Barthes, Semiologia e Televisão

TEORIA E MÉTODO

Barthes, Semiologia e Televisão
“Barthes legou uma produção bibliográfica notabilizada pela qualidade de seu empreendimento teórico. Sublinhou, com traços de sua singularidade intelectual, a essencialidade da linguagem com os olhos fixados no desenvolvimento dos Meios de Comunicação Social, no século XX, através do Estruturalismo. Para o autor, Discurso, Linguagem ou Fala é toda a unidade ou síntese significativa, seja verbal ou visual.

Barthes estudou a Mídia, relacionando-a com o social e o cultural. Concebeu que o signo deveria ser estudado na língua e na fala, ou seja, uma semiologia ativa, que se preocupa com o cotidiano. O signo é relativo e histórico, não é uma verdade absoluta. Assim, Barthes rompe com Saussure, para quem o signo era absoluto, e parte para um Estruturalismo dialético, uma percepção que relaciona o signo com o contexto sócio-histórico, ou seja, o translingüístico também interessa ao autor.

A Mídia foi objeto invariante em seus estudos. Tendo-a como ponto de partida ou chegada, aplicou categorias originalmente constituídas em sua compreensão. A fundamentação inter e transdisciplinar das categorias barthesianas permitem, ainda hoje, aplicá-las no estudo midiático e seus produtos, aliando o campo teórico ao prático, descobrindo o poder da forma e a invariância estrutural.

Barthes foi um estudioso da narrativa literária, um defensor da obra e do autor. Enxergava na literatura – ou na escritura, como preferia – a única possibilidade de liberdade, pois só o que podemos fazer é trapacear a língua, buscar a revolução permanente da linguagem. A Literatura não é vista por Barthes como obra ou ensino, mas como prática de escrever: o texto. O texto é “o tecido dos significantes que constitui a obra, porque o texto é o próprio aflorar da língua, e porque é no interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela mensagem de que ela é instrumento, mas pelo jogo das palavras de que é teatro” (BARTHES, 2001, p. 17).

Traçando um paralelo entre as forças da Literatura e nosso objeto de estudo, podemos encontrar algumas semelhanças. Por exemplo, o texto combate a língua dentro da língua. Não seria essa a estratégia do Programa Pânico na TV, combater a Tevê estando dentro dela, pelo teatro? Não é isso que fazemos como pesquisadores ao escrever? Há que se fazer um deslocamento. Pânico repete, mas ao repetir, deslocando a Linguagem, não poderia recria, dramatizar e conquistar um saber? Não seria assim a própria Televisão?

Na Literatura, “as palavras não são mais concebidas ilusoriamente como simples instrumento, são lançadas como projeções, explosões, vibrações, maquinarias, saberes: a escritura faz do saber uma festa” (BARTHES, 2001, p.21). O Discurso do Programa, através de imagens e palavras, com seu jeito anárquico, não faria o mesmo? Afinal, saber e sabor têm a mesma etimologia; o sabor da Tevê, onde reside seu poder, não poderia gerar um saber?

Barthes nos diz que a segunda força da Literatura é a representação. “Desde os tempos antigos até as tentativas da vanguarda, a literatura se afana na representação de alguma coisa. O quê? Direi brutalmente: o real” (BARTHES, 2001, p. 22) Não faria a Televisão o mesmo esforço de representar o real? Era, como vimos, o que buscava a Manchete em sua programação, ao passo que o Pânico ironiza o real, desconfia do real. Não seria por que o real reproduzido pelo Programa já esta deformado? “O real não é representável, mas demonstrável” (BARTHES, 2001, p 22). Para Lacan, o real é o impossível, escapa ao Discurso. Não há paralelismo entre o pluridimensional (o real) e o unidirecional (a linguagem). A Literatura e a Televisão não se conformam com isso.

“A literatura é categoricamente realista, à medida que ela sempre tem o real por objeto de desejo, e diria agora, sem me contradizer, que ela é também obstinadamente irrealista: ela acredita sensato o desejo do impossível” (BARTHES, 2001, p. 23). A Televisão deseja reproduzir o real, mas a possibilidade que lhe sobra não seria o ilusório, o Imaginário? Se a Rede Manchete não se conformava com essa impossibilidade, o Pânico e a Rede TV! parecem assumir essa impossibilidade através do Humor que fazem. Para Barthes, é preciso teimar:

Teimar quer dizer afirmar o irredutível [...] teimar quer dizer, em suma, manter ao revés e contra tudo a força de uma deriva e de uma espera. E é precisamente porque ela teima, que a escritura é levada a deslocar-se [...] deslocar-se pode, pois, querer dizer: transportar-se para onde não se é esperado, ou ainda, e mais radicalmente, abjurar o que se escreveu, quando o poder gregário o utiliza e serviliza (BARTHES, 2001, p. 27).

Pânico consegue deslocar-se nessa busca teimosa pelo não esperado. Mas a audiência, o Poder gregário, parece fazê-lo ratificar e reproduzir o próprio deslocamento, ou seja, o que seria capaz de criticar, acaba, pela repetição, voltando-se contra a própria intenção original, e o Programa se torna refém de si mesmo. Não seria assim a própria Televisão, ao olharmos para seus produtos, que se repetem até a saturação, como Big Brother, Telenovelas, Humorísticos?

A terceira força da literatura apontada por nosso autor, a força propriamente semiológica, é o jogo dos signos, ou seja, a literatura joga com os signos sem destruí-los, sem “colocá-los numa maquinaria de linguagem cujos breques de segurança arrebentaram”, mas “insistir no próprio seio da linguagem servil uma verdadeira heteronímia das coisas” (BARTHES, 2001, p. 29). O jogo se aproxima do teatro, da dramatização, assim como Pânico na TV. Em resumo, as três forças da literatura, semelhantes às da Televisão, seriam: Mathesis (saber), Mimesis (representação) e semiosis (jogo).

Dentre tantas categorias formuladas por Barthes, pela pertinência em relação ao objeto, foram eleitas as seguintes para este estudo: Estereótipo, Cultura, Poder, Mito e Imaginário.

Estereótipo
O Estereótipo é o sentido inato, o que é considerado verdade intocável sem nenhuma contradição, enraizado no senso comum. O Estereótipo nada explica, apenas mostra e repete aquilo que mostra, como um sentido inato, natural em si mesmo, pois “os signos de que língua é feita só existem à medida que são reconhecidos, isto é, em que se repetem” (BARTHES, 2001, p.15). Assim como o Poder, o Estereótipo está presente na língua. Se pensarmos na Televisão como linguagem, ao reproduzir Estereótipos, servidão e poder se confundem. A Tevê diz, afirma, assenta e repete.

Em cada signo dorme este monstro: um estereótipo: nunca posso falar senão recolhendo aquilo que se arrasta na língua. Assim que enuncio, essas duas rubricas se juntam em mim, sou ao mesmo tempo mestre e escravo: não me contento em repetir o que foi dito, com alojar-me confortavelmente na servidão dos signos: digo, afirmo, assento o que repito. Na língua, portanto, servidão e poder se confundem inelutavelmente (BARTHES, 2001, p. 15).

Barthes persegue o Estereótipo, pois ele expressa a Doxa, o senso comum. O Estereótipo, quando detectado, permite encontrar as distorções enganadoras que estão engendradas nos diálogos míticos e que constituem a representação do coletivo. Combater o Estereótipo é desvendar o Imaginário nele veiculado.

A linguagem encrática (aquela que se produz e se espalha sob a proteção do poder) é estatutariamente uma linguagem de repetição; todas as instituições oficiais de linguagem são máquinas reprisadoras: a escola, o esporte, a publicidade, a obra de massa, a canção, a informação redizem sempre a mesma estrutura, o mesmo sentido, amiúde as mesmas palavras: o estereótipo é um fato político, a figura principal da ideologia (BARTHES, 2002, p. 50).

O Estereótipo, ao ser repetido, torna-se “verdade”, sem contradição.

O Estereótipo é a palavra repetida, fora de toda magia, de todo entusiasmo, como se fosse natural, como se, por milagre, essa palavra que retorna fosse cada vez mais adequada por razões diferentes, como se imitar pudesse deixar de ser sentido como imitação: a palavra sem cerimônia, que pretende a consistência e ignora sua própria insistência. Nietzsche fez o reparo de que a ‘verdade’ não era outra coisa senão a solidificação de antigas metáforas. Pois bem, de acordo com isso, o estereótipo é a vida atual da ‘verdade’, o traço palpável que faz transitar o ornamento inventado para a forma canonical, coercitiva, do significado. (BARTHES, 2002, p. 52).

Cultura
Com um olhar na Cultura de Massa, Barthes a considera homogênea e cimentada, ressaltando que, enquanto o consumo é geral em nossa Cultura, a produção não o é.

Essa cultura do nosso tempo que parece tão geral, tão pacífica, tão comunitária, repousa na divisão de duas atividades de linguagem: de um lado a escuta, nacional [...] de outro, senão a palavra, pelo menos a participação criativa e para ser ainda mais preciso, a linguagem dividida (BARTHES, 1988, p.110).

A Cultura de Massa, tida como una, é dividida. Cultura unitária na escuta, no consumo, e dividida na produção.

A forma bastarda da cultura de massa é a repetição vergonhosa: repetem-se os conteúdos, os esquemas ideológicos, a obliteração das contradições, mas variam-se as formas superficiais: há sempre livros, emissões, filmes novos, ocorrências diversas, mas é sempre o mesmo sentido (BARTHES, 2002, p. 51).

A Cultura está relacionada ao Estereótipo, principalmente, quando falamos em Cultura de Massa, em que há repetição. Assim, o Estereótipo degrada a Cultura, pois nossa linguagem passa a ser limitada e escrava. “Os modelos são repetidos no mesmo lugar, achatados pelo fato de que a cultura pequenoburguesa exclui até a contestação que o intelectual pode apresentar à cultura burguesa (BARTHES, 1988, p. 108).

A cultura se nos apresenta cada vez mais como um sistema geral de símbolos, regido pelas mesmas operações: há uma unidade do campo simbólico, e a cultura, sob todos os seus aspectos, é uma língua [...] É a linguagem que ensina a definição do homem, não ao contrário [...] A cultura é uma língua (BARTHES, 1988, p. 32).

Como sistema geral de símbolos, a Cultura influencia nossos valores. Para Barthes (2001) a Cultura não é apenas aquilo que se repete, é também e, sobretudo, aquilo que se mantém no lugar. É o conjunto infinito das leituras das conversas – ainda que sob a forma de fragmentos prematuros e mal compreendidos – em resumo, o intertexto. É o que não está à mostra. Barthes (2002, p. 45) nos diz que a Cultura é tudo em nós, exceto o presente; e “o intertexto é a impossibilidade de viver fora do texto infinito”.

O intertextual em que é tomado todo o texto, pois ele próprio é o entretexto de outro texto, não pode confundir-se com alguma origem do texto: buscar as fontes, as influências de uma obra é satisfazer ao mito da filiação; as citações de que é feito um texto são anônimas, irreconhecíveis e, no entanto, já lidas: são citações sem aspas (BARTHES, 1988, p. 75).

Para compreendermos determinados discursos, precisamos deixar vir à tona o intertexto, ou seja, as memórias, saberes, conhecimentos adquiridos no decorrer da história.

Em resumo, tudo é cultura, da roupa ao livro, da comida à imagem, e a cultura está por toda a parte, de uma ponta a outra das escalas sociais [...] Assim, a cultura não é apenas o que volta, é também, e principalmente, o que fica, como um cadáver indeteriorável: é um brinquedo estranho que a história não quebra jamais (BARTHES, 1988, p. 105).

Se “o livro faz o sentido, o sentido faz a vida” (BARTHES, 2002, p. 45), então, faria a Televisão o sentido, e o sentido faria a vida. Teríamos aqui o intertexto - a impossibilidade de viver fora do texto infinito?

Barthes nos diz (2002, p. 12) que “nem a cultura nem a sua destruição são eróticas, é a fenda entre uma e outra que se torna erótica”. Aqui surge o Poder.

Não estaria o Pânico apresentando as fendas, os cortes? Daí a fruição, o gozo, o Poder. Seu valor estaria na duplicidade - ao mesmo tempo em que rompe, reafirma os Estereótipos. Ao romper reafirmando, poderia transformar?

Poder
Barthes (2001, p.10-12) conceitua o Poder (Libido Dominandi) com detalhamento, demonstrando que ele está presente em todo e qualquer Discurso, em lugares sequer imaginados; é objeto ideológico e não só político, é transocial, independe do lugar em que está inserido; não se trata de pessoas que detêm ou não detêm Poder, como inocentemente poderíamos supor.

[...] O poder está presente nos mais finos mecanismos do intercâmbio social: não somente no Estado, nas classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espetáculos, nos jogos, nos esportes, nas informações, nas relações familiares e privadas, e até mesmo nos impulsos libertadores que tentam contestá-lo: chamo discurso de poder todo discurso que engendra o erro e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o recebe.[...] Esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda eternidade humana, é: a linguagem – ou, para ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua. A linguagem é uma legislação, a língua é seu código. Não vemos o poder que reside na língua, porque esquecemos que toda língua é uma classificação, e que toda classificação é opressiva.

Ao categorizar o Poder como Libido Dominandi, ou seja, energia prazerosa dominante, o semiólogo recorre à Psicanálise, que revelou que o homem não é determinado pelo seu consciente, porém pelo seu inconsciente, onde residem motivações para viver. O Poder, configurado por Barthes, legitima a vida: significa o seu pré-requisito. Independe de modelos e conjunturas sociais e especificidades temporais, pronuncia-se pela linguagem, através de seu código invariante: a língua. Sendo uma classificação, a língua é também opressiva. Mais uma vez, Barthes nos indica uma categoria que pode demonstrar o quanto somos escravizados.

Assim, por sua própria estrutura, a língua implica uma relação fatal de alienação. Falar, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como se repete com demasiada freqüência, é sujeitar: toda língua é uma reação generalizada. [...] Mas a língua, como desempenho de toda linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer (BARTHES, 2001, p. 13-14).

Parafraseando Barthes (2002), assim como o leitor, o Telespectador pode ser um contra-herói que suporta a contradição sem nenhuma vergonha, entregando-se a seu prazer. Assim como no texto, prazer, fruição e gozo seriam as virtudes da Televisão. “Não é a pessoa do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam lançados, que haja um jogo” (2002, p. 9). O bom programa de Televisão poderia ser aquele capaz de nos demonstrar que nos deseja.

A Televisão e o Programa Pânico não teriam o brio na vontade de fruição, tal qual o Texto – “lá onde precisamente ele excede a procura [...] essas portas da linguagem por onde o ideológico e o Imaginário penetram em grandes ondas” (2002, p. 20). Barthes nos afirma a importância da intermitência, característica que pode fazer a Televisão errar quando a perde: “Na perversão, que é o regime do prazer textual, não há zonas erógenas; é a intermitência, como o disse muito bem a psicanálise, que é erótica [...] a encenação de um aparecimento-desaparecimento” (2002, p. 16), pois “toda a excitação se refugia na esperança de ver o sexo ‘sonho de colegial’ ou de conhecer o fim da história – satisfação romanesca” (2002, p.16).

Tal qual o texto de prazer (BARTHES, 2002, p 21) – que vem da cultura, não a rompe – e o texto de fruição – que faz vacilar as bases históricas, culturais e psicológicas – o Poder da Televisão também poderia estar ligado ao prazer (o ego) e à fruição (perda do ego). De qualquer modo, seria hedonista e estaríamos falando de um tipo de perversão. O Poder da Televisão é, tal qual o prazer do texto, “esse momento em que o corpo vai seguir suas próprias idéias – pois meu corpo não tem as mesas idéias que eu” (p. 24). “O prazer é o contentamento. A fruição é o desvanecimento” (p. 27). Barthes remete a Lacan: “o que é preciso considerar é que a fruição está interdita a quem fala, como tal ou ainda que ela só pode ser dita entre as linhas” (p. 29)

Isto posto, poderíamos supor que um bom programa de Tevê, assim como texto de fruição, nos faz levantar a cabeça e ouvir, pensar em outras coisas. A Televisão é prazer, mas pode ser fruição, pode fazer deslocamentos porque possui ferramentas para isso: pode atingir em cheio os sentidos humanos. Barthes desconfia desse Poder:

Por que é que há um prazer em ver representar a vida cotidiana de uma época, de uma personagem? Por que essa curiosidade pelos pequenos pormenores?(...) Será o gosto fantasmático da realidade(...)Haveria aí pequenos histéricos que tirariam sua fruição de um singular teatro: não o da grandeza, mas o da mediocridade? (2002, p. 63).

Por fim, o Poder parece nos remeter à significância, ao “sentido à medida que é produzido sensualmente” (2002, p.72). Seria o Pânico sensual e subversivo, entendendo subversão tal qual Barthes – “aquilo que não se interessa diretamente pela destruição, esquiva o paradigma e procura um outro termo [...] que não seja, entretanto, um termo síntese, mas um termo excêntrico, inaudito [...] o riso?” (2002, p. 65) Não deveria a linguagem televisiva, então, evitar ser uniformizada, mas plural, permitindo que se fale conforme as perversões, não segundo a lei?

Mito
Encontramos a sua categorização na obra Mitologias, de Barthes. Na introdução do livro, ele resume sua intenção:

O ponto de partida desta reflexão era, as mais das vezes, um sentimento de impaciência frente ao ‘natural’ com que a imprensa, a arte, o senso comum mascaram continuamente uma realidade que, pelo fato de ser aquela em que vivemos, não deixa de ser por isso perfeitamente histórica: resumindo, sofria por ver a todo o momento confundidas, nos relatos da nossa atualidade, Natureza e História, e queria recuperar na exposição decorativa do que é óbvio, o abuso ideológico que na minha opinião nele se dissimula (1980, p. 7).

O Mito é uma forma de fala, despolitizada (entendendo-se política como construção do mundo real), produzida pela conotação. Sua função é evacuar o real. É uma distorção, deformação da realidade, Ideologia; não nega as coisas, penas as torna inocentes, dando-lhes uma significação natural e eterna, com o intermédio de seu caráter imperativo; não se reconhece pelo objeto de sua mensagem, mas pela sua forma; pode ser pronunciado por várias representações: um fato, um anúncio, uma reportagem, entre outros; usa mensagens factuais, denotativas, mas explora a conotação.

Para Barthes, o Mito é um sistema de comunicação, uma mensagem, um modo de significação. Eis por que não poderia ser um objeto, um conceito ou uma idéia: “ele é um modo de significação, uma forma”. Está no uso social que se dá ao discurso, é uma fala escolhida pela história: “não poderia de modo algum surgir da ‘natureza’ das coisas” (1980, p. 131-132).

O significante é a forma. O significado é o conceito. O sentido está na forma. O Mito postula um saber, um passado, uma ordem comparativa dos fatos, das idéias. O sentido está completo. “Tornando-se forma, o sentido afasta a sua contingência; esvazia-se, empobrece, a história evapora-se, permanece apenas a letra” (1980, p. 139). O que o caracteriza é o jogo entre forma e sentido. A forma não suprime o sentido, mas o empobrece. O Mito é a significação, “não esconde nada: tem como função deformar, não fazer desaparecer” (1980, p. 143); aliena porque deforma o sentido. “O mito é uma fala definida pela sua intenção” (1980, p. 145); possui um caráter imperativo; não esconde, também não ostenta, mas deforma; transforma história em natureza. Trata-se de um sistema de valores.

O mito não nega as coisas; a sua função é, pelo contrário, falar delas; simplesmente, purifica-as, inocenta-as, fundamenta-as em natureza e em eternidade, dá-lhes uma clareza, não de explicação, mas de constatação [...] O mito faz uma economia, abole a complexidade dos atos humanos, confere-lhes a simplicidade das essências, suprime toda e qualquer dialética, qualquer elevação para lá do visível imediato, organiza um mundo sem contradições [...] as coisas parecem significar sozinhas, por elas próprias (BARTHES, 1980, p. 163-164).

Barthes (1980) sustenta que a sua função, na Mídia, é a naturalização e eternização da sociedade burguesa. O Mito transforma uma contingência histórica em eternidade, imobilizando o mundo. “O mítico está presente em todo lugar onde se façam frases, onde se contem histórias” (BARTHES, 1988, p. 82).

Os mitos não são nada mais do que essa solicitação incessante, infatigável, essa exigência insidiosa e inflexível que obriga os homens a se reconhecerem nessa imagem de si próprios, eterna e no entanto datada, que um dia se constrói como se fora para todo o sempre (BARTHES, 1980, p. 175).”

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Fonte:
ALEXANDER BERNARDES GOULART: "COMUNICAÇÃO E IMAGINÁRIO: RELAÇÕES DE AUTO-REFERENCIALIDADE EM PÂNICO NA TV". (Tese apresentada como requisito para a obtenção do grau de Doutor, pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. ORIENTADOR: DR. ROBERTO RAMOS). Porto Alegre 2006.

Nota
:
A imagem (Programa "Pânico na TV!") inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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