Papel das organizações e a prática criminosa

Para North (1994, p. 97), as instituições “[...] são restrições (normas) construídas pelos seres humanos que estruturam a interação social, econômica e política, elas consistem em restrições informais (tabus, costumes, tradições e códigos de conduta) e regras formais (constituições, leis)”.

Portanto, as instituições possuem o propósito de limitar as interações humanas, além de condicionar estas interações, porém há instituições que efetivamente não aplicam tais preceitos, são aquelas destinadas a impor restrições sobre outras instituições, ou seja, cuja finalidade é regulamentar as restrições das ações humanas, servindo de parâmetro a regras formais e informais. Ainda segundo North (1994, p. 13), “instituições são as regras do jogo econômico, social, político e do próprio jogo institucional”.

No que tange à prática criminosa, o crime pode ser praticado por um indivíduo isoladamente ou de forma coletiva (organização). Os indivíduos agem individualmente quando os resultados da ação “[...] individual e independente podem servir aos interesses do indivíduo tão bem, ou melhor, do que uma organização” (OLSON, 1999, p. 19). Por outro lado, quando os resultados da ação individual forem inferiores aos que poderiam ser obtidos coletivamente, os indivíduos formam uma organização porque sabem que podem maximizar seus ganhos. Deve-se destacar que as instituições (organizações) são mecanismos para alcançar propósitos, não apenas para acordos (PUTNAM, 2002).

Desse modo, se se considerar, segundo já frisado por North (1994), que as instituições são as regras do jogo (econômico, social, político e do próprio jogo institucional), uma organização criminosa pode ser encarada, a fortiori, como algo próximo a uma instituição criada intencionalmente por indivíduos que têm como objetivo a maximização dos seus benefícios na área ilícita, com “regras” e “leis” próprias. Com efeito, numa atividade empresarial como a do crime, os ganhos são incertos e dependem diretamente da probabilidade de sucesso da operação criminosa.

A escola radical do pensamento econômico-criminal, em relação ao papel da estrutura de classes e o viés do Estado na atividade repressiva, argumenta a hipótese de que “[...] praticamente todos os crimes nas sociedades capitalistas representam respostas perfeitamente racionais à estrutura das instituições sobre as quais tais sociedades se articulam” (GORDON, 1971, p. 50).

Portanto, as ações das organizações criminosas deixam refém a sociedade, porque é ela a matéria-prima básica que sustenta a luta cada vez mais abrangente e feroz entre o Estado e a macrocriminalidade, nos campos econômicos, sociais e políticos. Tais ações comprometem a materialidade da geografia, dos indivíduos, dos bens tangíveis e intangíveis do país (MIR, 2004).

A organização das sociedades pode estimular os indivíduos a cometerem crimes. A sociedade capitalista, por estar alicerçada na competitividade e egocentrismo, instiga os indivíduos a buscarem para si as melhores oportunidades disponíveis. No entanto, muitas dessas oportunidades podem estar diretamente relacionadas à violação de determinadas leis e normas sociais. Assim, o próprio sistema capitalista originou diversos problemas sociais, problemas que o mesmo não consegue solucionar, pois isso implicaria a ruptura de princípios fundamentais ao seu funcionamento (PEZZIN, 1986).

Ainda sob a análise da escola radical dos crimes econômicos, a mesma escola procura buscar a origem das diferenças do porque alguns crimes são muito mais violentos que outros, alguns mais penalizados e, ainda, alguns mais lucrativos sem que possuam um elo entre violência-punição-lucro. A resposta obtida é de que a estrutura das instituições de classe e os vieses de classe do próprio Estado são responsáveis pelo comportamento criminal em si.

Desta forma, as atividades do crime econômico podem estar relacionadas diretamente ao mercado financeiro, ao mercado de valores, à concessão de subsídios e subvenções públicas e à área fiscal. “[...] o seu bloqueio e desativação direta e eficaz afeta a própria política econômico-financeira governamental que, a pretexto de evitar crises sucessivas, legaliza essa macrocriminalidade para também usufruir” (MIR, 2004, p. 274).

Assim, entende-se a macrocriminalidade como a delinqüência em bloco, incluída no meio social de modo sub-reptício (crime organizado) ou sob a denominação crime de “colarinho branco”, enquanto que microcriminalidade é a soma dos delitos individuais. Embasada na confiabilidade da impunidade, a macrocriminalidade tem por premissa dois fatores: o lucro e a impunidade. O crime organizado possui estrutura empresarial que, para a consecução dos fins ilícitos, articula os fatores essenciais de produção criminosa: capital, pessoal hierarquicamente posicionado e especialização tecnológica ou “know-how” (FERNANDES e CHOFARD, 1995).

A crescente atividade econômica sem limites institucionais e morais estimula o surgimento do crime organizado no tráfico de drogas e de armas, imbricados com os fluxos de dinheiro para paraísos fiscais como formas de comércio ilegal e de corrupção. Portanto, não seria possível movimentar as toneladas de drogas e os milhares de armas que circulam, sem as redes interconectadas de “negociantes” que envolvem vários personagens da economia legal e ilegal do país (ZALUAR, 2004).

O crime organizado assemelha-se à sociedade regular, possui certa infraestrutura e departamentos estáveis e impessoais. Sua impessoalidade estruturada chega a aproximar-se de uma sociedade anônima. Isso dificulta a sua visibilidade e faz com que permaneça intocável o manto de sigilo que a encobre, principalmente no que diz respeito a seus mandatários.

Para tanto, deve haver uma sincronia entre a contabilidade de custo e a tecnologia do crime – atividade ilícita exercida de forma planejada utilizando-se de mecanismos gerenciais –, considerando o objetivo/fim da atividade ser o lucro, sem o qual a organização entraria em colapso.

Estudo realizado por Zaluar (2004, p. 344-345) aponta que:

[...] o crime organizado está ligado ao poder oficial e é preciso estar atento às reviravoltas dessas redes fluídas dos personagens públicos e exteriores à organização criminosa que nela imiscuem ou a ela se sobrepõem [...] o empresário mafioso, traficante de drogas e de armas, das últimas décadas do século XX têm atividades imobiliárias, financeiras e comerciais de lavagem do dinheiro sujo que fazem dele sobretudo um rentier.

As atividades do crime organizado relacionam-se, principalmente, com o tráfico de drogas, a exploração da prostituição, exploração dos jogos de azar, o contrabando, a extorsão, os seqüestros com fins lucrativos, agiotagem em grande escala, etc. Com os ganhos obtidos nessas atividades, os chefes do crime organizado montam empreendimentos lícitos para transformar o dinheiro “sujo” em dinheiro “limpo”, tudo para acobertar suas operações criminosas e justificar o vulto de seus capitais perante o fisco. Transformam-se “eles”, destarte, em importantes homens de negócios de vida aparentemente “irrepreensível” (FERNANDES e CHOFARD, 1995).

Ainda segundo Fernandes e Chofard (1995), os elementos que compõem o crime organizado são de difícil identificação, porque, muitas vezes, este criminoso é uma simples peça de uma estrutura que se propõe a determinados fins, com o apoio de uma infraestrutura na qual ele se insere e sem a qual certamente fracassaria. Apenas internamente, entre os seus submentores e escalões menores, é que essa estrutura é conhecida. Esses fatores é que dificultam a repreensão policial e a presunção penal. Além disso, os membros do crime organizado estão resguardados pelos imperativos jurídicos (princípio da reserva legal, proibição de analogia, individualização da pena, presunção de inocência até condenação, etc.) e os chefes do crime organizado quase sempre se apresentam como figuras de destaque da comunidade, tornando-se praticamente impossível combatê-los com os métodos tradicionais de repressão à criminalidade.

Neste sentido, os crimes corporativos, econômicos e fraudulentos diferenciam-se na essência da classe socioeconômica do infrator, pois a ação destes crimes visa à obtenção de vantagens econômicas, diferindo em relação a outros crimes apenas na escala dos benefícios. Por exemplo, o comércio de drogas está presente na economia em todo o território nacional, com vendas no varejo e no atacado, emprega dezenas de milhares de pessoas e tem movimentações financeiras vultosas. A interrupção desta atividade provocaria uma crise, para a qual resta como alternativa o consentimento forçoso.

Segundo Franco (1994), citado por Gomes e Cervini (1995), a concepção de crime organizado tem caráter transnacional na medida em que não respeita o limite dos territórios de cada país, e possui características semelhantes nos locais onde atua. Além de deter um poder de comando com amplitude e estratégia global, aproveita as deficiências estruturais do sistema penal.

O Brasil, embora não seja um produtor de tóxico destacado, presta-se como centro de processamento e redistribuição de drogas. A vasta extensão territorial e as fronteiras com países produtores como o Peru, a Bolívia, o Paraguai e a Colômbia fazem do país a base para o envio de drogas, principalmente, para a Europa.

Conforme Gomes e Cervini (1995), o crime organizado gera as seguintes conseqüências no meio em que atua: a) provoca danosidade social de alto vulto; b) tem grande força de expansão compreendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas difusas; c) dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; d) apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos delinqüentes e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade; e) origina atos de extrema violência; f) exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; g) urde mil disfarces e simulações; e, h) é capaz de inerciar ou fragilizar o poder do próprio Estado.

[...] a criminalidade organizada “não é apenas uma organização bem feita, não é somente uma organização internacional, mas é, em última análise, a corrupção da legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate à criminalidade [...] é uma criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais, pela pouca visibilidade dos danos causados bem como por um novo “modus operandi” (profissionalidade, divisão de tarefas, participação de “gente insuspeita”, métodos sofisticados, etc.) (HASSEMER, 1994, p. 85).

Quando se fala do crime organizado convém lembrar que ele é praticado por indivíduos que detêm status social elevado, como os crimes de “colarinho branco”, em que agentes de controle ungidos de poder atuam em torno da corrupção, favorecimentos ilegais, crimes contra a concorrência pública, evasão de divisas, sonegação fiscal, etc. Na realidade, o crime organizado tende a prosperar nos países onde a legislação penal é ineficiente ou paternalista e o poder público é predisposto à corrupção”.

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Fonte:
SALETE POLONIA BORILLI: "ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS ECONÔMICAS DA PRÁTICA CRIMINOSA NO ESTADO DO PARANÁ: ESTUDO DE CASO NAS PENITENCIÁRIAS ESTADUAL, CENTRAL E FEMININA DE PIRAQUARA". (Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE/Campus de Toledo, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Pery Francisco A. Shikida). Toledo, 2005.

Nota
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