Ética, suicídio e adolescência



“Abordar questões tão íntimas e revestidas de mitos e tabus que acompanham o círculo familiar, as redes sociais que se estabelecem na fase da adolescência como, também, toda a concepção que paira na sociedade sobre o suicídio, requer uma abordagem ética.

Ética refere-se, em grego, à busca de uma boa “maneira de ser” ou à sabedoria da ação (BADIOU, 1995). Referiu uma sutil distinção entre “ética e “moralidade”. Este reserva o princípio ético à ação imediata; enquanto a moralidade concerne à ação reflexiva.

Badiou (1995) acrescenta que o sábio é aquele que, sabendo discriminar entre as coisas que dependem dele e aquelas que não dependem, organiza sua vontade ao redor dos primeiros e suporta impassivelmente as segundas. Os direitos humanos são os direitos que preservam a pessoa de não ser ofendido ou maltratado em sua vida. Anuncia o horror à morte, à fome e à humilhação das minorias.

A ética da sacralidade considera a vida como propriedade de Deus, dada ao homem para administrá-la. É um valor absoluto que só a Deus pertence. O ser humano não tem direito sobre a sua própria vida e a vida alheia. O princípio fundamental é a inviolabilidade da vida (SANVITO, 1977).

O moderno pensamento teológico defende que o próprio Deus delega o governo da vida à autodeterminação do ser humano e isto não fere e muito menos se traduz numa afronta à sua soberania. No processo da abordagem científica, a ética da vida relata que a vida é um dom recebido, mas que fica à disposição daquele que o recebe, com a tarefa de valorizá-la qualitativamente.

Ampliando a discussão sobre a valorização da vida, Camom (1984), sob uma perspectiva filosófica, enfatiza que existe apenas um problema filosófico verdadeiramente sério, que é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões ou se o espírito tem nove ou dez categorias, vem depois.

Para Sanvito (1997), de uma maneira perversa, em alguns países do primeiro mundo, determinados membros da sociedade, a título de exemplo, idosos, indivíduos não-produtivos, pacientes com patologias múltiplas ou com doenças crônicas prolongadas e onerosas ao sistema público de saúde, deixam de ser contemplados com assistência médica integral. Nesses casos, o sistema de saúde se abstém de proporcionar atos médicos complexos ou de empregar procedimentos de alto custo. É a lógica perversa da economia balizada pela relação custobenefício, que vem promovendo uma eutanásia social.

Aumentando essa compreensão, PessinI (1994) coloca que as sociedades são dinâmicas e vão adquirindo novos valores e o subproduto dessas mudanças é o aparecimento de uma nova moral, uma nova ética, uma nova civilização, enfim, de novas maneiras de pensar. O suicídio surge como uma das formas mais tristes de destruição, pois este ato envolve perguntas que não encontram apoio no seio das explicações científicas, acadêmicas e mesmo religiosas.

O máximo que concluímos é que o suicídio não é desejável eticamente, com base em uma perspectiva de prioridades ou preferências. A auto-realização tem prioridade sobre a autodestruição. O suicídio corta radicalmente toda possibilidade de colaborar para a construção social por meio de atos possíveis de revisão, destrói irreparavelmente a sua criatividade e a possibilidade de colaborar para o seu próprio desenvolvimento.

Cassorla (1994) enfatiza a afirmação de Durkhein, no final do século passado, ao enfaixar o suicídio como uma ocorrência individual que estava diretamente vinculada com outras ocorrências sociais. Sua obra é de orientação objetiva e científica, pois partiu de dados objetivos: as taxas de suicídio, no entanto, com uma preocupação moral, posicionando-se contra o suicídio: “o suicídio é, pois, reprovado por que revoga aquele culto pela pessoa humana sobre o qual repousa toda a nossa moral”.

Vivemos numa sociedade delirantemente suicida que aniquila os seus cidadãos das formas mais violentas. Seja no assalto, nas torcidas, em velocidade nas ruas e estradas, seja ainda no quietismo diante de tantas formas impiedosamente aniquiladoras. Uma sociedade que aniquila seu semelhante (ANGERAMI-CAMON, 1997).

Boff (1999) alerta-nos sobre esta situação de falta de cuidado e, por causa disso, muitos se rebelam, fazem de sua prática e de sua fala permanente contestação. Contudo, sozinhos sentem-se impotentes para apresentar uma saída libertadora. Perderam a esperança. Outros perderam a própria fé na capacidade de regeneração do ser humano e de projeção de um futuro melhor.

O papel da sociedade para com o suicida é viver motivações, estabelecer vínculos para que o indivíduo queira continuar vivendo nesta comunidade, convivendo com seus semelhantes, construindo uma vivência de valor para que não haja a ruptura homem-mundo, que se dá a partir do momento em que o sujeito vê-se solto e desgarrado como se não pertencesse ao mundo em que vive.

Portanto, a morte comporta, por meio do ato suicida, uma dimensão individual que busca uma finalidade pessoal ainda que tenhamos que compreender cada ato desses dentro do contexto social onde ocorre, para entendermos os limites da finalidade que o ato buscava através da morte. O desistir da vida não é um existir pleno, é um desistir de uma condição “de viver”.

Segundo o censo de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000), o Brasil tem 34 milhões de jovens entre 15 e 24 anos de idade. Os números levam-nos a refletir sobre o quanto é necessário estabelecer um pacto de cooperação em torno da temática juventude. Por isso, o significado do cuidado, tão bem colocado por Boff (1999), alerta-nos para a necessidade de estarmos vigilantes e colocar o cuidado em tudo o que projetamos e fazemos."

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Fonte:
Mary Landy Vasconcelos: "Freitas Razões para Tentativas Suicidas em Adolescentes: desafio para a educação em saúde". (Dissertação apresentada à banca examinadora do Curso de Mestrado em Educação em Saúde da Universidade de Fortaleza, UNIFOR, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação em Saúde. Orientadora: Profª. Drª. Luiza Jane Eyre de Souza Vieira). Fortaleza – Ceará, 2005.

Nota
:
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Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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