"Na Idade Média, os judeus eram uma parte discriminada da população. Como povo que assassinou o deus cristão, por isso eram considerados inferiores e por essa razão excluídos de grande parte da vida social. Alem disso eram impedidos de trabalhar no campo e de possuir manufaturas. Não tinham inclusive como produzir bens de consumo. No entanto a transição do feudalismo para o capitalismo foi tão difícil para a comunidade judaica como para a sociedade européia. Nesta época, a dos grandes descobrimentos, da expansão comercial e do capitalismo comercial, o judeu da Europa Ocidental encontra-se quase que totalmente isolado da sociedade, habitando bairros afastados e cercados por muros. Segundo Solin (1974)34, existia na Alemanha no séc. XII, aproximadamente 50 dessas comunidades.
Afastados da agricultura e das vias de comércio, os judeus saudaram com entusiasmo a política mercantilista. Alguns, com mais capital, se estabeleceram como banqueiros e financiaram os governantes absolutistas; e outros poucos, não tão ricos, mas mesmo assim possuidores de recursos consideráveis, compravam uma Schutz und Geleitbrief (uma espécie de carta de proteção, semelhante a um salvo-conduto), o que lhes permitia trabalhar como comerciantes, sem, no entanto, poder possuir um estabelecimento oficial de comércio. A grande maioria, contudo, estava condenada a uma existência quase clandestina, pois não havia ocupação que pudesse exercer legalmente. Freqüentemente objeto de perseguição dos cristãos, os judeus eram forçados a retirar-se sempre para o interior de sua comunidade, o único lugar onde encontravam espaços para si mesmos.
[...] o que está em jogo não é algo individual,
mas sim uma origem estrangeira, que é ou
poderia ser comum a muitos estrangeiros. Por
isso, em geral os estrangeiros não são sentidos
como indivíduos, mas sim como um tipo
determinado; o momento da distância não lhes é
menos geral do que o da proximidade. Esta
forma está na base, por exemplo, de um caso tão
específico como o do imposto medieval sobre os
judeus, tal como foi cobrado em Frankfurt e
também em muitos outros lugares. Enquanto o
imposto pago pelos cidadãos cristãos variava de
acordo com a fortuna e a situação de cada um, o
imposto para todo judeu era estabelecido de
uma vez por todas. A fixidez era devida ao fato
de que o judeu tinha sua posição social como
judeu e não como detentor de conteúdos
materiais específicos. Em matéria de impostos,
todo outro cidadão era possuidor de uma
determinada fortuna e seu imposto poderia
seguir as alterações desta última. O judeu,
porém, enquanto pagador de impostos, era em
primeiro lugar judeu e, por isso, recebia sua
posição enquanto contribuinte como elemento
invariável [...]
Em 1750, Frederico II da Prússia estabeleceu um Generalreglement para os judeus, cujo objetivo era regulamentar a vida e as possibilidades dos judeus a partir dos seus interesses. Eram sempre tratados como diferentes e vistos em função de sua utilidade. Os imperadores tiravam proveito do medo que sempre acompanhou os judeus, através de promessas de que não seriam massacrados, e esses privilégios imperiais eram concedidos em troca de pesados tributos. “Os judeus passam a ser uma moeda de troca na mão dos soberanos: quando quer reconciliar-se com alguma cidade, com o bispo ou com o senhor feudal, o soberano abre mão dos direitos de tutela sobre os judeus” . Uma moeda importante na mão dos imperadores, sua presença era disputada pelas taxas que pagavam.
A partir da segunda metade do século XVIII, a livre concorrência passa a ditar o ritmo da vida econômica e a forma das relações sociais, possibilitando uma nova organização da sociedade, que tende a considerar cada vez mais, a religião como algo restrito à esfera privada. Já na esfera pública, a idéia de igualdade dos direitos dos indivíduos ganha cada vez mais força.
A emancipação dos judeus começa a dar seus primeiros passos atrelados, de um lado, pelo processo de desenvolvimento do capitalismo, e por outro, sustentada pelo ideário igualitário iluminista. É interessante notar que esse processo de emancipação possibilita uma gradativa assimilação dos judeus na sociedade. Ao terem a possibilidade de se inserir na sociedade, saem da comunidade fechada em que viviam regidas pela tradição e pelas leis rituais. Esse processo de socialização coincide com um afrouxamento dos laços comunitários e tradicionais que sustentavam os judeus enquanto segregados, um processo de desjudaização.
No Império Habsburgo, o Kaiser José II promoveu, na década de 1780, um processo de normalização da situação do judeu, com o objetivo de transformá-lo em um súdito, passível de direitos e deveres. Emancipação esta, vista como um passo importante para o fortalecimento do Estado e do poder do monarca. Com o intuito de integrar os judeus na sociedade, Frederico Guilherme II cria a “Comissão de Reforma do Estatuto dos judeus” 37 com a intenção de germanizar os judeus. As autoridades acreditam que com a evolução do comercio e da indústria, os judeus venham a se integrar na sociedade.
A França estabeleceu os direitos de igualdade aos judeus na revolução. Na Alemanha, só conseguiram a igualdade de direitos com a conquista napoleônica, o que explica, por exemplo, o fato de que o pai de Karl Marx tenha podido ser juiz, embora para isso tenha sido necessário se deixar batizar.
O perigo da absorção não ameaça de modo
algum os judeus, pelo contrário, encontram-se
no estágio de judaização da Europa. Se
examinarmos isto com uma lupa psicológica,
encontraremos elementos "judaicos" no sangue
de todos os povos de cultura e essa judaização
do não judeu corre paralela à europeização dos
judeus. Quanto mais os judeus se assimilam,
tanto mais eles se assimilam a si mesmos, e o
momento da maior assimilação dos judeus
coincidirá com o momento de sua maior
influência enquanto elemento psíquico [...]
europeus e judeus encontram-se em uma
profunda ligação cultural. Eles são indivisíveis
[...].
As dificuldades que os judeus tiveram para a inserção na sociedade alemã e austríaca podem ser explicadas pela ausência de uma revolução burguesa, em contraste especialmente com França, Holanda e Inglaterra, ou de um processo de independência, como ocorreu nos Estados Unidos. Nestes países, o impulso revolucionário ou de oposição ao regime, consolidou os direitos civis surgidos no conceito de democracia, estabelecendo a igualdade de direitos e a possibilidade de integração do judeu na sociedade.
Na Holanda, desde a independência, proclamada em 1581, os judeus tiveram um porto seguro; no decorrer do século XVII, Amsterdã ficou conhecida como a "Jerusalém holandesa”. Na Inglaterra, os judeus obtiveram igualdade de direitos a partir da época de Oliver Cromwell (1599-16580). E na América do Norte, a Constituição de 1787 assegurava a igualdade de todas as confissões. Em todos esses casos, a possibilidade de assimilação e integração social dos judeus efetivou-se como parte de um processo mais amplo, que tinha em vista a democratização da sociedade.
O processo de emancipação do judeu no mundo alemão seguiu um caminho peculiar: permitiu uma liberação econômica, em que eles puderam exercer atividades econômicas contrastada com a persistente segregação social. Muitos judeus atingiam considerável sucesso econômico, mas permaneciam socialmente segregados. A solução encontrada para o reconhecimento social por parte do judeu economicamente bem-sucedido foi o batismo. Uma condição necessária utilizada amplamente. Mas, deixar-se batizar significava somente uma transformação religiosa; a origem étnica judaica permanecia sempre a descoberto. Os movimentos nacionalistas alemães, por exemplo, ignoraram a diferença entre um judeu batizado ou não.
Na Prússia, a emancipação significou para os judeus, ao mesmo tempo, oportunidade e crise. A grande tarefa consistia em manter ou redefinir a identidade judaica em um mundo
Ao dimensionar as conseqüências do desenvolvimento econômico, social, e cultural sobre as comunidades judaicas da Europa, o capitalismo criou o um espaço favorável para o desabrochar da burguesia judaica. A população se desloca dos guetos e aldeias, e migra para as cidades. Em 1867, 70% dos judeus residentes na Prússia, viviam em pequenas aldeias em 1927 essa proporção cai para 15%39. No inicio do séc. XIX, os judeus já conseguem se integrar na vida social da Alemanha, e vivem em harmonia com os alemães em bairros ricos. Suas riquezas abriram portas e os ajudou a travar relações com o poder. Esses judeus patrocinavam movimentos literários e mantinham salões onde se realizavam atividades sócioculturais."
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Fonte:
Ethel kauffmann: "A Contribuição dos Cientistas Judeus as Ciências Naturais no Brasil". (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Historia das Ciências, das Técnicas e Epistemologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção de do titulo de Mestre em História das Ciências. Orientador: Professor Doutor Luis Alfredo Vidal). Rio de Janeiro, 2009.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
História do Antissemitismo
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