

Libertação da teologia: a ideologia da igreja de Edir Macedo
“Ainda que o neopentecostalismo iurdiano seja usualmente visto como uma espécie de  adaptação  da  fé  pentecostal  aos  valores  do  mundo  ocidental  contemporâneo,  portanto  mantendo  uma  relação  de  continuidade  com  o  pentecostalismo  clássico,  o  mesmo  tipo  de analogia  não  se  aplicaria  ao  protestantismo  histórico.  Conforme  observa  Marcia  Benetti  (2004),  na  Igreja  Universal,  a  ética  protestante  clássica  -  segundo  a  qual  o  homem,  já  predestinado  à  salvação,  glorificaria  a  Deus  através  de  seu  trabalho  –  cede  espaço  para  a  magia. Leonildo Campos (1997, p. 42) também enxerga esta diferença de paradigma entre tais  correntes  do  cristianismo  “como  uma  das  possíveis  chaves  de  interpretação  do  fenômeno  neopentecostal,  desde  que  não  se  atribua  ao  termo  ‘magia’  um  sentido  negativo  ou  depreciativo”.
É desejável acrescentar que nossa interpretação sobre o conceito de magia é amparada  nas  reflexões  de  Weber  (apud  CAMPOS,  1997,  p.  41),  que,  ao  compará-la  com  a  religião,  sugere  que  esta  última  se  caracteriza  pela  submissão  e  serviços  prestados  à  divindade,  enquanto que a primeira constrange os poderes da divindade de modo que estes sirvam aos  objetivos  do  praticante  do  ritual  mágico.  No  imaginário  iurdiano,  portanto,  Deus  está  constantemente  sujeito  a  tornar-se  refém  dos  anseios  de  seus  fiéis.  Basta  apenas  que  eles  cumpram suas obrigações enquanto crentes:
A  pessoa  oprimida  pela  situação  financeira  precisa  (...)  aplicar  todos  os  conselhos da Palavra de Deus na sua vida, ou seja, seguir fielmente aqueles passos  
Para Campos (1997), o que provoca o surgimento de uma atividade “pastoral-mágica” na Igreja Universal é justamente o discurso pela satisfação dos desejos daqueles que procuram seus templos. Deste modo, a oferta de bens simbólicos, envolta em um manto sobrenatural, termina por requisitar o emprego de certos tipos de artifícios que logo nos remetem à idéia de sincretismo  religioso:  “Daí  o  emprego  nos  templos  iurdianos  da  ‘água  abençoada’,  ‘óleo  ungido’,  ‘manto  consagrado’,  ‘mesa  branca  energizada’,  ‘rosa  ungida’,  ‘areia  do  deserto  do Sinai’ e outros elementos, aos quais se atribuem eficácia mágica” (idem, p. 44). Nada muito distinto  da  simbologia  presente  no  catolicismo  popular,  no  espiritismo  e  nas  religiões  afro-brasileiras.
O fato de explorar elementos comuns a outras religiões não significa qualquer tipo de  ecumenismo  ou  tentativa  de  convivência  harmônica  com  indivíduos  e  instituições  que difundam  outros  credos.  Um  dos  acontecimentos  mais  polêmicos  envolvendo  a  Igreja Universal foi o fatídico episódio do “chute na santa”, no ano de 1995, em que o bispo Sérgio Von Helde desdenha e “agride” uma imagem de Nossa Senhora Aparecida durante programa religioso exibido pela Rede Record em pleno feriado de 12 de outubro, quando os católicos tradicionalmente  celebram  homenagens  à  padroeira  do  Brasil.  As  cenas,  transmitidas exaustivamente pelos canais de televisão brasileiros, foram tratadas como indício de “guerra santa”, provocando manifestações de repúdio à atitude do bispo da IURD em todo o país.
Mesmo  utilizando  em  seus  cultos  elementos  inspirados  nas  práticas  religiosas  da Umbanda e do Candomblé, o discurso áspero contra a profissão destas e de outras crenças leva Mariano (2004, p. 133) a concluir que “a opção sincrética da Universal (...) não a levou a suprimir  seus  rompantes  de  intolerância  nem  sua  notória  hostilidade  aos  cultos  afro-brasileiros.  Daí  uma  das  principais  razões  de  seu  envolvimento  em  diversos  incidentes  e conflitos religiosos ao longo dos anos”.
Portanto, se uma das razões do inegável sincretismo iurdiano está na necessidade de constranger a figura divina a realizar os desígnios dos que nela crêem, a não menos evidente intolerância religiosa, por sua vez, pode muito bem ser interpretada como conseqüência dos mecanismos de auto-atribuição da Igreja Universal como a única capaz de salvar almas - não apenas  do  fogo  do  inferno,  mas  das  doenças,  da  miséria  e  de  todos  os  males  causados  por entidades malévolas:
Sendo  uma  ideologia,  o  pensamento  neopentecostal  é  esquemático  e normativo. (...) O que move este ideário é o desejo de distinção: o fiel está entre os predestinados  (...)  e  por  isso  será  salvo.  Em  oposição  a  ele  (e  a  sua  comunidade) estão  “os  outros”.  Simbolicamente,  é  como  se  a  igreja  desenhasse  um  círculo. Dentro  dele,  os  que  pertencem  à  Universal,  os  abençoados.  Fora  dele,  os  demais: ateus,  agnósticos,  católicos,  muçulmanos,  budistas,  judeus,  absolutamente  todos, inclusive os cristãos de outras denominações evangélicas. (BENETTI, 2004, p. 51)
É  justamente  através  deste  maniqueísmo  sofisticado,  envolto  em  uma  espécie  de “intolerância  sincrética”,  que  a  Igreja  Universal  encontra-se  preparada  para  arrebanhar milhões  de  fiéis,  seres  iluminados  que  escaparam  por  um  detalhe  de  ser  completamente tragados  pela  figura  onipresente  do  demônio.  Onipresente  porque  a  qualquer  momento,  ao menor descuido do crente convertido, o inimigo pode voltar a bater à sua porta. Uma dúvida pontual  a  respeito  da  Palavra  de  Deus  -  professada  pelos  pastores  da  Universal  -  pode significar  não  apenas  uma  chance  para  que  o  diabo  volte  a  atuar  na  vida  daquele  que questiona, mas a própria atuação do demônio, tentando dissuadi-lo a deixar de freqüentar  a igreja.
Em estudo sobre a oposição entre as figuras de Deus e do diabo nos testemunhos dos fiéis da IURD, Benetti (2000) identifica três pilares essenciais em que se apóia o discurso iurdiano:  salvação,  cura  e  prosperidade.  Ora,  sem  a  existência  de  uma  entidade  maligna poderosa,  não  haveria  razão  aparente  para  desejar  salvar-se.  Ainda  assim,  como  só  poderia ocorrer  na  pós-modernidade  -  era  da  supremacia  da  literatura  de  auto-ajuda  -  “salvação  e felicidade misturam-se, como se unem também espiritualidade e materialidade” (idem, 2004, p. 51).
Em vez de Teologia da Libertação, Edir Macedo apregoa a  libertação da Teologia,ao  afirmar  que  “todas  as  formas  e  todos  os  ramos  da  Teologia  são  fúteis.  Não  passam  de emaranhados de idéias que nada dizem ao inculto; confundem os simples e iludem os sábios” (1993, p. 17-18). Impulsionado pelo discurso ideológico que rejeita as ideologias em nome da eficácia do pragmatismo, o líder da Universal, ao trazer a salvação para um universo palpável, a traduz em cura e prosperidade, do mesmo modo em que as demais igrejas neopentecostais e  o movimento de Renovação Carismática, vertente neopentecostal da Igreja Católica. É claro  que,  tal  qual  ocorre  no  capitalismo  tardio  e  nos  rituais  mágicos,  Macedo  (apud  BENETTI,  2004, p. 53) nos alerta que “tudo tem o seu preço. Se o objetivo que eu quero alcançar é muito  alto, então alto também será o preço do sacrifício que terei que pagar”. 
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Fonte:
Bruno Caetano Cassiano : "Religião e jornalismo: uma análise das matérias de capa do jornal Folha  Universal". (Trabalho  realizado  como  pré-requisito para conclusão do curso de Comunicação Social  -  Jornalismo,  da  Faculdade  de Biblioteconomia  e  Comunicação,  da Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul,  sob  orientação  da  professora  Dra. Marcia Benetti Machado). Porto Alegre,  2007.
Nota:
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As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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