Crimes sexuais como uma "questão de honra"

Crimes sexuais e de sedução: uma questão de honra

“Segundo Boris Fausto (2001), historicamente, a definição de crime sexual se assentou em alguns pressupostos básicos, como o próprio controle da sexualidade feminina através do casamento e da família. A honra da mulher e da família constituiram-se como o principal objeto de reflexão para a definição de crime sexual. O significado da honra nos casos das vítimas de crimes sexuais, pautava-se na questão da virgindade. A lei que punia crimes como o de defloramento, por exemplo, tendia a defender mais um princípio moral do que físico. Cauelfield (2000) aponta que no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, especialistas brasileiros em medicina legal produziram uma gama de estudos sobre o hímem. O grande objetivo desses estudos era provar a virgindade feminina ou a ausência desta que significava a perda da honra. As vítimas de crimes sexuais eram submetidas a exames feitos por especialistas médicos.

Dessa forma, o conceito de crime sexual foi associado ao significado da honra. Na legislação, ele passou a ser discutido e definido desde o Código Criminal de 1830, no qual há um capítulo específico sobre crimes contra a honra dos indivíduos, incluindo calúnia, injúria e ofensas sexuais. Nesse código, a noção da honra significava mais “uma expressão da virtude pessoal que de precedência social ou moralidade religiosa”; ao contrário do que era estabelecido na parte criminal das Ordenações Filipinas Portuguesas, de 1603, respectiva aos “rituais de poder absoluto e de atribuição de status”, na qual a maioria dos crimes classificada como crimes contra a honra era relacionada às ofensas contra a autoridade política e à ordem pública. (CAUELFIELD, 2002, p.51).

O fato do sentido da honra no código de 1830 estar ligado a uma expressão da virtude pessoal, manifestou-se nas próprias penas relativas aos crimes sexuais. No caso de estupro, por exemplo, a honra das vítimas era associada ao pudor e a fidelidade. A vítima era julgada como mulher honesta (virgem) ou desonesta24 (prostituta). Os estupradores, que no Código das Ordenações Filipinas recebiam pena de morte, passaram a receber condenações de 3 a 12 anos, exceto se a vítima não fosse prostituta. Nesse caso, o agressor recebia pena apenas de 1 mês a dois anos. (CAUELFIELD, 2002, p. 42).

Todavia, um fato interessante que surgiu no Código de 1830, é que os homens que se casassem com as vítimas de crimes sexuais estariam liberados de todas as condenações. Segundo Cauelfield, essa discussão foi recorrente nos debates jurídicos do século XIX. Por outro lado, na década de 1970, encontrei uma reportagem do ano de 1975, do jornal Cinco de Março, intitulada: “Nos casos de sedução o culpado ou casa-se com a vítima ou vai preso”.


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Fonte:
Lívia Batista da Costa: "DA DEFESA DA HONRA À DEFESA DA VIDA: uma história da violência contra a mulher na cidade de Goiânia". (Dissertação apresentada como requisito à obtenção do grau de mestre em História no Programa de Mestrado em História, da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal de Goiás. Área de concentração: Culturas, Fronteiras e Identidades. Linha de Pesquisa: Sertão, Projeto de Integração e Regionalidades. Orientador: Prof. Dr. Marlon Salomon, UFG). Goiânia, 2006.

Nota
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As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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