A Greve Geral de 1917 em São Paulo

As imagens a seguir são parte de um momento histórico singular na relação entre trabalhador e patrão no Brasil. Trata-se da famosa GREVE GERAL DE 1917, ocorrida em São Paulo. Em seu livro "História do Brasil", o professor Francisco de Assis Alves tece os seguintes comentários sobre este importante evento no seio da chamada República Velha:
"O ano de 1917 foi um marco importante dos movimentos operários da República Velha. A classe operária mais consciente e organizada iniciou naquele ano um movimento grevista que se alastrou por todo o país. Depois de um período de três anos em que as greves foram raríssimas, 1917 explodiu com vigor revolucionário.
Devemos inserir as greves gerais iniciadas em 1917 no contexto da crise internacional concretizada pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Durante o conflito mundial, apesar do extraordinário crescimento do setor industrial brasileiro, os preços subiram assustadora- mente, devido às emissões inflacionárias e ao crescimento das exportações de alimentos para os aliados. Não se deve omitir também algumas influências ideológicas da Revolução Bolchevique de 1917 ocorrida na Rússia.
A greve iniciada em junho de 1917 no Cotonifício Crespi, localizado no bairro da Mooca, na cidade de São Paulo, propagou-se e tornou-se uma greve geral de abrangência nacional De forma geral os operários reivindicavam aumento salarial em tonto de 20%, jornada de oito horas de trabalho, assistência médico-hospitalar, regulamentação do trabalho das mulheres e menores, segurança do trabalho, semana de cinco dias e meio, pontualidade no pagamento.
Como reação a fábrica foi fechada por tempo indeterminado. Os operários faziam comícios no centro da cidade e ganhavam a adesão de operários da Antarctica. das fábricas Jafet. de empresas do grupo Matarazzo e outras. O movimento grevista se alastrou. Os conflitos entre grevistas e policiais tornaram-se comuns. Num desses confrontos a polícia matou um jovem sapateiro anarquista — de 21 anos.
A morte do jovem operário marcou o recrudescimento das agitações. O repressivo aparato policial da Força Pública paulista não conseguiu impedir as violentas manifestações no dia do enterro do operário assassinado. Anarquistas e socialistas organizaram novas greves que se espalharam pelo interior, paralisando fábricas em treze cidades paulistas. São Paulo parou entre os dias 12 e 15 de julho de 1917. A greve era total.
O caos se instaura na cidade. Depredações, saques, piquetes, comícios, quebra- quebras. Reforços militares são enviados para São Paulo.
A burguesia industrial paulista, entendendo que as greves lhe eram prejudiciais. organiza urna comissão de jornalistas que serviria de mediadora entre as partes. Estipulou-se que os empresários aceitariam algumas das reivindicações operárias. como o aumento salarial de 20%, a não-dispensa dos grevistas e o pagamento de salários fixos mensalmente. Por sua vez o governador de São Paulo se comprometeu a libertar os operários presos. desde que todos voltassem ao serviço, a respeitar o direito de reunião e a providenciar para que fossem respeitadas as normas de melhoria sobre as condições das mulheres e dos menores nas fábricas. No dia l6 os operários aceitaram o acordo e voltaram ao trabalho no dia seguinte.
A causa operária entretanto não estava resolvida. As reivindicações principais não foram atendidas. As miseráveis condições de vida persistiam. assim como persistia a vexatória submissão aos abusos dos prepotentes mestres e contramestres.
Tudo isto, somado à conjuntura econômica nacional, fomentou a eclosão de novas greves que marcaram principalmente o ano de 1919 e o início de 1920, quando o movimento operário declinou sensivelmente." (Editora Moderna, 1994, p. 229-230).
No dia 26 de julho de 1917, a prestigiada revista paulistana "A Cigarra", na sua edição nº 71, publicou uma histórica reportagem a respeito dessa Greve. O seu editorial foi, obviamente, dedicado a comentar este importante evento, conforme transcrevo a seguir (é claro, com a devida atualização ortográfica). Logo após seguem as imagens, tais quais foram publicadas no referido periódico. Ei-los:

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CRÔNICA
Serena e desinteressante ia correndo a primeira quinzena, sob ambiente comum da paz social. De repente, a cidade é abalada com a notícia de greve geral do operariado. “Não era possível!” – exclamavam, com uma pontinha de ceticismo os conservadores, Mas logo se desiludiram, vendo na rua a legião infinita dos grevistas. Certamente, devia existir um forte motivo, determinante do movimento. Mas sem dúvida! O motivo era o sofrimento dessa imensidade de operários. Desde o principio da guerra, quando os gêneros de primeira necessidade começaram a encarecer, a situação do operariado foi revelada em comícios, aqui e ali, e a linguagem dos oradores dava ao quadro todas as tintas do horrível. Ninguém, todavia, os levou a sério, os quis ouvir, e as queixas e os sofrimentos jamais voltaram a ultrapassar os domínios do trabalho.

E como tudo, no decorrer dos dias, semanas e meses, preanunciava um perigo social, o Comitê de Defesa Proletária, possuindo um incomparável campo de experiências, resolveu tratar do questão pelo recurso da greve. Sem duvida, a greve é um direito, e a idéia, exposta aos trabalhadores prejudicados, encontrava naturalmente o assentamento de todos. Esvaziadas as fábricas e oficinas, começaram nas ruas a passeata de milhares de obreiros inativos. O espetáculo não era dos mais agradáveis para os nossos créditos de cidade pacata. Mas nada podia impedir, dentro da ordem a manifestação do proletariado. Foi quando a policia, receosa de conflitos, interveio junto dos patrões, na esperança de que eles cedessem Muitos foram amáveis, conciliadores; outros mostravam-se hesitantes; outros, ainda, inflexíveis, não cederam coisa nenhuma. E, por que ao argumento do salário, os operários juntavam outros exigências, entre as quais a redução do preços dos gêneros de primeira necessidade, legislação e regulamentação do trabalho, a vesania apoderou-se dos espíritos e os conflitos não se fizeram esperar. Foram sacrificadas algumas vidas e de tal forma se intensificou o espírito de revanche, que a imprensa, receando maiores conseqüências, teve o belo gesto de se constituir mediadora, entre operários e patrões. Não conseguiu tudo, mas conseguiu muito e isto demonstra claramente que, quando ela deu os primeiros passos para harmonizar o capital e o trabalho, já a fortalecia o prestigio da opinião publica, desejosa de ver terminado definitivamente espetáculo intolerável. Deve-se à imprensa, em grande parte, a solução da greve. Ninguém lhe pode negar o grande serviço que ela vem de prestar à paz social do Estado, senão de Indo o país.

Resta agora que o Governo, por todos os recursos ao seu alcance, trabalhe por modificar as condições de vida de uma enorme massa de trabalhadores, cuja rebelião só teve em vista melhorar uma situação que a ameaçava de morte. A preocupação de proibir a federação dos sindicatos de Trabalho, é preferível reconhecer que, uma vez proclamado o direito de greve, pela paz ou pela força o operariado há de conquistar regalias que o ponham a salvo do regime das compressões.

O que se deu em São Paulo não é uma novidade de conquista. Lá fora o operariado tem feito coisa igual O que em toda o parte se vê é que ele, com as suas lutas, tem conseguido dos governos várias reformas saciais, no interesse superior da coletividade, não sendo por isso justo que o Governo, em nosso pai, em vez de aproximar o trabalho e o patronato, os separe e distancie, tornando-os inimigos irreconciliáveis. A legislação pátria necessita ser ampliada com regulamentos para serem observados no que toca ao dia de oito horas, ao trabalho das mulheres e das crianças, à higiene das Fábricas, etc., de maneira a encorajar o labor individual no domicílio e impedir a opressão industrial. Tudo isto demanda de um estudo sério, mercê do qual derive um programa de reformas, capaz de resolver a problema econômico que deu causa à recente greve.

Imitemos a Inglaterra. Em 1802 já o governo daquele liberal país se preocupava com questões operárias, entre as quais a trabalho das crianças. Várias reformas vieram em benefício do proletariado, sem nenhum prejuízo para os industriais. Ao contrário, a elevação de salários trouxe á industria inglesa benefícios incalculáveis. A exportação aumentou espantosamente e os industriais acabaram por se convencer de que, com um pouco de boa vontade, se podem resolver os mais intrincados problemas.

Imitemos a Inglaterra, imitemos a França, imitemos a Itália nas concessões feitas ao operariado, estabelecendo medidas liberais e criando instituições de previdência, tão necessárias no seio das grandes aglomerações operárias.

IMAGENS DA GREVE GERAL DE 1917

Trabalhadores em manifestação no Praça da Concórdia, no Brás, no dia 16 de julho de 1917


Operário falando aos grevistas numa manifestação realizada no Largo da Sé


O bonde-correio, que foi liberado da greve por bombeiros devidamente armados, o único que circulou na capital no dia 13 de julho de 1917

Tomada do bonde da Light durante as agitações operárias


Enterro do operário Francisco Martinez, morto em choque com a polícia num dos conflitos dos manifestantes. Esta fotografia foi tirada para a revista "A Cigarra" no instante em que a enorme massa de grevistas conduzia o corpo do trabalhador pela rua Quinze de Novembro, a caminho do cemitério


Multidão de operários grevistas, após ter percorrido as ruas do centro de São Paulo, descendo a Ladeira do Carmo, a caminho do Brás, empunhando bandeiras vermelhas


Grevistas, a maioria de mulheres operárias, dirigindo-se ao largo do Palácio, a fim de dialogar com o secretário da Justiça e Segurança Pública, para quem pediram providência contra a carestia dos gêneros alimentícios

Contigente do 1º batalhão da Força Pública, de armas em punho, dispersando os grevistas, na Praça Antônio Prado, vendo-se, ao fundo, os estabelecimentos comerciais completamente fechados

CHARGES SOBRE A GREVE GERAL DE 1917
A GREVE E O POLICIAMENTO DA CIDADE
O comandante da Guarda Municipal e seu ajudante de ordens

A GREVE E O POLICIAMENTO DA CIDADE
A linha da frente... do Largo do Palácio

A GREVE E O POLICIAMENTO DA CIDADE
Dois conhecidos literatos mobilizados nos dias de agitação, para a defesa dos poetas e das... "musas..."

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Fonte:
Revista "A Cigarra", disponível digitalmente no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo

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