O neoliberalismo como ideologia



"Com a chegada do pensamento neo-conservador ao poder, com Margareth Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, as idéias neoliberais ganham espaço e, a partir então, vão sendo difundidas pelo mundo todo e dá-se início a uma era de reformas voltadas para transformar o mundo social, econômico e político aos moldes daqueles pressupostos teóricos.

É claro que em cada realidade nacional a implementação dessas idéias assumiu uma forma diferente; mas o fato é que expressões de Margareth Thatcher como “there is no such thing as community” ou “there is no alternative” ganharam força e impulsionaram uma retomada generalizada da crença, descrita por Karl Polanyi em 1947, no ímpeto totalizante do mercado e em sua capacidade “auto-regulatória”.

retorno da vontade e da mobilização voltadas para a implementação e expansão daquilo que ele havia chamado de “moinho satânico”30 (POLANYI, 2000) Com isso - somado ao fim da guerra fria e ao enfraquecimento das utopias de esquerda e da “crítica”31 (BOLTANSKI, 1999) -, o neoliberalismo vai se afirmando enquanto “ideologia”, tal como conceituada por Mannheim (1976), ou seja, um tipo de pensamento que serve como meio de legitimação para o (novo) status quo e que contribui, assim, para a sua manutenção. Uma vez tornado ideologia, há uma constante reafirmação de seus valores, pressupostos, enfim, de sua visão de mundo – propagando-se a partir do mainstream acadêmico (norte-americano, sobretudo) e dos organismos internacionais para o resto do mundo.

Assim, enquanto ideologia, o neoliberalismo se impõe como o caminho necessário e como o projeto de reorganização social a ser seguido. Quanto a este último ponto, Foucault (2004a) argumenta que a especificidade do neoliberalismo contemporâneo refere-se à concepção sobre a arte de governar. Ao contrário do liberalismo clássico, os neoliberais não apostam no laissez-faire, mas num tipo de intervenção cujo objeto é a própria sociedade.

As idéias de mercado, competição, concorrência são trazidas para o centro da ação governamental enquanto modelo a ser seguido e implementado. Assim, na verdade, o neoliberalismo não é um simples um retorno da crença no livre funcionamento do mercado, mas uma nova mobilização (inclusive do próprio Estado) cujo objetivo é fazer com que a idéia de mercado se torne possível. Para tanto, a ação governamental passa a intervir sobre a própria sociedade com a tarefa de tornar possível o funcionamento dos mecanismos concorrenciais próprios do mercado.

Nesse sentido, enfatiza Foucault (2004a), a intervenção governamental própria do neoliberalismo “não é menos densa, menos freqüente, menos ativa, menos contínua que num outro sistema.” (FOUCAULT, 2004a, p. 151) O que importa é perceber que seus objetivos mudaram. Se, com o liberalismo clássico, pregava-se o laissez-faire e, com o keynesianismo/welfare state, o foco se voltava para a correção dos efeitos nefastos e destruidores do mercado e do capitalismo sobre a sociedade, agora, com o neoliberalismo, o objetivo da ação governamental reside numa intervenção sobre a própria sociedade, de modo a inserir nela os mecanismos competitivos e concorrenciais inerentes aos fundamentos do mercado, para que, assim, ela possa dele se aproximar. Percebe-se que essa “novidade” destacada por Foucault reforça o argumento de que o Estado neoliberal é funcional ao mercado.

Deste modo, o que se procura com isso é a obtenção de uma sociedade submetida à dinâmica concorrencial, uma generalização da forma “empresa” no interior do corpo e do tecido social, tendo a concorrência como fundamento. “O homo economicus que se quer reconstituir não é o homem da troca, não é o homem consumidor, mas sim o homem empresarial” (ibidem, p. 152). Trata-se de inserir no tecido social a lógica da diferenciação social, dividindo-o e multiplicando-o em indivíduos a partir do modelo “empresa”, ou seja, enfatizando seu lado competitivo e empreendedor como novas necessidades.

Tudo isso pode ser percebido a partir do contínuo esforço do neoliberalismo, enquanto a nova ideologia, em moldar o mundo à imagem do “mercado”, em lutar, por um lado, pela diminuição do tamanho do Estado (privatizações, corte dos gastos, focalização de políticas, etc.) e transformação de seu papel - objetiva-se agora um formato para o Estado que seja funcional ao mercado - e, por outro, em destruir aquele mundo social edificado na “era dourada”, inserindo mecanismos individualizantes e concorrenciais no corpo do tecido social."

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Fonte:
VIVIAN DOMÍNGUEZ UGÁ: "A questão social como “pobreza”: crítica à conceituação neoliberal". (Tese apresentada ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Ciências Humanas: Ciência Política. Banca Examinadora: Cesar Guimarães (orientador) Luiz Antonio Machado da Silva Maria Lúcia Werneck Vianna Renato Boschi (presidente) Silvia Gerschman). Rio de Janeiro, 2008.

Nota
:
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Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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