“Na Constituição de 1946 foi discutida a questão da imigração. O artigo 141 assegurava os seguintes direitos: "A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos seguintes termos"... - houve diversas ponderações quanto às leis referentes a estrangeiros, pois como observou o Sr. Mário Masagão: "O Brasil é um país de imigração e precisa abrir as portas às correntes que vêm cooperar para o nosso progresso. O maior incentivo nessa matéria é a segurança dos direitos fundamentais dos imigrantes, em igualdade com os nacionais" (Constituição de 1946, 1947: p.11).
Outro constituinte, Ataliba Nogueira, no discurso do Anteprojeto, foi do parecer de que "a matéria requer pleno conhecimento dos fatos". Expõe que as leis são necessárias quanto a estrangeiros, visto que "aqueles que chegam no Brasil são, absolutamente, acatadores das nossas leis e bem respeitados pelo Brasil. É aqui que, muitas vezes, eles aprendem, com os próprios brasileiros, não só espírito de revolta contra as autoridades, e, ainda, que o seus países têm superioridade sobre o nosso" (Constituição de 1946, 1947: p. 12-13). Conclui declarando que: "Não vamos, como diz Hermes Lima, buscar o estrangeiro... Vamos buscá-los por dois motivos: primeiro, porque recebemos apelo do Santo Papa e de vários Chefes de Estado e, segundo, porque o direito natural exige que acolhamos os estrangeiros que careçam de abandonar a suas pátrias, não para constituírem uma pátria contra o Brasil. Damos-lhes o direito de aqui viverem, mas sujeitos às nossas leis... Lembro que há colonos que se integram à Nação... A história do mundo, a história da migração dos povos" (Constituição de 1946, 1947: p. 13).
A declaração acima é sugestiva pois afirma que "não vamos (...)buscar o estrangeiro"... Surge, então, uma dúvida: na realidade, o Brasil desejava a mão-de-obra imigrante, ou teria sido compelido pela Igreja Católica e por países estrangeiros a traze-la? Nos "Anais da Assembléia Constituinte de 1946" (1947: p. 207), Hermes Lima fez um discurso analisando as condições do trabalhador brasileiro. Afirmava que a situação da população do Brasil em relação à sua organização agrícola nada mudou desde os tempos da monarquia e que a maioria dos trabalhadores se empregava na agricultura (28 milhões) e portanto, algo deveria ser feito para melhorar as condições do homem rural.
Segundo Hermes Lima (Anais, 1947: p. 207-208 ): " (...) esses míseros brasileiros permanecem literalmente desaproveitados em grandes massas, como conseqüência da má organização social e econômica em que vivemos. Em virtude dessas mesmas causas, a qualidade, também, não chega a influir nos destinos nacionais, porquanto, os grandes valores humanos, escondidos nessa ganga social, ou são sacrificados precocemente ou permanecem impedidos de se revelar. Mesmo porque o meio normal dessa revelação - o ensino primário, como processo educativo eficiente durante um tempo mínimo de cinco anos - quase não existe praticamente.(...) E aí está como três quartas partes talvez da população do país não se acham em condições de fornecer perfeitas unidades humanas normais, se não valores incompletos, ou melhor, sub-valores que, pela má saúde, pela sub-alimentação, pela deseducação e pela incapacidade para um trabalho técnico qualquer, exprimirão, talvez, cada um deles, em média, não mais de 1/10 do tipo humano normal".
Octaiza de Oliveira Romanelli em seu livro "História da Educação no Brasil " (1986: p. 60) aponta que : "Não é, pois, à falta de recursos materiais que se deve imputar maior soma de responsabilidade pela ausência de educação do povo, mas à estrutura sócio-econômica que sobreviveu com a República".
Entretanto Hermes Lima não determinou que a situação do povo brasileiro era irremediável, ao contrário: "Populações das mais inferiores, que viviam o maior atraso social e cultural, foram trazidas a um nível mais elevado de vida, como aconteceu na Rússia Soviética e está sucedendo no México" (Anais, 1947: p. 208).
Todavia o Sr. Bastos Tavares discordou de Hermes Lima e argumentou o seguinte: "Penso diferente de V. Exª. Dizem muitos moralistas e sociólogos que há uns tantos caracteres de inferioridade que se podem transmitir, por hereditariedade, congenitamente, e que são irremovíveis. Pensou como V. Exª que se não deve esmorecer e que todos os meios capazes devem ser empregados para remover-se essa inferioridade, visando mesmo a melhoria da raça" (Anais, 1947: p. 208-209).
Havia, pois, um fundamental debate sobre as condições dos trabalhadores brasileiros e o seu despreparo para o processo de industrialização do Brasil, como se pôde perceber nas discussões travadas entre os constituintes. Hermes Lima continuou analisando e ponderando a respeito do sistema industrial brasileiro: "Sr. Presidente, o problema da industrialização no Brasil - e os nobres Representantes sabem disso melhor do que eu - é problema que teve de enfrentar graves dificuldades, porque o nosso desenvolvimento industrial praticamente iniciado em meados do século passado, sempre esteve na dependência de fatores de natureza diversa. Entre os fatores, Sr. Presidente, contrários a industrialização no Brasil, devemos enumerar, primeiramente, aqueles de ordem social, de ordem intelectual e de ordem técnica, decorrentes da secular estrutura agrária e social do país que não permitiu à nossa industrialização contar com uma população de regular nível econômico de vida. A isso se juntou a escassez de fontes de energia, sem a qual ela não pode deixar de ser tão precária. Sobretudo, Sr. Presidente, com a orientação da nossa estrutura econômica tradicional, sempre voltada para o exterior, preocupada em exportar produtos extrativos agrícolas e matérias-primas para o estrangeiro, não logramos formar um grande mercado interno, não conseguimos expansão adequada de uma rede de transportes, determinando, assim, que a massa da população não poderá servir de base a uma verdadeira política industrial" (Anais, 1947: p.209).
Expôs, também, a questão do baixo nível social do povo brasileiro como principal responsável pelo atraso da indústria nacional: "A tragédia da industrialização no país está no fato de não ser possível haver uma verdadeira industrialização sem base numa população de elevado nível de vida. Ela não pode ser bom negócio para que à sombra das tarifas protecionistas, apenas um grupo possa vender à pequena parte da população consumidora do país as mercadorias manufaturadas em condições precárias de técnica, e vendê-las ao povo mais caro do que se fossem importadas" (ANAIS, 1947: p. 210). Conclui o seu discurso propondo que a Constituição garantisse uma melhoria nas condições econômicas e sociais do trabalhador brasileiro, para que a indústria brasileira ascendesse no quadro internacional.
O Sr. Aureliano Leite (outro constituinte) busca outra via para resolver o problema da falta de mão-de-obra: a imigração. Inicia seu discurso da seguinte forma: "Com efeito: braços! braços! braços! - gritam por toda a parte aonde se cultivam os nossos imensos campos. E o Brasil, na sua míngua de trabalhadores rurais sem falar já em artífices para construções e operários e técnicos para indústria, não vê estancar-se essa carência, essa sede real de homens. É uma fatalidade histórica que pesa sobre o País, apagar o calamitoso tributo da sua vastidão incomensurável" (Anais, 1947: p. 2 42).
Contudo, não defendeu a imigração asiática e africana. Justificou afirmando: "Não vou defender a imigração asiática ou africana. Vou apenas pleitear para o Brasil uma imigração ampla, em grandes massas, em fartas cópias, tal como ele precisa, atendidas, claro, as restrições físicas e morais dos indivíduos, menos de raça, que de saúde moral e fisiológica, aproveitando pela experiência no País as nacionalidades que de fato mais nos convenham" (Anais, 1947: p. 245).
Para o Sr. Aureliano Leite "governar é povoar" (ANAIS, 1947:p. 247). Foi apoiado pelo Sr. Pedro Vergara que pronunciou: "o problema do Brasil é justamente povoar" (ANAIS, 1947: p. 246). E o Sr. Daniel Faraco acelerou que a Constituição não deveria fixar uma percentagem para imigração. O Sr. Aureliano Leite afirmou também que : "precisamos de técnicos e camponeses para agricultura; de operário para as indústrias e, até, de pessoas para serviços domésticos de que há grande carência nas capitais" (Anais, 1947: p. 246).
Porém, as apreensões dos constituintes não se limitavam apenas a necessidade de uma qualificada mão-de-obra. O Sr. Bastos Tavares - também participante desta sessão - expressou com clareza suas objeções: "Mas V. Exª também não se deve esquecer de que podemos importar indivíduos portadores de tara, de degenerescência que não nos convêm" (Anais, 1947: p. 246). Ao que o Sr. Aureliano Leite respondeu: "É evidente ; estas restrições são indispensáveis" (Anais, 1947: p. 246).
O povoamento do território nacional, a necessidade de mão-de-obra qualificada e a "melhoria da raça", foram as principais bases para se trazer - mais uma vez - o imigrante europeu para o Brasil. E dentre esses imigrantes os mais "desejados" eram os portugueses e italianos, como se pode perceber no discurso do Sr. Aureliano Leite e pelo apoio que obteve: "(...) Ninguém é mais partidário do que eu dos portugueses e italianos como braços para colonização e como elementos fusíveis dentro da sociedade brasileira. Os portugueses merecem, por todos os motivos, mais do que uma simples facilitação de entrada no Brasil.(Muito bem!). (...) Os italianos também merecem senão tanto pelo menos a nossa franca hospitalidade. Sou de uma região em que se pratica em larga escala uma das mais edificantes experiências colonizadoras com essa grande raça" (Anais, 1947: p. 249).
E para justificar seu grande interesse pela imigração italiana, o Sr. Aureliano Leite citou situações que vivenciou
Portanto, a alternativa mais imediata para suprir a indústria nacional com mão-de-obra qualificada e para ocupação do território, foi o caminho anteriormente percorrido: a imigração européia - principalmente. O documento pesquisado no Arquivo do Itamaraty, do Conselho Imigração e Colonização, emitido pelo Presidente do Conselho, Sr. João Alberto, ao Ministro das Relações Exteriores, João Neves Fontoura, datado de 16 de maio de 1946, intitulado "Política Imigratória", revela o interesse das autoridades brasileiras pela questão imigratória:
"Senhor Ministro:
Tem este por fim apresentar a V. Exª., o Sr. Nino Galo, colaborador de muitos anos, profundo conhecedor de problemas ligados às imigrações, especialmente italianas.
Dentro em breve, o Sr. Nino Galo, deverá iniciar uma viagem pelos países europeus, e atendendo meu pedido vai examinar em toda a Itália, que vai percorrer por ser de origem italiana, as possibilidades de imigração daquela procedência para o Brasil.
Nessas observações e estudos visará o Sr. Nino Galo, principalmente obtenção de mão-de-obra qualificada de que a indústria parece extraordinariamente, constituída pelos técnicos especializados e se encontram, principalmente, na região do norte da Itália.
Esse trabalho vai ser realizado pelo Sr. Nino Galo, sem qualquer ônus para o C.I.C., e dada a complexidade da própria natureza das circunstâncias não será somente de grande alcance para o país, como ainda bastante penoso, razão pela qual venho solicitar para V. Exª., a concessão de passaporte especial, para o Sr. Nino Galo, que viaja acompanhado de sua esposa, atendendo os motivos acima apontados, em virtude de tal documento que lhe assegura maiores facilidades no cumprimento da missão que lhe confiei.
Devo ainda esclarecer a V. Exª. Que a concessão de tal passaporte, não representará sequer compensação adequada, aos trabalhos que o Sr. Nino Galo executará, o que vem tornar ainda mais justo o atendimento da presente solicitação".
A busca pela mão-de-obra qualificada, foi tônica constante nos discursos de muitos Constituintes, e, principalmente, dos Conselheiros do C.I.C(2). Apesar do interesse pelos técnicos especializados da região norte, a maior parte dos imigrantes do segundo pós-guerra foi proveniente da região sul da Itália. Como pudemos apurar pelas fichas que se encontram arquivadas no Memorial do Imigrante de São Paulo, das 24.000 fichas pesquisadas, cerca de 60% delas apontam como proveniência as regiões da Campania, Calabria, Basilicata, Molise, Puglia e Sicilia. Os outros 40% são das demais regiões e da Colônia Italiana no Egito. A urgência de trabalhadores qualificados esteve atrelada as políticas econômicas dos governos Dutra, Vargas e Kubistchek."
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Fonte:
LUCIANA FACCHINETTI: "A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO SEGUNDO PÓS-GUERRA E A INDÚSTRIA BRASILEIRA NOS ANOS 50". (Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob a orientação do Prof. Dr. Michael McDonald Hall). Campinas, 2003.
Nota:
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