A era Chavista

“O uso estratégico dos símbolos da nacionalidade, com destaque para o uso do discurso e do legado bolivariano, adquire no projeto de Chávez certa singularidade. A figura de Bolívar permite que tal símbolo da nacionalidade venezuelana se transforme em uma espécie de fonte de legitimidade e de autoridade do ator político individual – Hugo Chávez.

A
recuperação do discurso bolivariano, em um país onde a figura e o exemplo de Bolívar continuam moldando muito a nacionalidade venezuelana, tem uma eficácia política importante, na medida em que oferece a um discurso abstrato um sentido concreto. Chávez tem feito do discurso bolivariano um instrumento concreto de ação política.

Destaque-se, contudo, que
Chávez não foi capaz de institucionalizar uma base política e um novo sistema de partidos na Venezuela. O que pode-se chamar de seu partido, até então, o Movimento V República (MVR), é mais uma frente heterogênea de forças políticas e sociais, na qual se albergam desde setores nacionalistas e da esquerda tradicional até setores provenientes dos partidos hegemônicos do puntofijismo.

Mas, ao contrário do que se estabelecia no sistema de partidos de
Punto Fijo, no qual a fidelidade partidária era uma característica forte dos setores nucleados em torno de AD e Copei, tal fidelidade dos setores não se associa à instituição, o MVR, mas à própria figura de Chávez.

Conforme
destaca Villa (2005; p.161), não havia adecos ou “copeianos”, tal como se denominava os setores e militantes dos dois grandes partidos do Punto Fijo. Existe, ao contrário, uma militância e uma identificação política e eleitoral meramente chavista.

Por outro lado, a oposição na era Chávez é ainda bastante fragmentada
politicamente, não tendo sido capaz de se reinstitucionalizar e de se legitimar eleitoralmente. A proposta programática parece de alguma maneira, reduzir-se à proclamação do antichavismo.

Deve-se reconhecer, contudo, o fato de que setores do sindicalismo, do
patronato, segmentos saídos de Petróleos de Venezuela (PDVSA) e dos meios de comunicação, todos ligados às velhas elites, sejam aqueles que apareçam hegemonizando a oposição, e que têm, a meu modo de ver, a sua origem em uma falha da dinâmica política que se inaugura na era Chávez: o enfraquecimento do sistema de partidos que comandou o pacto de elites 1958-1998 não significou a institucionalização de novo sistema de partidos, ou de um renovado quadro de lideranças políticas e do fortalecimento de novas organizações da sociedade civil socializadas nos valores democráticos.

Mais do
que isso, o enfraquecimento do antigo sistema de partidos deixou um vácuo institucional que passou a ser coberto por experimentos de organização nos quais a linha que separa o político do paramilitar é bastante discutível.

Na ausência do
renovado quadro de instituições sociais, a representação e a agregação de interesses realizam-se por meio dos viciados círculos bolivarianos, ligados ao oficialismo, ou de corrompidas instituições corporativas, tal como a Central de Trabalhadores de Venezuela (CTV) e a Fedecamaras (representantes de parte dos trabalhadores e do patronato, respectivamente), que contam com apoio da maior parte dos meios de comunicação televisivos e impressos (Villa, 2005).

“Nos discursos de Chávez como candidato, e no início de
sua presidência, é clara a insistência no popular, no nacional, na soberania, na eqüidade, na democracia participativa, na crítica ao “capitalismo selvagem” e ao neoliberalismo, assim como a rejeição ao mundo unipolar e a prioridade das relações com os países do Sul, em particular aqueles da América Latina. No entanto, fica aberta uma questão básica: no que consistiria um projeto contra-hegemônico viável no mundo atual? Seria a busca de maiores níveis de autonomia nacional? O retorno ao desenvolvimentismo, à substituição de importações? Um modelo de desenvolvimento endógeno? Um Estado de bem-estar social? Um projeto antineoliberal no interior do capitalismo? Um projeto anticapitalista? Quando Chávez ganha as eleições e chega à Presidência da República, o governo não conta nem com um corpo ideológico ou doutrinário sistemático, nem com as linhas mestras claras do que poderia ser um projeto de país em seus principais âmbitos, nem com organizações políticas com capacidade para responder de forma adequada a estas carências. Em termos das clássicas distinções entre esquerda e direita, o projeto, em suas fases iniciais, foi heterogêneo e teve em seu seio, inclusive, posturas que podiam ser catalogadas como sendo de um tradicional nacionalismo militar conservador.”
(LANDER, 2005; p.194)

Na confrontação
política e na separação de alguns setores do projeto posições vão se marcando, definindo rumos e respostas ante as sucessivas conjunturas críticas que vão se atravessando. As definições iniciais do projeto de mudança como bolivariano, têm mais um conteúdo simbólico integrador de reconstrução do sentido da história nacional e continental do que conteúdos propriamente ditos de um projeto político ou econômico para o país.

Associada à idéia bolivariana está a noção da unidade cívico militar e o
papel preponderante que tiveram os setores militares em todo o processo. Este forte componente militar, junto com o caráter unipessoal da liderança, foi um argumento utilizado por alguns setores intelectuais venezuelanos tradicionalmente identificados com a esquerda para argumentar sua rejeição ao projeto, que caracterizaram como um populismo militar de caráter ou tendências autoritárias, ou inclusive como um neopopulismo neoliberal."

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Fonte:
PAULO DANIEL E SILVA: "A REFORMA PETROLEIRA DO GOVERNO CHÁVEZ E O PROCESSO DE MUDANÇAS ECONÔMICAS E SOCIAIS NA VENEZUELA". (Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Economia Política, sob orientação do Prof. Doutor Carlos Eduardo F. de Carvalho). São Paulo,
2009.

Nota:
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Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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