A cultura da imagem pessoal real e ideal

“Santaella afirma que “a estética visa a determinar o que deve ser o ideal último”. À luz dessa afirmação, desejamos averiguar os aspectos da imagem real e ideal sob os reflexos da estética e a propagação da mídia televisiva de massa. Acreditamos poder assim demonstrar que a cultura da imagem pessoal real e ideal é fruto de uma série de mecanismos que visam a disseminar um padrão de beleza, levando o ser humano ao modelo comparativo da condição de sua imagem verdadeira com sua aspiração por outra efígie. Os sistemas integrados dos meios de massa comunicam uma realidade muita além de sua realidade. Daí afirmarmos que a cultura estética é responsável por estimular a imaginação coletiva, divulgando a forma de imagem ideal.

Essa discussão encontra respaldo em Umberto Eco quando escreve que “a forma de a massa pensar, imaginar, não nasce de baixo, mas sim da hegemonia”.Supomos que a preponderância de uma elite sobre o sistema social encontra a massa em suas ansiedades, cuja cultura produzida recebe matizes desse controle velado da elite sobre a mídia. Porém, a imagem pessoal dos representantes dos dois setores, elite e massa, é um meio puro para a observação do cotidiano desses grupos, até porque a imagem pessoal real reproduzida pelo agente social da elite será sempre uma fonte idealizadora para o ator social da massa. E a mídia televisiva é uma estrutura de poder que viabiliza esse tipo de produção social, levando o indivíduo que atinge o modelo midiático à sensação de “empoderamento social”. A massa, ao contrário do que parece, participa na construção da imagem ideal, colaborando com a criação de um modelo imagético para o meio social.

Ao escrever sobre o impasse entre a teoria e a prática, Muniz Sodré considerou que, quando se trata da cultura de massa, os fatos práticos que a envolvem devem ser tão importantes quanto as teorias dos manuais. Sodré menciona que a teoria da comunicação é confusa, o que poderia complicar a observação da massa a partir dela, por isso ele considera que a observação deve ser feita também a partir da elite. Nesse sentido, acrescentamos que a imagem pessoal resultante da massa está muito mais voltada para o aspecto do modo ideal da imagem pessoal do que do modo real. Entretanto, não imaginamos que a massa não reconhece sua imagem real, mas é na elite que ela encontra a imagem ideal, principalmente a apresentada na televisão.

Ainda que o indivíduo não consiga reproduzir a imagem ideal assistida pelos sistemas integrados, ele encontrará outros mecanismos genéricos (acessórios, indumentárias e outros objetos com preços mais acessíveis) para estetizar sua imagem, a fim de se parecer com o ideal que ele acabou de perceber. Transmite-se, assim, a idéia de que não basta ser; é preciso parecer, independente de esse “parecer” vir carregado de objetos ou acessórios de segunda linha. Para Sodré, “não há sociedade sem um sistema de circulação de informações baseado num código comum”. As informações possuem sincronismo com a cultura de uma sociedade e a mídia explora esse recurso informativo. A valorização da estética que mexe com o imaginário do ser humano é fruto desse mecanismo midiático de um modelo ideal de agente social explorado em nível de comercialização. Sodré considera também que o termo “cultura de massa” surgiu por causa do aparecimento de um sistema moderno de comunicação, com a intenção exclusiva de alcançar a totalidade de uma sociedade.

Já David Riesman propõe um estudo social a partir de três tipos de sociedades: a) sociedade de determinação tradicional – transmissão oral na qual é difícil quebrar o círculo de ferro da tradição; b) sociedade introdeterminada – a era da consciência capitalista; c) sociedade extrodeterminada – a sociedade da comunicação de massa, o consumismo. Esta última esbarra exatamente na nossa análise, porque nessa espécie de sociedade o indivíduo se preocupa em fazer o que a mídia prega. Riesman afirma que “a estratégia principal dos meios de comunicação como tutores do consumo é introduzir e racionalizar mudanças, enriquecimentos ou descontinuidades nos gostos e estilos convencionais”. A estetização da imagem pessoal a partir de um estilo segmentado também é uma forma de controle da mídia na era contemporânea. Porém, o ser humano é ativo no processo da construção desse padrão estético.

Os meios de comunicação massificam a idéia de embelezamento, por meio da cultura estética, e criam um sistema ideológico da beleza. Procuram também, mediante os anúncios e as propagandas, as formas mais práticas de inserir os padrões estéticos na consciência histórica da classe dominante, pois é essa classe que participa diretamente no dinamismo da venda dos valores simbólicos empregados na mídia, percebendo o que é vendável a partir da própria massa. Porque o padrão de estética de uma sociedade passa por uma “escavação” do cotidiano, questionando a respeito de seus ritos, trejeitos, etiquetas e outros artifícios. A cultura da imagem ideal é produto da valorização da estética, enquanto a imagem real é o reconhecimento daquilo que o indivíduo é, mas que conflita sempre com aquilo que ele deseja ser.

A indústria da estética cultural fornece produtos tangíveis e intangíveis para satisfazer as inúmeras demandas. Nesse ponto, a indústria da estética cultural é muito aproveitada pelas noções de marketing pessoal. Numa sociedade do espetáculo, a valorização da imagem pessoal é fruto da excessiva exposição dos corpos educados. Os meios de comunicação criam uma imagem ideal e, segundo Ricardo Freitas, “fornecem a vaidade convulsiva, e a adoração da imagem passa pela contemplação do objeto do consumo”. Santaella escreve que os modelos para essa aparência ideal são dados para exacerbação de imagens da mídia: imagem de top models, pop stars, atores e atrizes com perfis hollywoodianos. Essas imagens funcionam como miragens de um ideal a ser atingido. A proposta da cultura da imagem ideal retroalimenta a busca feita por uma pessoa a partir do descontentamento com sua imagem real. Ora, é exatamente esse dinamismo que dá sustento às indústrias de beleza. Mas, no momento em que o sujeito se rende à proposta de aparência ideal, ele se torna refém da estigmatização de sua efígie, e isso depende das relações face-a-face de que ele participa, o que será discutido a seguir.”


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Fonte:
Lílian Laurência Leite: “RELIGIÃO E MARKETING PESSOAL: UMA ANÁLISE DA IMAGEM PESSOAL DOS BISPOS, PASTORES, OBREIROS E OBREIRAS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS”. (Dissertação de Mestrado apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestra. Orientador: Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos). Universidade Metodista De São Paulo. São Bernardo do Campo, 2008 .

Nota
:
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As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada.

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