“Para compreendermos como as medidas preconizadas pela comissão científica de combate à broca do café incidiram sobre o cotidiano da produção cafeeira, é necessário apresentar sua dinâmica e a maneira pela qual se organizava nos anos 1920, desde a plantação até a exportação, passando pelo beneficiamento e transporte. Deve-se levar em conta, porém, que tal dinâmica, retratada em sua sincronia, é fruto de idiossincrasias e contingências próprias ao modo como aquela cultura era praticada: tipos de propriedade, graus de mecanização, localizações e, ainda, modalidades de gestão da produção. Se havia peculiaridades, isto é, se nem todos plantavam e exportavam café exatamente da mesma maneira, por outro lado, é possível delinear os traços comuns que caracterizavam a cafeicultura naquele contexto histórico.
Como já foi apontado, a mão de obra era constituída por imigrantes estrangeiros, principalmente italianos, além de migrantes nacionais. Estes eram oriundos de regiões em decadência econômica, como o Nordeste e algumas áreas de Minas Gerais, cuja corrente migratória começava a ganhar vulto naqueles anos de
No material coligido para o presente estudo, são recorrentes as queixas a respeito do “espírito de rotina” que dominava a cultura cafeeira. Manoel Lopes de Oliveira Filho, agrônomo e jornalista responsável pela coluna “Assumptos Agrícolas”
Além do solo favorável, o oeste paulista apresentava conformação montanhosa pouco elevada, ideal para o cultivo do café, que era geralmente plantado em morros e colinas. Tal característica não favorecia o uso de muitos aparelhos mecânicos e obrigava os colonos a lançarem mão de instrumentos rotineiros, como a enxada ou enxadão (Queiroz, 1914, p. 32). Faziam a preparação e conservação do solo através de técnicas como a capina, manual ou mecânica, e a “esparramação” do cisco, de forma a manter o terreno limpo. (Lapa, 1983, p. 57). Máquinas como o cultivador e o ciscador auxiliavam o trabalho, já que tinham por função revolver o solo e extirpar ervas daninhas (Queiroz, 1914, p. 33).
Vencida essa etapa, procedia-se à plantação. Segundo Queiroz (1914, p. 22), que retratou uma fazenda de café típica do oeste paulista, em Mococa, a contratação da mão de obra para a plantação era feita através do pagamento de uma quantia fixa por alqueire de terra, ou por certo número de cafeeiros, além do direito de plantar cereais para própria subsistência durante três anos.10 Diversas variedades de café eram cultivadas no Brasil, mas todas originadas do Coffeae arabica (Lapa, 1983, p. 57). Faziam-se as sementeiras nas próprias fazendas e, uma vez crescidas as mudas, eram selecionadas e plantadas na época das primeiras chuvas, geralmente em setembro (Idem, p 58). O ideal era que as sementeiras fossem montadas em local fresco e à sombra, como clareiras em matas, próximas às áreas onde se realizaria o plantio (Queiro, 1914, p. 136). Os cafeeiros eram plantados em curvas de nível, de forma a evitar a erosão pela água da chuva. Junto podiam ser plantadas árvores de médio porte para fornecer sombra às plantas
Até que o cafeeiro produzisse os primeiros frutos, período que variava de quatro a seis anos (Love, 1982, p. 66), havia necessidade de uma rotina de tratamento que incluía a “coroação” – formação de uma coroa de terra em volta do pé – e a “arruação”: abertura e manutenção de vias entre os cafeeiros para circulação dos trabalhadores (Lapa, 1983, p. 59-60).
Na primavera, as plantas vegetavam e frutificavam, prolongando-se a frutificação pelo verão até dar lugar à maturação no outono. Assim, entre abril e maio, o fruto do café adquiria coloração vermelha ou amarelada. A colheita acontecia normalmente entre 15 de junho a 15 de agosto, havendo variações de acordo com a região em que era cultivado o café. Por ocorrer num pequeno espaço de tempo, a colheita demandava grande quantidade de mão-de-obra, a fim de impedir que os frutos, uma vez secos, caíssem. Antes de começar a colheita, realizavam-se varrições e rastelamentos, para evitar que os frutos caídos prematuramente ficassem entre os pés.
Os processos tradicionais de colheita eram o arrancamento manual dos frutos presos aos galhos; a “derriça natural”, em que se esperava a queda espontânea dos frutos secos sobre um pano colocado embaixo do cafeeiro; ou ainda a “catação”, ou seja, a colheita manual, grão a grão, que tinha a vantagem de permitir melhor seleção dos frutos (Lapa, 1983, p. 60). Era habitual a colheita ser feita quando havia ainda grande quantidade de frutos verdes, assinala Oliveira Filho (1928, p. 12-3), o que prejudicava a qualidade do café durante a comercialização. Ganhou bastante publicidade nos anos
O café era então conduzido aos lavadouros e em seguida aos terreiros, ou diretamente para estes. O processo de lavagem mostrava-se mais comum nas grandes propriedades, auxiliando no processo de separação dos frutos em bóias (secos, escuros), cerejas (vermelhos) e verdes (Oliveira Filho, 1928, p. 15). A lavagem ajudava ainda na limpeza dos ciscos, principalmente se a colheita era feita pelo derriçamento (Queiroz, 1914, p. 154). Na secagem, o café era espalhado em terreiros ladrilhados ou pichados e amontoado ao final do dia, já meio seco, e coberto, para ser protegido do sereno e das chuvas. A secagem podia ser feita artificialmente através de secadores que economizavam tempo e mão-de-obra. Quando chegava ao ponto ideal, o café era depositado nas tulhas – armazéns construídos em locais secos – antes de ser submetido ao beneficiamento.
O beneficiamento foi a etapa que sofreu maior aperfeiçoamento tecnológico no processo de produção, constituindo um fator de distinção entre os produtores; já vimos que a mobilização de capital necessária para a aquisição das máquinas obrigava muitos proprietários a entregarem sua colheita àqueles que podiam fazê-lo. O beneficiamento consistia em libertar os grãos de café de seus envoltórios protetores (Sallum Jr., 1982, p. 18). Demandava o uso de equipamentos como ventilador, descascador, aspirador, ventilador de cascas e, ainda separador de café (Oliveira Filho, 1928, p. 16-7). A última etapa era a torrefação, não necessariamente realizada no âmbito da fazenda. O maquinário de beneficiamento requeria conservação e manutenção constantes.
O café beneficiado era acondicionado em sacos feitos geralmente de tecidos semelhantes à juta. Transportavam-se as sacas da fazenda para o porto através das ferrovias que riscavam as colinas do oeste paulista, abarcando a quase totalidade das regiões produtoras. Estradas particulares ou picadas acessíveis apenas a mulas ligavam as fazendas à estação ferroviária mais próxima. No porto de Santos havia todo um aparato voltado para o acondicionamento do café, antes de ser ele transferido para os navios que o transportaria a seus destinos finais. O café determinou a modernização do porto de Santos, de modo a otimizar o escoamento da produção. Além do incremento no setor comercial, com a fundação da Associação Comercial de Santos, houve a implementação de uma nova alfândega e da Companhia Docas de Santos, que por 90 anos monopolizaria as operações no porto (Grieg, 2000).
Os armazéns gerais, que consistiam num sistema comercial de depósito, articulavam-se às companhias exportadoras e a um complexo de serviços sediados na praça de Santos, que asseguravam o embarque de café e a comercialização em grande escala, para que esta pudesse ser feita em perfeitas condições (Lapa, 1983, p 102).
Quando entrou em vigor a política de valorização do café, surgiram os armazéns reguladores, que retinham a produção a fim de controlar a oferta no mercado mundial. Tais armazéns ficavam nas principais estações ferroviárias do estado, principalmente nos entroncamentos, onde os sacos de café eram transportados para outras composições.
Tendo em mente este sucinto quadro das rotinas de produção e comercialização do café
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Fonte:
ANDRÉ FELIPE CÂNDIDO DA SILVA: “CIÊNCIA NOS CAFEZAIS: A CAMPANHA CONTRA A BROCA DO CAFÉ
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
O processo cafeicultor paulista nos anos 1920: da plantação ao porto
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muito grande gostaria que fosse mais resumido
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