Revolução Industrial e imigração (no Brasil)

"A conjuntura histórica das primeiras décadas do século XIX foi marcada pelas novas condições externas que asseguraram o triunfo do liberalismo e da proeminência britânica sobre o Brasil. O fim do tradicional colonialismo, antecipado pela independência norte-americana abria a perspectiva de um revigorado comércio mundial e de ampliação da fronteira econômica e cultural da Europa. A América livre das restrições coloniais oferecia terras, novas matérias primas demandadas pela Revolução Industrial, alimentos e medicamentos para uma população em vias de crescente urbanização.

Abria-se um novo continente cujas terras, natureza e produtos despertavam um imenso interesse científico evidenciado no patrocínio e realização de viagens de cientistas para a América do Sul. Estimulava-se o encontro de novas plantas, animais e minerais. Foi também no quadro destas mudanças culturais que emergiram posturas revalorizadoras do indígena, como a formulação rousseauniana do bom selvagem e contrárias ao tráfico e à escravidão africana.

A transferência da Corte portuguesa para o Brasil implicou a revisão efetiva da política econômica. A abertura comercial promovia uma verdadeira invasão de produtos que chegavam nos navios que aportavam no Rio de Janeiro estimulados pelo padrão de consumo dos recém chegados. Correspondiam a um verdadeiro banho de cultura ocidental. Se de um lado havia necessidade e até propósitos de se promover a indústria nacional, como se depreende da revogação do Alvará de 1785 havia também uma desmedida abertura para as importações, cuja pauta incluía produtos de primeira necessidade como alimentos e vestuário.

A demanda de importações era tão maior quanto o espírito que orientava as medidas era a de marcha acelerada para a civilização cujo espelho era a Europa. Se por um lado, a política de terras se tornava mais liberal, facultando o acesso de estrangeiros à terra, a inserção do Brasil na economia internacional induzia à intensificação das exportações o que no quadro herdado da Colônia se traduzia na perspectiva de dilatação da fronteira agrária mediante a concessão de sesmarias e disseminação do trabalho escravo.

Seja pela insuficiente capacidade de importar, seja em função da nova posição do Brasil em relação a Portugal foi estimulada a realização de inúmeros projetos inclusive de cunho industrial entre os quais estaleiros no Rio de Janeiro, Salvador e Recife, a fábrica de pólvora e fábricas siderúrgicas como a Fábrica Sorocaba, a Fábrica Patriótica e a Fábrica de São João de Ipanema. Em virtude das novas condições internacionais, tornava-se necessário reaparelhar o Estado e efetivar uma política interna compatível com o fato de a colônia se tornar o centro da monarquia portuguesa.

Em 1815 o Brasil passava a condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. Ficava patente a insuficiência formativa da mão de obra no Brasil e o desconhecimento das próprias potencialidades do Brasil. Daí, a política cultural se orientar para construção da Biblioteca Nacional e o estímulo dado a viagens científicas e imigração de técnicos estrangeiros. O Rei da Baviera, por exemplo, ordenou em 1815 uma viagem científica para a América. A oportunidade surgiu por ocasião do casamento de D. Pedro de Alcântara, príncipe herdeiro de Portugal, Brasil e Algarves com a Arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina. Em 1817 partia a expedição da qual faziam parte os cientistas Spix e Martius que nos legou um importante relatório sobre o Brasil da época. Transformaram-se em batalhadores da europeização do Brasil - traço cultural que desde logo perceberam existir no Rio de Janeiro.

Língua, costumes, arquitetura e o afluxo dos produtos da indústria de todas as partes do mundo dão à praça do Rio de Janeiro aspecto europeu. O que entretanto logo lembra ao viajante que ele se acha num estranho continente do mundo é sobretudo a turba variegada de negros e mulatos”

Antes da vinda do rei, escreve Martius,

Consistia o total da população (do Rio de Janeiro) numas cinqüenta mil almas, superando de muito, em importância, o número de habitantes pretos e de cor aos brancos. No ano de 1817, em compensação, contava a cidade e o que nela se inclui mais de cento e dez mil habitantes.”

Prosseguia:

“Deve-se crer que, do ano 1808 em diante para aqui vieram da Europa uns vinte e quatro mil portugueses. Essa considerável imigração portuguesa, além de bom número de ingleses, franceses, holandeses, alemães e italianos que depois da abertura dos portos aqui se estabeleceram, quer como negociantes, quer como artesãos, devia por si mesma, abstraindo-se de qualquer outra consideração, imprimir uma mudança no caráter dos habitantes, porque a antiga relação entre brancos, pretos e mestiços ficou invertida”.

As inúmeras realizações e construções que marcaram os primeiros tempos de D.João no Brasil abriram o campo de trabalho para a participação estrangeira:

Maquinistas e construtores navais ingleses, operários em ferro suecos, engenheiros alemães, artistas e fabricantes franceses foram convidados pelo governo para desenvolverem a indústria nacional e os conhecimentos úteis”.

As pretensões de progresso de D. João VI não podiam evitar o caráter ambíguo da política econômica. De um lado a sujeição ao liberalismo capitaneado pela Inglaterra e por outro a necessidade de incremento de iniciativas industriais e de abastecimento interno. O comércio externo era fundamental para a continuidade econômica e grande fonte tributária para o financiamento do aparelho de Estado, de sua burocracia e de suas forcas militares. Além disso a deficiência formativa de profissionais no Brasil estimulava as importações. Daí a continuidade e importância da política agro-exportadora.

O Estado promoveu inúmeras medidas com vistas a superar a grande crise das exportações. Foi incentivada a pesquisa da flora.

Em 1808 foi criado o Horto Botânico da Bahia; em 1811 o Real Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas. Pouco mais tarde seriam criados o Jardim de Especiarias de Recife, o Jardim de Plantas em Minas Gerais (1825), o Jardim Botânico Cuiabá e o Jardim de Plantas da Bahia (1825). Em 1825 seria fundada, com apoio oficial, a Sociedade Auxiliadora da Indústria que promovia importação, aclimatação, pesquisa e distribuição de plantas; concedia prêmios a quem introduzisse novos métodos de cultivo e novas máquinas. Tinha também a função de comprar e distribuir máquinas de diversas tipos.

Na época de D. João VI registrou-se um efetivo empenho em promover a pesquisa e diversificação da produção rural. O chá foi remetido de Macau para ser cultivado no Real Jardim Botânico e resultou na sua aplicação na Fazenda Real de Santa Cruz e na contratação de imigrantes chineses conhecedores das técnicas de produção de um gênero largamente consumido no oriente e na Europa. O cravo e outras especiarias orientais, já aclimatadas em Caiena foram em 1811 destinados ao Horto de Olinda e ao Real Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas. O plantio de pimenta do Reino foi iniciado em 1825 no Jardim de Plantas da Bahia. Sementes de fumo da Virgínia foram remetidas do Rio de janeiro para Cachoeiras na Bahia. A cana de açúcar Otaiti ou Taiti, denominada Caiena no Brasil foi introduzida no Pará, entre 1790 e 1803, na Bahia em 1810 e no Rio de Janeiro em 1811. Veio substituir a cana crioula dos tempos coloniais sujeita a doenças e com rendimento menor. O cacau, nativo da Amazônia, foi introduzido na Bahia, vindo a progredir no eixo Itabuna-Ilhéus ao longo do século XIX. Novas variedades de algodão foram introduzidas no nordeste em fins do século XVIII. O arroz da Carolina do Sul foi aclimatado no Brasil no final do século XVIII e em inícios do século XIX existiam no Rio de Janeiro fábricas de pilar arroz. Desenvolveu-se o plantio da fruta-pão, da jaqueira, do trigo, da raiz da araruta, do cânhamo e do anil.

Porém o produto destinado a desempenhar o papel mais importante na economia brasileira foi o café. Integrava a tradição colonial de introduzir produtos de fora. O próprio Rei distribuía sementes deste arbusto procedente do mundo árabe e que nos chegava através das Guianas.60 Curiosamente o seu plantio era estimulado quando no século XVI fora taxativamente proibido por D.Manuel. A sua boa aceitação no mercado mundial, a disponibilidade de terras próximas ao porto do Rio de Janeiro, a existência de estradas que, atravessando a serra, ligavam o interior de Minas Gerais ao litoral e sobretudo a possibilidade de se contar com uma grande oferta de escravos tanto procedentes do exterior como do próprio Brasil sinalizavam para uma promissora expansão no interior do sudeste. Era a retomada de uma atividade em tudo semelhante ao que foi o açúcar em termos de desmatamento, constituição de fazendas e disseminação da escravidão. O café por sua extraordinária liquidez foi comparado ao ouro - ouro verde.

Ao mesmo tempo foram tomadas diversas medidas com vistas a assegurar o abastecimento alimentar do Rio de Janeiro que experimentava rápido crescimento demográfico. Os tropeiros ficaram isentos do recrutamento militar, o mesmo se estendendo a condutores de gado e mantimentos para a Corte. Os barcos costeiros que conduziam mantimentos e artigos de construção para a Corte (Rio de Janeiro) ficaram isentos de contribuições e emolumentos anteriormente estabelecidos. Em 1815 proibiu-se o comércio de cabotagem feito por navios estrangeiros. Foi estimulada a construção de estradas, do que resultou em 1812 a Estrada do Comércio e pouco depois a Estrada de Polícia — estradas que ligavam o vale do Paraíba e o sul de Minas Gerais à Corte.

Num contexto em que viajantes e cientistas proclamavam a exuberância e potencialidades das terras do Brasil, em que se ampliava a oferta de trabalhadores livres para a América, em que se desencadeavam pressões britânicas contra a escravidão pode-se compreender a boa receptividade do governo de D.João VI à imigração. No plano econômico era uma forma de ampliar a oferta de trabalhadores com certa especialização, ampliar a produção de gêneros alimentícios e mesmo abrir novas áreas para a economia nacional. O próprio aumento populacional era bem-vindo podendo suprir necessidades na lavoura, na manufatura e em outros serviços.

Politicamente, a imigração era certamente um modo de se assegurar o reaparelhamento burocrático e militar do Estado além de conferir novas bases de apoio à monarquia que vinha se constituindo, ampliando a sua margem de manobra em face da intensificação da escravidão e do poder dos grandes proprietários de terra. O exemplo da revolta escrava do Haiti pode ter impressionado as autoridades metropolitanas e alertado para o perigo de uma radicalização da dicotomia senhores e escravos. A abertura para a contratação de imigrantes vinha de encontro a uma componente cultural que identificava civilização à Europa ao mesmo tempo que menosprezava o trabalhador nacional considerado indolente e pouco motivado ao progresso. Por último, o exemplo dos Estados Unidos da América concorreria também para a boa aceitação
oficial da perspectiva imigratória.”


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Fonte:
JORGE MIGUEL MAYER: "RAÍZES E CRISE DO MUNDO CAIPIRA: O CASO DE NOVA FRIBURGO". (Curso de Pós-Graduação em História – Tese de Doutorado. Orientador: Profa. Dra. Ismênia de Lima Martins. Universidade Federal Fluminense Centro de Estudos Gerais Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Departamento de história. Volume 1). Niterói – RJ, 2003.

Nota
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