O que é Loucura?

“Existe uma certa dificuldade em se definir o que é loucura. Na medicina especializada, o conceito é substituído por termos técnicos como transtorno mental, psicótico ou esquizofrênico, ou ainda, doença mental. Em certa medida, todas estas expressões possuem um significado em comum. Elas se aplicam ao indivíduo que se encontra em desajuste com as normas sociais vigentes, que se desvia da cultura em que está inserido, o que, no senso comum, equivale à loucura. Para essas explicações, o ramo da medicina especializado na doença mental é chamado de psiquiatria. Esta utiliza duas vertentes: o método orgânico, que explica as doenças por causa fisiológicas, e o psicológico, que considera os sentimentos e emoções reprimidos do paciente.

O conceito mais atual de loucura, ou transtorno mental, é dado pelo Manual de Diagnóstico DSM IV. De acordo com a obra, muitos problemas mentais têm causas físicas. E o inverso também ocorre: problemas físicos podem estar associados a problemas mentais. Pode-se dizer que doença mental não apresenta uma definição específica que englobe todas as situações: “todas as condições médicas são definidas em vários níveis de abstração, que envolvem quadros sintomáticos, desvios de normas fisiológicas e etiologia”. Os transtornos mentais, portanto, também são definidos por uma variedade de conceitos. Cada um destes termos é um indicador útil para determinado transtorno mental, mas nenhum equivale ao conceito, e diferentes situações exigem diferentes definições. Partindo deste princípio pode-se conceituar, de modo limitado, a alienação mental como sendo um transtorno psiquiátrico grave, que compreende conflitos com a realidade ou, ao menos, uma percepção distinta do mundo, visão que difere da população e das condutas aceitas pela sociedade. Desse ponto de vista, a loucura é, ainda, uma desintegração da personalidade e o desajustamento do indivíduo ao meio social. A psiquiatria é a área científica que vai definir o que entendemos por loucura. Ela é o instrumento que a sociedade utiliza para se relacionar com a doença mental. A origem da palavra vem do grego psykhé, alma, sopro de vida; e iatreía, cura, tratamento. Não é, contudo, uma ciência neutra. Ela é governada pela visão de mundo, mentalidade e ideologia da sociedade.

Em primeiro lugar, a psiquiatria funda-se imediatamente na psicologia, pois se propõe ao estudo do fato psíquico em geral. A psiquiatria só pode se construir com dados da psicologia, dentro da perspectiva de que ninguém conhecerá o desvio do normal se não conhecer o normal. Em segundo lugar, funda-se amplamente na neurologia, ou antes, na neurofisiologia e na neuropatologia. No consenso da ciência atual, o psiquismo nada mais é que o produto final do conjunto da atividade neurofisioendócrina (sistema nervoso central, neurovegetativo e de glândulas de secreção interna) sob comando cortical. Em terceiro lugar, a filiação psicológica e neurofisiopatológica da psiquiatria a situa, de modo absoluto, dentro da biologia. É uma ciência biológica, pois trabalha dois fatos biológicos irredutíveis: o psiquismo (instrumento de bioadaptação) e a doença (efeito geral da ruptura dos sistemas de bioequilíbrio).

Para definir a doença mental, a psiquiatria atualmente liga-se a duas tendências básicas. A primeira é a tentativa de explicar as doenças através de termos físicos, isto é, o método orgânico. A segunda é a tentativa de encontrar explicação psicológica para as perturbações mentais.

Existe ainda uma terceira corrente praticamente em desuso. É a tentativa de lidar com acontecimentos inexplicáveis por meio da magia, pensamento que data das idades Antiga e Medieval. Para os gregos, a doença mental era atribuída à ação de deuses e causas sobrenaturais. As distorções ou aberrações da natureza eram concebidas vagamente e resultado de forças e entidades desconhecidas ou divinas. Os melhores retratos do conceito de loucura da época figuram em textos clássicos de Homero (Ilíada e Odisséia), Ésquilo (Agamenon, Prometeu Acorrentado) e Sófocles (Antígona, Édipo Rei). Através de narrativas de aventuras mitológicas, as divindades agiam em diversos planos, tanto materiais como cósmicos, decidindo o curso das coisas e dos homens, e também forçando as iniciativas humanas. Assim, a loucura seria um recurso da divindade para que seus projetos e caprichos não contrastassem com a vontade dos homens. Nesta mesma vertente mágica, encontramos na Idade Média justificativas demonológicas para a loucura. São conceitos derivados de Agostinho e Tomás de Aquino, incluindo princípios metafísicos, idéias mágicas e valorizações pessimistas do homem. “As formas aberrantes de conduta, como a insanidade mental, são explicadas segundo esses conceitos metafísicos. Deles, o mais importante, como se sabe, é o de possessão diabólica”. Particularmente, consideraram-se de origem demoníaca quase todas as formas de comportamento aberrante ou indecente. Os demônios poderiam alterar os objetos e propriedades do ambiente físico ou do corpo humano, causando alucinações, ilusões, temores, mudez, paralisias e cegueiras, de forma inexplicável pela medicina. Essa concepção demonista cristã excluía as paixões, os instintos e os desejos humanos da etiologia da loucura, pois eles não seriam forças próprias de uma natureza autônoma do homem. “São obras do demônio, dos anjos ou de Deus. (...) A perda da razão ou o descontrole emocional agora têm a marca da condenação e da culpa. O louco passa a ser suspeito, a ser perigoso, e por isso, evitado”.

A tendência de considerar a loucura de causas orgânicas apareceu pela primeira vez com Hipócrates e sua teoria humoral. O autor, considerado o pai da medicina, passou a entender a loucura como um desarranjo de natureza orgânica, corporal do homem. Os processos de perda da razão ou de controle emocional passam a constituir efeitos de talm desarranjo. A doença resultaria de uma crise no sistema de humores. Essa linha de pensamento permaneceu e serve ainda hoje para explicar determinados transtornos mentais por problemas fisiológicos.

Pelo lado da tendência psicológica, os distúrbios são causados pelos nossos próprios e inaceitáveis desejos, temores e impulsos. De acordo com a psicologia, a essência da perturbação mental está precisamente na incapacidade do homem de enfrentar a si próprio, e de reconhecer os sentimentos e motivações que seu consciente repudia. Essas emoções e impulsos inaceitáveis que o homem exclui da consciência não deixam de existir e de influenciar seu comportamento.

Deste modo, a conceituação de doença mental não estabelece o que é a loucura, mas sim sua etiologia. Quem define a loucura procura dominar-lhe as causas, os tipos, as formas, bem como suas manifestações na vida cotidiana. A definição das concepções da loucura, de modo mais complexo e duradouro, ao envolver disfunções orgânicas e afetivas, é relativamente recente na história."


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Fonte:
DIOGO ALBINO BENOSKI: "CINEMA: REPRESENTAÇÃO E LOUCURA". (Dissertação apresentada como requisito Parcial à obtenção do grau de Mestre. Curso de Pós-Gradução em História Centro de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Santa Catarina Orientador: Prof. Dr. Ernesto Aníbal Ruiz). Florianópolis, 2004.

Nota
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