As primeiras descobertas de ferro no Brasil

“O Brasil do século XXI destaca-se como um dos maiores produtores de ferro do mundo, mas a fabricação de ferro ou as suas tentativas remontam o começo de nossa colonização. Os primeiros registros da fabricação do ferro são do século XVI, sendo o jesuíta Padre José de Anchieta, o primeiro a reportar a seus superiores e ao rei de Portugal a existência de depósitos de minério de ferro no interior da Capitania de São Vicente. Há a menção ainda de que o jesuíta Mateus Nogueira, em 1556, fez uma forja para a produção de anzóis, facas, cunhas, pás e outros implementos para a comunidade.

Muitas forjas foram construídas pelos jesuítas no interior do Brasil, mas muito cuidado foi tomado no sentido de não se ensinar os segredos da metalurgia aos índios, por medo de que com este conhecimento construíssem espadas, flechas e outras armas que poderiam ser usadas contra os portugueses. Em 1586 forjas e ferreiros começaram a surgir no interior dos sertões, onde foram descobertos minérios de ferro na região onde hoje se localiza o Estado do Maranhão.

Um dos lugares mais importantes no século XIX, no contexto do ferro, localiza-se na região de Sorocaba-SP, em um lugar conhecido como morro de Ipanema na cidade de Araçoiaba, conhecido também como :Arraraçoiaba, Byraçoiaba, Ibyraçoiaba, Guaraçoiava, Arasojava, a palavra Araçoyaba, de ara tempo, Açoyaba, anteparo, coberta, chapéu, era o nome utilizado em São Paulo e Minas Gerais a montes isolados, como a forma de uma copa de chapéu.

Eschwege afirmava que o padre Anchieta conhecia a riqueza do morro de Ipanema, pois este acreditava na existência dos mais variados minérios no local, Anchieta escreveu em metáforas “a fim de estimular o povo a procurar o Uvutucavarú (morro em forma de cavalo)”

A notícia do padre Anchieta data de 1554, enquanto a que se refere ao morro de Araçoiaba de 1597, nesta ocasião já era conhecida a jazida do Rio Jurutuba, se supõe que Anchieta se referisse a esta jazida e não ao morro de Araçoiaba, pois D.Francisco de Sousa,sétimo governador geral do Brasil, só recebeu notícias de Araçoiaba em 1597.

O morro de Ipanema se distancia 13,8 km da cidade, conhecida hoje como Sorocaba, do rio Sorocaba algumas correntes d’água se transformam em outros rios, ainda que este seja o mais importante, temos também o rio Ipanema, que “verte da face oriental e o Sarapuí do lado oposto” o morro tem forma oval sendo o maior diâmetro por volta de 18 km e o menor 4,5 km. Nos estudos de Eschwege:

“[...esse morro, que fornece minério de ferro, eleva-se, como uma ilha, a uma altura de 1.088 pés, por sobre um extenso planalto ondulado, cuja altitude média...no local da fábrica, atinge a 1.822 pés ingleses acima do nível do mar (W.L.V.Eschwege “Brasilien, die neue Welt.- 2ªparte,p.129).Assim temos uma altitude total, acima do nível do mar, de 2.910 pés”.

O morro era chamado de “esconderijo do dia” pelos nativos que deviam ser da tribo guarani, pois foi descoberto um cemitério indígena com igaçabas (urnas funerárias) junto a um dos córregos.Acreditava-se que na ponta do morro, perto de uma lagoa chamada Lagoa Dourada, haviam tesouros enterrados.

Em Araçoiaba Afonso Sardinha
descobriu os depósitos de minério de ferro em 1589, mas foi seu filho Afonso Sardinha Filho, que em 1590 construiu duas forjas catalãs para a produção de ferro.

A fábrica foi doada por Afonso Sardinha ao governador de São Paulo, D.Francisco de Sousa quando o mesmo visitou o morro em 1599, retornando este a Ipanema somente em 1601.

D.Francisco de Sousa tentou fundar nas imediações de Araçoiaba uma povoação que deu o nome de Itapeboçu,com o objetivo de facilitar o desenvolvimento do ferro, não obtendo sucesso parte de seus habitantes foram se congregando onde hoje se encontra Sorocaba.Fundou um pelourinho (símbolo do pode real) passando a se chamar mais tarde Vila de Nossa Senhora da Ponte de Monte Serrate.

Em 1602 o governador D.Francisco de Sousa volta para Portugal ficando o engenho de ferro para seu filho,D.Antonio de Sousa, este passou o engenho para Francisco Lopes Pinto em 1619 que veio a falecer dez anos mais tarde, se extinguiram os trabalhos, embora seu sogro ou cunhado (em Eschwege sogro em Vergueiro cunhado), Diogo de Quadros, também fosse proprietário da fábrica. Afonso Sardinha construiu outro engenho de fundir ferro, com seu dinheiro, e trabalhou nela por conta do Rei.

Devemos ressaltar que as técnicas até então empregadas no Brasil eram rudimentares, se comparadas às que se praticavam em outras partes do mundo, sendo que muitas delas foram introduzidas pelos escravos africanos com o método do cadinho:

“... Existe uma escola de pensamento que diz que a arte da metalurgia no mundo ocidental teve início na África Central. Afirma-se que essas técnicas africanas podem ter sido absorvidas pelos mouros do Norte da África e então passadas por eles para a Europa durante suas conquistas... foram os escravos africanos que introduziram em Minas Gerais e São Paulo...”

Passados dez anos o engenho de ferro foi abandonado com às descobertas as minas de ouro de Jaraguá, Apiaí e Paranapanema,ao se perceberem que estas minas eram pobres, a atenção se volta para Araçoiaba novamente.

Em 1681 é enviado a Ipanema o Fr. Pedro de Sousa, estudioso dos minerais conhecido e importante na época, cujas explorações não se tem muito conhecimento,foi acompanhado pelos paulistas Pascoal Moreira Cabral, Manuel Fernandes de Abreu e o capitão-mor Martim Garcia Lumbria, com a volta do Frei Pedro de Sousa para Portugal, estes paulistas tentaram custear a fábrica, constando nas Cartas Régias de 2 e 5 de maio de 1682, sendo abandonada mais tarde.

O capitão mor e ouvidor de Itanhaém, Luís Lopes de Carvalho pode “inculcar-se como novo descobridor” e na Câmara de Sorocaba, a 14 de março de 1681, disse ter descoberto Minas em Byraçoiaba e em Caiatiba, e em nome de Sua Alteza Real pede:

“...que tomassem entrega delas e não consentissem tirar pedras dali sem ordem de S.A.R. , com pena de morte.”

Este obteve uma sesmaria de quatro léguas de terras como diz o documento registrado no livro da Fazenda e Almoxarifado em Santos de 16 de setembro de 1663:

“... Luiz Lopes de Carvalho ele intentava levantar uma fábrica para fundição de ferro na serra de Biraçoyaba, termo da villa de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba,... com ordem de Sua Magestade... lhe fizesse mercê dar a sesmaria quatro léguas de terras... ficando a fábrica no meio d’ella com todas as águas e lenhas que n’ella se acharem...”

Eschwege afirma que em 1760, provavelmente com as ruínas da antiga instalação de Afonso Sardinha, foi construída uma pequena forja com fole de couro movido a mão e um martelo de cauda, sendo que a forja funcionou somente por alguns anos de acordo com os moradores, pois a madeira ipera, uma tanto rara, encarecia muito a produção.

De acordo com o escritor Francisco Adolfo de Varnhagen, filho de Friedrich Ludwig Wilhelm Varnhagen, anteriormente mencionado, Domingos Ferreira Pereira consegui fabricar ferro em Ipanema em 1765, para Nicolau Pereira Vergueiro o morro ficou abandonado sendo este ocupado várias vezes por agricultores, sendo somente em 1770 a tentativa de Domingo Ferreira Pereira.

Domingos Ferreira Pereira era morador do Rio de Janeiro, conseguindo um Alvará Régio foi autorizado a minerar ferro, chumbo, e estanho e estabelecer uma fábrica em Ipanema, realizando o projeto com alguns sócios, dentre eles o mestre: João de Oliveira Figueiredo; O inglês João Fritz Gerald, vice-cônsul deputado da nação britânica na cidade de Lisboa, tentou entrar como sócio na fábrica,porém o governador de São Paulo D.Luis Antonio de Sousa Botelho Mourão não o permitiu, devido a proibição de estrangeiros comerciarem com o Brasil.

A fábrica produzia quatro arrobas de ferro por dia, o que não indenizava as despesas da Companhia, foi vendida ao capitão Victoriano José Sentena, que a abandonou um ano depois por ordem do general Martim Lopes Lobo de Saldanha, por não ter Alvará Régio de licença.

Após ser abandonado mais uma vez, o lugar foi ocupado por agricultores que estabeleceram sobre as ruínas da fábrica de ferro outra de açúcar, não durando muito pela proibição do corte das matas.

Em 1783 o capitão mor de Sorocaba Cláudio Madureira Calheiros e o capitão mor de Itu, Vicente da Costa Taques Góis e Aranha, estavam dispostos a produzir ferro no morro de Ipanema, pedindo o monopólio do projeto e insenção de impostos por oito anos, sendo o ofício enviado em 1 de agosto pelo governador à corte, mas nada foi feito."


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Fonte:
Helton de Bernardi Pizol: "A fabricação do ferro no começo do século XIX em Ipanema no período de Hedberg e Varnhagen". (Mestrado em História da Ciência Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História da Ciência sob a orientação da Profª. Doutora Márcia Helena Mendes Ferraz). São Paulo, 2009.

Nota
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