEDERIVA (2000), o movimento Jovem Guarda foi um acontecimento de e para a massa na década de 60 e instigou uma nova forma de viver e de pensar nos jovens da época. Influenciado pelo rock, incorporado à MPB, o simbolismo dessa nova linguagem gerou novas formas de comportamento. Os gestos, as vozes, as roupas, cabelos e atitudes eram signos que, unidos às canções, deram forma ao movimento, padrão de identificação para os jovens que passaram a imitar os seus ídolos. Isso propiciou transformações nos padrões estéticos, culturais e sociais, explorando o mercado do desejo, ligado ao consumismo. As canções, de letras simples e diretas, abarcaram temas como o amor e a diversão. A melodia, o ritmo, a instrumentação, os arranjos, a voz e a entoação embalavam o texto das composições, estabelecendo uma relação entre música e canção.

Para a autora, Roberto e Erasmo Carlos tornaram-se porta-vozes de sonhos, desejos e ansiedades, por meio de suas canções e ações, subjetivadas pelos jovens. Os perfis das emoções, apresentados nas canções, eram representações das experiências desses jovens, muitos de origem humilde que ansiavam ascensão e reconhecimento social. Cobrava-se a falta de autenticidade de um ritmo brasileiro e de um engajamento político, porém, o movimento inovou e o protesto decorreu da adoção de novos estilos de vida. Era na tensão entre rebeldia, contestação e conservadorismo que se tinha a riqueza e a complexidade desse movimento. A música transformou-se em um meio de expressão de sentimentos. As canções possibilitaram a subjetivação da mensagem e a identificação com o compositor. O sentimento passou a ser coletivo e a interpretação individual, uma sensação geral.

Para LOPES (1999), a Jovem Guarda foi um movimento liderado por artistas que explicitavam afinidades estéticas quanto ao gênero das composições, à concepção instrumental, ao vestuário e às atitudes rebeldes. Porém, houve uma adaptação para a dicção brasileira e isso modificou a maneira de cantar, também influenciada pela bossa nova. As letras das canções não primavam pela ousadia; relatavam aventuras, experiências de vida, bem como, a crença no destino e no encontro do verdadeiro amor. Buscava-se construir e proclamar um jeito de ser, um estilo de vida. Era dado valor a tudo que era original e moderno, criando-se uma estética. A canção, portanto, era elemento de qualificação dos sujeitos e de afirmação dos valores.

De acordo com CALDAS (1989), a Jovem Guarda despontou paralelamente à fase dos festivais e expressava o individualismo, o desinteresse político e o comodismo. O autor ressaltou que o comportamento dos artistas aparentava certa rebeldia, disfarçada por um conservadorismo. A vestimenta e os cabelos longos eram desconexos dos conteúdos das canções. Segundo o autor, o “Brasinha” (como era chamado Roberto Carlos) liderava um grupo de jovens cantores e compositores, que buscavam a popularidade e o prestígio conquistados pelo talento artístico. Isto necessariamente não o obrigava a adotar um comportamento político e social específico. Comentou ainda que a Jovem Guarda foi um movimento incipiente, isto é, mais uma rebelião romântica e consumista que influenciou a juventude brasileira da época, em que sobreviveram os talentosos Roberto e Erasmo Carlos.

TATIT (1996) descreveu que a Jovem Guarda era um projeto dedicado a uma juventude desinteressada pelos problemas sociais e políticos. As canções apresentavam letras e concepção musical, harmonia e arranjos instrumentais simples. O instrumento, símbolo do processo tecnológico, era a guitarra. Modernidade e mentalidade mercadológica regiam a produção musical, que visava o êxito das canções na TV e no rádio, priorizando as vendas dos discos. Assim, as canções simples e pungentes eram de caráter imediatista, a fim de atingir o gosto disponível às excitações orgânicas e passionais, sendo porta-vozes dos anseios da juventude.

DIAS (2000) afirmou que o segmento da Jovem Guarda, uma das primeiras manifestações nacionais do rock, foi altamente lucrativo. Renovado por esse movimento, o mercado de canções românticas, consideradas popularescas fez de Roberto Carlos, um dos maiores vendedores de discos da indústria brasileira. Isso culminou com a chegada do long-play, tornando o artista mais importante que o disco.”

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Fonte:
Sonia Cristina Coelho de Oliveira: "A VOZ DE ROBERTO CARLOS: avaliação perceptivo-auditiva, análise acústica e a opinião do público". (Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Fonoaudiologia, sob a orientação da Profa. Dra. Marta Assumpção de Andrada e Silva). São Paulo, 2007.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada.

Fonte das imagens:
Revista "Cartaz" nº 1 - ano: 1971

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