Origens da classe trabalhadora brasileira


A formação social: Origens da classe trabalhadora brasileira

“A classe operária como classe social distinta antecede o sindicalismo corporativo implantado por Vargas. Sua origem se encontra em um conjunto de mudanças no caráter da economia brasileira e transformações no caráter social do Brasil. No final do século XIX a industrialização começou a ganhar força no país, mudando o enfoque da produção agrícola para a fabricação de bens manufaturados, principalmente na cidade de São Paulo e seus arredores. Esta mudança na estrutura econômica foi acompanhada pela abolição da escravidão, que precisou incorporar uma nova força assalariada para trabalhar nas fábricas que tinham se multiplicado no país.

A partir de então, a mudança social provocada pela imigração massiva para o Brasil no início do século XX desempenhou grande papel no surgimento da classe trabalhadora urbana. Os brasileiros que tinham chegado às fábricas deixando os seus hábitats rurais, estavam acostumados a um sistema patrimonial no qual sempre deviam lealdade e obediência ao chefe político ou ao senhor de terras. Este não foi, porém, o caso dos imigrantes que chegaram da Europa e onde a revolução industrial já tinha se enraizado firmemente. Estes imigrantes chegaram com idéias e costumes de uma organização trabalhista que para o Brasil era desconhecida. Em 1920, no mundo do trabalho urbano paulista havia 51.304 trabalhadores imigrantes e 49.071 brasileiros, o que mostra o peso dos trabalhadores imigrantes, na sua maior parte italianos, proporção que só iria mudar significativamente depois da crise econômica de 1929.

Porém, diferentemente do ambiente fabril europeu, o mundo do trabalho brasileiro iria se desenvolver em um contexto fortemente patrimonial e corporativo, o que iria resultar em uma classe social fraca e com baixa representação política:

Entre nós, a emergência política das camadas trabalhadoras e a ampliação de sua participação na política nacional se efetuaram sob a égide do populismo, ou seja: orientadas não por ideologias negadoras do sistema social, mas por aspirações de integração à sociedade urbana e moderna, sob lideranças de tipo paternalista originárias das classes superiores.

Outro fator responsável pela debilidade da classe operária brasileira foi a grande oferta de mão-de-obra existente no início da industrialização. Este fato permitiu ao empresariado escolher os operários menos organizados para encher as fábricas, procurando com isso manter um baixo nível da capacidade reivindicativa da classe operária.

No Brasil, a história de sindicalismo16 pode ser observada a partir de cinco diferentes períodos através dos quais a classe operária se organizou em função de diferentes circunstâncias:

Período mutualista – antes de 1888
Período de resistência – 1888-1919
Período de ajustamento – 1919-1934
Período de controle – 1934-1945
Período competitivo – 1945-1964

O primeiro período nos remete à época da escravidão, na qual vários setores do trabalho livre se organizavam para se proteger de uma sociedade altamente patriarcal e ainda escravocrática. Exemplo deste tipo de sindicatos, como nos mostra Rodrigues, é a Imperial Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais de Pernambuco, criado em 1836. O propósito deste sindicato embrionário foi, em parte, a proteção dos trabalhadores que, por enfermidade ou por velhice, já não podiam trabalhar. Os fins não eram políticos e não se propunham a disputar o poder do Estado, vivendo de recursos (compostos de mensalidades, doações etc.) que se destinavam somente à autoproteção do grupo.

Rodrigues nos fala de outra associação mutualista que ele descreve como “uma das primeiras organizações operárias surgidas no Brasil”, A Imperial Associação Tipográfica Fluminense (IATF). Esta organização foi responsável pela famosa greve dos tipógrafos em 1858. Outra associação mencionada nos seus estudos foi o Corpo Coletivo da União Operária, que, apesar de se dedicar a formar um tipo de seguro social para os seus membros, já mostrava um faceta mais política. A abolição da escravidão em 1888 e a queda do Império em 1889, combinadas com o início da industrialização brasileira, deram início a uma nova fase do sindicalismo brasileiro: o período de resistência. Com a chegada de imigrantes e a proclamação da República, novas ideias e novas iniciativas surgiram, formando o capitalismo emergente. Rodrigues descreve este período como “uma verdadeira explosão sindical”. Como exemplo, Rodrigues fala do Centro Operário Radical, que promoveu diversas reivindicações sociais entre seus membros (1892), dentre as quais a reforma agrária, a regulamentação do trabalho, assistência para trabalhadores doentes, amparo à velhice etc.

Nesse período, o grupo mais ativo na criação de sindicatos foi o dos anarquistas, que instigavam manifestações e greves operárias visando à criação de uma sociedade organizada por federações de trabalhadores, sem leis e sem governos. Os anarquistas conseguiram formar a Confederação Operária Brasileira (COB) em 1909, mas a sua eficácia era limitada devido a dificuldades de coordenação entre sindicatos separados por grandes distâncias.

Um terceiro período na vida do sindicalismo brasileiro foi o de ajustamento, o último em que os sindicatos procuravam se formar sem a presença organizadora do Estado. Nesse período (1919-1934) de ajustamento a revolução bolchevique na Rússia (1917) influenciava um grande número de intelectuais sindicais no sentido da implantação do socialismo no Brasil, dirigida pelos comunistas. Nessa nova etapa, o movimento sindical ganhou um caráter muito mais político, procurando modificar as decisões do Estado. Para Rodrigues, o primeiro período foi apolítico, o segundo foi antipolítico e esse terceiro foi político. Nestes três períodos, no entanto, os sindicalistas ainda eram bastante tímidos se comparados com os de movimentos correspondentes na Europa. Então, quando Rodrigues comenta que o segundo período consistiu em uma “explosão sindical”, isso quer dizer um crescimento grande relativamente ao período anterior. Ou seja, esta “explosão” não pode se comparar com os grandes movimentos sindicais na Europa, nem com a expansão sindical argentina.

A revolução de 1930 mudou totalmente a trajetória do sindicalismo brasileiro. Vargas começou logo com o seu projeto corporativo de controlar o conflito entre as classes da sociedade. O Ministério de Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) foi criado em 26 de novembro de 1930, logo depois da posse de Vargas. Lindolfo Collor foi nomeado o seu primeiro-ministro, que deu ao ministério o apelido de “ministério da revolução”. A função global do MTIC foi dirigir o conflito entre o capital e o trabalho. Para desempenhar este propósito, o ministério deu início a um programa legislativo intenso para criar o novo sindicato. Como já vimos, os sindicatos existiam bem antes da criação do MTIC, mas só como associações mutualistas. O novo sindicato do MTIC foi o principal instrumento do Estado para dirigir a relação entre trabalhadores e empregadores. Em 1931, Collor explicou esta função em termos explícitos durante a exposição do decreto 19.770, que criou os “sindicatos oficiais”:

Os sindicatos ou associações de classe serão os pára-choques dessas tendências antagônicas. Os salários mínimos, os regimes e as horas de trabalho serão assuntos de sua prerrogativa imediata, sob as vistas cautelosas do Estado.

Ao mesmo tempo que estabeleceu a base legal para os sindicatos oficiais, o MTIC visou a atender reivindicações antigas da classe trabalhadora para ganhar mais a sua colaboração com a nova estrutura corporativa. Dentre esta legislação encontrava-se o estabelecimento da jornada de trabalho e das férias, regras sobre o trabalho de mulheres e menores de idade, a criação de um sistema de seguridade social e a criação do salário mínimo.

É importante notar que no início da atividade do MTIC havia grande resistência à incorporação dos sindicatos na estrutura corporativa. O Quadro 4 mostra que somente 41 sindicatos de empregados foram reconhecidos no primeiro ano do novo sistema. Estes representavam os sindicatos mais fracos e mais novos, pois aqueles com uma tradição de esquerda mais longa denunciavam o projeto tivo do MTIC, que viam como um impedimento ao conflito entre o capital e o trabalho necessário para o caminho da história marxista.

Mesmo que a República Velha tenha acabado com a revolução de 1930, Rodrigues localiza o início do quarto período (período de controle) no ano de 1934, em razão da resistência dos sindicatos a se submeterem ao controle do Estado. Portanto, para o autor foi apenas no ano de 1934, quando foi promulgada a nova Constituição, que se iniciou o período de controle do sindicalismo brasileiro (1934-1944).

A nova Constituição, que regulamentou o sistema corporativo brasileiro, deu aos sindicatos uma participação política inédita. A partir de então, a despeito do controle exercido sobre eles, os sindicatos passaram a ser considerados órgãos oficiais do Estado, na representação das associações de trabalhadores e empregadores. Rodrigues comenta que esta incorporação dos sindicatos ao aparato do Estado deu início a “um processo de descaracterização do sindicato como órgão de luta da classe operária”. Esta mudança radical influiu decisivamente na trajetória do sindicalismo brasileiro, impedindo-o de continuar no caminho clássico dos sindicatos, como ocorria nos países europeus. Em vez de serem mecanismos de resistência e reivindicação no confronto entre o trabalho e o capital, os sindicatos passaram a ser parte de um sistema no qual seus membros usufruíam de algumas regalias patrocinadas pelo Estado e os sindicatos ou associações não legalmente reconhecidos, não filiados, eram excluídos da participação de tais benefícios. Além da Constituição, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), promulgada em 1945, era a grande legislação que estipulava a estrutura corporativa de Vargas.

Após o fim do período conhecido como Estado Novo, quando ocorreu a redemocratização do país, juntamente com o final da segunda guerra mundial, os sindicatos brasileiros, apesar de permanecerem dentro de um esquema corporativo, passaram a desfrutar de mais autonomia e mais competitividade (período competitivo – 1945-1964). De fato, mesmo que a estrutura sindical do Brasil tenha se mantido intacta, o início da redemocratização abriu caminho para a disputa sobre o controle dos sindicatos. Nessa nova etapa, os políticos, que precisavam disputar o poder nas eleições, não podiam ignorar as reivindicações dos sindicatos. Mas, mesmo assim, a velha estrutura corporativa permaneceu intacta, com os sindicatos usufruindo de uma fonte de financiamento (o imposto sindical universal) que era arrecadado pelo Estado, tendo ainda acesso privilegiado a este."


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Fonte:
Philip Dewayne Smith: "A Formação Institucional e Social da Argentina e do Brasil: Um estudo comparativo do corporativismo estatal nos anos 1930-1955". (Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio. Orientador: Prof. Eduardo de Vasconcelos Raposo). Rio de Janeiro, 2010.

Nota
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