Conceito atual de depressão

“As neurociências entendem a depressão como uma desordem do funcionamento cerebral, que afeta e compromete o funcionamento normal do organismo, com reflexos ou conseqüências na vida pessoal em seus aspectos emocionais ou psicológicos, familiares e sociais.

A doença depressiva deve, portanto, ser examinada sob o ponto de vista biológico, genético, cognitivo, social, considerando ainda a história pessoal, econômica e espiritual.

No entender de Del Porto (2004, pp. 20-21), a depressão pode ser apreciada enquanto sintoma, manifestando-se nos mais diversos quadros clínicos, como: estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, alcoolismo, doenças clínicas. Pode ainda ser compreendida enquanto síndrome, incluindo as alterações de humor (tristeza, irritabilidade, falta de capacidade em sentir prazer, apatia) e alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas, como as alterações de sono e apetite; por fim, compreendida enquanto doença, a depressão é devida a múltiplos fatores.

As síndromes depressivas são doenças multicausais, portanto com a interferência de diversos fatores etiológicos. Nas depressões, ocorre um comprometimento multigênico, sendo até três vezes mais freqüente em pessoas com antecedentes hereditários positivos. As depressões podem ser afetadas pelas estações climáticas do ano, sendo mais freqüentes no inverno e em países de clima frio. Podem ainda ser influenciadas por: privação de sono; intensidade de luz e luminosidade; traumas precoces de vida (orgânicos ou psíquicos); lesões estruturais do cérebro; infecções e viroses; situações de stress e estilos de vida; condições profissionais específicas; agentes químicos e físicos; outras doenças clínicas e psíquicas (depressões secundárias); uso de medicamentos.

Fatores psicossociais, como desemprego, aposentadoria, casamentos e separações conjugais, estão correlacionados com aumento nos índices de depressão. Não se pode deixar de mencionar a importância dos fatores familiares. As figuras parentais têm participação preponderante na gênese de estados depressivos. A ausência ou perda de uma das figuras parentais durante a infância (pai ou mãe) predispõe a um maior risco de doença depressiva na idade adulta; conflitos entre os pais . as chamadas .famílias disfuncionais. . também estão relacionados a uma maior incidência de doença depressiva (BOWLBY 1977, pp. 201-210). Conflitos entre irmãos durante a infância, como agressividade e violência entre irmãos, estão igualmente associados a aumento de depressão (YEH 2001, p. 794).

Acredita-se que problemas na escola, como a intimidação feita por colegas mais agressivos ou problemáticos, tenha impacto na causalidade da depressão, ansiedade e auto-estima (HAWKER & BOULTON 2000, pp. 441-455). Atualmente, a esses fenômenos de intimidação dá-se o nome de bullying.

Há também a associação entre abuso sexual ou violência infantil e maior incidência de estados depressivos nas pessoas vítimas destes acontecimentos. Além dos estados depressivos, existem outros prejuízos na personalidade que se somam como comorbidades aos estados depressivos.

As privações sensoriais não apenas contribuem para o aparecimento de estados depressivos já à infância e que perdurarão na idade adulta, mas ainda interferem em outras funções psíquicas. Se a privação sensorial ocorrer na primeira infância, quando, através dos estímulos sensoriais, novas conexões neuronais são estabelecidas e multiplicadas, o indivíduo terá um déficit complexo em áreas ou sistemas cerebrais, que, por falta de estimulação, não se desenvolverão.

Pode-se concluir que existe uma gama extensa e variada de fatores etiológicos que podem ser responsáveis pelo aparecimento de uma doença depressiva.

Segundo um estudo de Andrade e colaboradores (2002, pp. 316-325), a prevalência da depressão na cidade de São Paulo está ao redor de 18,5%, e pode ser ainda maior, dependendo da metodologia de pesquisa utilizada. Estudos da Organização Mundial da Saúde (2000) apontam que, em 2010, a depressão será a segunda doença mais freqüente no mundo; atualmente, 3 em cada 10 pessoas já tiveram, têm, ou terão algum episódio depressivo ao longo da vida. Os estudos em geral apontam que a depressão é mais freqüente em mulheres que em homens, na razão de 2 a 3 para 1; tal distribuição deve-se principalmente a fatores hormonais femininos.

Do ponto de vista bioquímico, existem diversas hipóteses neuroquímicas para explicar as alterações depressivas; a mais consistente, até o momento, é a hipótese das alterações monoaminérgicas para a depressão, compreendidas as aminas biogênicas como a serotonina, noradrenalina, adrenalina dopamina e acetilcolina. Existem alterações dos receptores e da permeabilidade da membrana celular, bem como alterações de processos intracelulares.

Os estudos de neuroimagem mostram áreas cerebrais envolvidas com os processos depressivos, e estas áreas são ao menos o córtex pré-frontal, o tálamo medial, o hipocampo, e eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, a área ventral do corpo estriado e a amígdala.

O psiquiatra brasileiro Elkis (ELKIS et alii 1995, p. 735-746), num trabalho de 1995, mostrou as alterações dos sulcos corticais e alargamento ventricular em cérebros de portadores de doença depressiva. Recentemente, Berretini (1995, pp. 69-75) relatou estudos que indicam que locus nos cromossomos 18, 21 e no cromossomo X podem estar relacionados com uma susceptibilidade genética à doença bipolar.

Existem novos modelos biológicos que estão sendo estudados em relação à multigênese da depressão: estruturas neuropeptidérgicas como a substância P e o CRH (Cortical R Hormone). O CRH teria interferência no eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal.

Os deprimidos apresentam diversos sintomas, que podem sofrer variações em intensidade e quantidade.

A depressão é um estado de doença que dura pelo menos três semanas, podendo persistir por mais de um ano. O tempo é um fator importante para caracterizar a depressão, pois todos apresentamos alterações de humor e de energia no cotidiano de nossas vidas. Podemos eventualmente sentir fatiga, cansaço, pouca energia; entretanto, num breve tempo, tudo volta ao normal. Isto não é depressão; essas flutuações de humor e energia correspondem a outros estados psíquicos. Nos estados depressivos, os sintomas ocorrem ao longo do tempo, de forma constante e geralmente progressiva, podendo variar em intensidade.

Deve-se ainda fazer uma diferenciação entre tristeza normal e tristeza patológica. A tristeza normal se refere a estados de perda com causa identificável. O estado de luto é um exemplo de tristeza normal; ao se perder um ente querido, é natural mergulhar-se num estado de tristeza profunda. Passado o período do luto (que é variável, oscilando de seis meses a um ano), a vida vai lentamente voltando ao normal, e a tristeza inicialmente insuportável se transforma em saudade.

A depressão, por sua vez, apresenta uma gama variada de sintomas. Não é necessário que o paciente apresente todos os sintomas para configurar a depressão; pode haver depressão, inclusive, sem que haja o sintoma .tristeza.. Os sintomas mais comuns são:

Sintomas mais comuns da depressão:
- humor deprimido
- irritabilidade
- ansiedade e angústia
- desânimo e cansaço
- maior esforço para realizar atividades que anteriormente realizava com menos esforço
- apatia e desinteresse
- medo e insegurança
- vazio e desesperança
- dificuldade em sentir prazer em atividades anteriormente prazerosas
- auto-estima baixa
- idéias desproporcionais de culpa
- alterações de sono
- alterações de peso
- diminuição da vontade sexual
- dificuldade em concentração e atenção
- esquecimentos freqüentes
- vontade de deixar de viver
- idéias de suicídio
- dores pelo corpo e outros sintomas clínicos (gastro-intestinais, cardio-vasculares, dermatológicos, tonturas)

Humor deprimido, perda do interesse ou prazer e fatigabilidade aumentada são tidos como os sintomas típicos da depressão, mas desde que haja a soma de cinco dos sintomas acima descritos, e que se manifestem de maneira constante por mais de três semanas, já se pode fazer o diagnóstico de depressão.

Em depressões leves, a pessoa consegue trabalhar, e até mesmo dar conta de suas responsabilidades, à custa de cansaço constante, mau humor e irritabilidade em graus variáveis.

Nos quadros de depressão moderada, além da exacerbação destes sintomas e de maior sofrimento com redução da qualidade de vida, há um comprometimento do rendimento profissional, que ficará muito aquém do que a pessoa poderia render.

Nos quadros de depressão grave, o comprometimento será o de uma limitação de vida considerável em todos os seus aspectos como os familiares, sociais, e profissionais, podendo haver inclusive o risco de suicídio.

A depressão interfere na qualidade de vida da população, causando um ônus social global com custos diretos e indiretos relativos ao próprio tratamento, acentuada limitação física, aumento do absenteísmo, prejuízo no funcionamento profissional com queda acentuada da produtividade e enorme sobrecarga familiar.
Um estudo de Greenberg (GREENBERG et alii 1992, pp. 405-418) projetava para 1998 gastos de U$ 65 bilhões de dólares nos EUA, assim distribuídos: 19% custos hospitalares, 6% custos ambulatoriais, 17% custos com suicídio, 53% custos trabalhistas, 3% custos com medicamentos.

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Em função da diminuição de energia física e psíquica, a depressão piora o curso e a evolução de outras doenças como diabetes, doenças cardiovasculares, doenças auto-imunes; e pode ser considerada como fator predisponente de outras doenças como o câncer.

Um estudo importante sobre o assunto foi conduzido por Furlanetto (FURLANETTO et alii 2000, pp. 246-232), que demonstrou que pacientes internados por motivos clínicos, mas que apresentavam sintomas depressivos, tinham maior mortalidade durante a internação, independentemente da gravidade da doença física que motivou a internação.

Muitas depressões não chegam a ser diagnosticadas e, portanto, não são tratadas: são as depressões subclínicas. Judd, Schetter & Akiskal (2002, pp. 685-698) apontam que, como conseqüência das depressões subclínicas e crônicas, houve aumento das consultas médicas e psiquiátricas, aumento nos atendimentos em pronto-socorros, aumento dos gastos com auxílio-doença, aumento das tentativas de suicídio e maior risco de AVC (acidente vascular cerebral).”


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Fonte:
PERSIO RIBEIRO GOMES DE DEUS: "AS INFLUÊNCIAS DO SENTIMENTO RELIGIOSO SOBRE O CRISTÃO PORTADOR DE DEPRESSÃO". (Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião Orientador: Prof. Dr. Antonio Máspoli de Araújo Gomes). São Paulo, 2008.

Nota
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Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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