Secularização das instituições médicas



"Atendendo pela designação genérica de “hospital,” esta instituição sanitária inscreveu-se na vida urbana não apenas pelo fato social, mas também como dado paisagístico, pois seu porte imponente contrastava com outros edifícios arrojados a partir da Renascença.

Cuidar dos doentes como dos pobres, evitando a mendicidade e a difusão do contágio, foi considerado durante séculos não somente como obrigação decorrente da solidariedade humana, ou como elevada expressão de caridade cristã, mas principalmente como uma medida profilática de higiene, requerida pela manutenção da ordem social.

Somente no final do século XVIII, a consciência de que o hospital era instrumento destinado à cura e a terapia, passa a ser desenvolvido na Europa. Isto se deve a todo um novo sentido de prática médica, onde a observação sistemática comparada, através de visitas médicas, ocorre a partir de então nos hospitais.

Segundo Foucault, antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência, assim como de separação e exclusão dos pobres: “O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença e possível de contágio, é perigoso.” Por estes motivos, o hospital deve estar presente tanto para reconhece-lo, quanto para proteger outros indivíduos do perigo que ele provoca:

O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os últimos cuidados e o último sacramento. Essa é a função essencial do hospital. Dizia-se corretamente, nesta época, que o hospital era um morredouro, um lugar onde morrer. E o pessoal hospitalar não era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente, mas a conseguir sua própria salvação. Era um pessoal caritativo – religioso ou leigo – que estava no hospital para fazer uma obra de caridade que lhe assegurasse a salvação eterna.

A Igreja desde seus primórdios esteve envolvida na assistência, nas terapias e nos cuidados aos doentes. Mas também, na acusação moral e na segregação deles. A relação entre doença – doente – Igreja é bastante paradoxal. A historiografia observa que ao mesmo tempo que a Igreja atuava em prol dos doentes, condenava estes indivíduos, pregando que sua doença era proveniente de seus pecados, principalmente no tocante às doenças contagiosas.

Ás doenças estão associadas não somente a infração a uma regra e a ofensa a uma divindade que castiga, mas também uma mácula, uma imoralidade – a doença é suja – sendo todos estes termos empregues no seu duplo sentido físico e moral. A doença apenas será curada com e ao preço de uma purificação.

Segundo o Catolicismo, a “purificação” da alma do doente representava o sofrimento decorrente da doença, além de seu afastamento da sociedade em hospitais sob seu cuidado. No que se refere à lepra, a condenação transitava em várias esferas de preconceito que a própria Igreja impunha.

Entretanto, as novas práticas médicas não acarretavam a criação de uma medicina hospitalar. A experiência hospitalar ainda não fazia parte da formação do médico. O que o qualificava era a difusão de receitas e não o campo de experiência que deveria assimilar. Como conseqüência, esta tentativa de “prática” médica não conseguia possibilitar, neste período, a organização de um saber hospitalar.

Com o advento da Revolução Francesa, muitas congregações que amparavam velhos, órfãos e doentes, foram afastadas dessas funções, dando espaço à organização laica. Entretanto o sistema republicano instituído, não conseguiu substituir de imediato esses religiosos, que tradicionalmente ocupavam essas funções. Como observa Antunes:

Criados como instituições filantrópicas, a um só tempo de auxílio material e espiritual, voltados a um amplo espectro de usuários, os hospitais foram subtraídos da hierarquia eclesiástica pelas municipalidades (...). Esse fato tivera, em parte, uma motivação política: evidenciava a vontade das autoridades civis de se diferenciarem do poder clerical, tentando mantê-lo subordinado. (...) Mesmo assim, os hospitais tiveram suas características muito pouco alternadas nesse período e nos anos imediatamente posteriores. Mantiveram-se como uma combinação de hospedaria, asilo para velhos, pobres e órfãos e instituição para o abrigo e tratamento de doentes. Além disso, os serviços religiosos em seu interior continuaram a ser regularmente celebrados.

A partir disto, ocorre novamente uma aproximação entre a esfera laica e clerical. Desta forma, as congregações religiosas passam a assumir, novamente, o cuidado destas instituições. Porém, a administração destas instituições passa a ser de responsabilidade do poder laico, restando aos religiosos o cuidado direto do indivíduo: o interior do hospital. Sendo assim, a atuação de congregações religiosas na administração de hospitais não representa uma novidade do período, já era uma prática consolidada e preparada para tal empreendimento”.

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Fonte:
Fernanda Barrionuevo Proença: “OS ESCOLHIDOS DE SÃO FRANCISCO: ALIANÇA ENTRE ESTADO E IGREJA PARA A PROFILAXIA DA LEPRA NA CRIAÇÃO E NO COTIDIANO DO HOSPITAL COLÔNIA ITAPUÃ – 1930/1940” (Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História, área de Concentração: Estudos da História das Sociedades Ibero-Americanas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Charles Monteiro). Porto Alegre, 2005.

Nota
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