A "Ideologia da Evolução"

De acordo com o "Dicionário Michaellis da Língua Portuguesa" a palavra “evolução” tem os seguintes sentidos: ato ou efeito de evoluir; progresso paulatino e contínuo a partir de um estado inferior ou simples para um superior, mais complexo ou melhor; transformação lenta, em leves mudanças sucessivas; progresso ou melhoramento social, político e econômico, gradual e relativamente pacífico, em contraste à mudança violenta, à revolução; processo pelo qual, através de uma série de alterações gradativas, a partir de um estado rudimentar, todo organismo vivo ou grupo de organismos adquiriu os caracteres mofológicos ou fisiológicos que o distinguem; qualquer movimento destinado a efetuar um novo arranjo, pela passagem de uma posição a outra, dos componentes de um grupo (dançarinos, patinadores etc.); e: desenvolvimento, crescimento sucessivo dos órgãos vegetais.

Já segundo o Dicionário de Filosofia de J. Ferrater Mora (Edições Loyola, 2001, p. 945, 946), “evolução” vem do latim evolutio (do verbo evolvo) e “designa a ação e o efeito de desenrolar-se, desdobrar-se, desenvolver-se algo. 'Evolução' é um dos termos em uma numerosa família de vocábulos em cuja raiz encontra-se a ideia ou a imagem de rodar, correr, dar voltas: 'involução', 'devolução', 'circunvolução' e outros similares. A ideia ou imagem que 'evolução' suscita é a do desenrolar, do desenvolvimento de algo que estava enrolado, dobrado ou envolvido. Uma vez desenvolvida ou desdobrada, uma realidade pode reenvolver-se ou redobrar-se.” E, mais adiante: “Em vista de tudo isso, cabe concluir que é melhor qualificar os distintos significados de 'evolução' (ou de termos cujo significado é próximo do de 'evolução'). Pode-se falar então de evolução em sentido teológico, metafísico, histórico, biológico etc., ou, como indicamos anteriormente, de evolução em sentido "conceitual". Todavia, separar excessivamente os significados levaria a esquecer que há elementos comuns no conceito de evolução. Esses elementos comuns são, inevitavelmente, de caráter muito geral.”

Darwinianamente falando, ou seja, pensando “evolução” pelos moldes como fora inicialmente concebida por Charles Darwin, tal palavra possui a mesma conotação de algo que está em “progressão contínua” ou, pleonasticamente falando: “subindo para cima”. Isso fica bem claro em seus livros, por exemplo, em:
“Crer que o homem, em sua origem, era civilizado e que depois em tantas regiões sofreu uma extrema degradação, significa fazer-se uma ideia miseramente baixa da natureza. Aparentemente, é mais verdadeira e mais clara a ideia que diz que o progresso tem sido mais geral do que o retrocesso segundo o qual o homem, ainda que com passos lentos e descontínuos, emergiu de uma condição baixa para um nível altíssimo, ainda conservado, na consciência, na moral, na religião”. Ou: “No caso das estruturas corpóreas, o fator que contribui para um progresso de uma espécie é a seleção de indivíduos ligeiramente mais dotados e a eliminação daqueles menos dotados, e não a conservação de anomalias fortemente acentuadas e raras”. Ou ainda: “Aparentemente existe muita verdade na opinião de que os maravilhosos progressos dos Estados Unidos e o caráter deste povo são o resultado da seleção natural; com efeito, os homens mais enérgicos, irrequietos e corajosos de todas as parte da Europa emigraram durante as últimas dez ou doze gerações para esse grande país e lá tiveram o melhor êxito. E, por fim: “No que toca às nações altamente civilizadas, num nível subordinado,, o contínuo progresso depende da seleção natural: com efeito, tais nações não se sobrepujam e exterminam mutuamente como fazem as tribos selvagens. Não obstante isto, os membros mais inteligentes, no seio da mesma comunidade, terão mais êxito com o correr do tempo do que os menos inteligentes, e terão prole mais numerosa; e isto não deixa de ser uma forma de seleção natural. As causas mais eficazes do progresso parecem consistir numa boa educação durante a juventude, quando a mente é suscetível de ser formada, e num alto nível de excelência, imposto pêlos homens mais capazes e melhores, incorporado nas leis, costumes e tradições da nação e reforçado pela opinião pública” (“A Origem do Homem”. Hemus Editora, 1974, p. 164, 170-171, 174). Entre muitas outras citações...

A motivação para o uso do termo, mais que óbvio, é ululante. No fim, a idéia era mostrar que os seres vivos, incluindo o homem, no decorrer dos tempos se tornariam melhores, superiores ou “mais aperfeiçoados”.

Esse conceito caiu como uma luva para as pretensões imperialistas dos europeus, que se aproveitaram da teoria emergente para usá-la a favor de seus interesses. Por esta concepção, os “incivilizados” da Terra do Fogo, por exemplo, estariam assim atrasados evolutivamente, sendo por isso “inferiores”, o que contrastava com a “superioridade” do habitante branco da Europa, preferencialmente o rico inglês. Darwin deixa isso explícito aqui:
“A conclusão principal a que se chegou nesta obra, isto é, a de que o homem descendeu de alguma forma menos organizada, nem sequer gosto de pensar, desagradará bastante a muitos. Mas dificilmente podemos duvidar que não tenhamos descendido de bárbaros. Jamais esquecerei o espanto que tive quando pela primeira vez vi uma reunião de fueguinos numa praia selvagem e impérvia, diante da ideia que logo me veio à mente — assim eram os nossos antepassados. Esses homens estavam completamente pelados e tinham o corpo pintado, com os longos cabelos emaranhados, as bocas espumavam de excitação e tinham uma expressão selvagem, apavorada e cheia de suspeita. Malmente tinham alguma arte e viviam como animais selvagens daquilo que conseguiam capturar e eram impiedosos com o que não fosse da sua tribo. Quem tiver visto um selvagem em sua terra nativa não sentirá muita vergonha se for constrangido a reconhecer que em suas veias corre o sangue das mais humildes criaturas. Quanto a mim, quisera antes ter descendido daquela pequena e heróica macaquinha que desafiou o seu terrível inimigo para salvar a vida do próprio guarda; ou daquele velho babuíno que, descendo da montanha, levou embora triunfante um companheiro seu jovem, livrando-o de uma matilha de cães estupefatos, ao invés de descender de um selvagem que sente prazer em torturar os inimigos, que encara as mulheres corno escravas, que não conhece o pudor e que é atormentado por enormes superstições” (“A Origem do Homem”. Hemus Editora, 1974, p. 11).

Ora, se a intenção fosse apenas e tão somente a de mostrar que os seres vivos se modificaram ao longo dos tempos (sem conotações de “melhorias”, “aperfeiçoamentos” e “progressos”) a palavra mais sensata para este fim certamente seria algo como “teoria da transformação”, que não traz em si a simples ideia de “melhoramento”, “aperfeiçoamento”, “benfeitoria” ou “progresso”. Mas, é claro, “evolução” combinava muito bem com as pretensões ideológicas da elite inglesa , da qual se originou o “Darwinismo Social”, que, por sua vez, atrela-se diretamente ao termo "evolução", um exemplo emblemático do emprego tendencioso da língua.

É isso!

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