Breve histórico da crítica de Cinema no Brasil



“Quase não há textos publicados que resgatam a história da crítica cinematográfica no Brasil. O artigo publicado na revista virtual de cinema Contracampo, intitulado “Cronologia da crítica cinematográfica no Brasil”, elaborado por Gardnier & Tosi (2000) é um dos poucos materiais destinados exclusivamente ao assunto. Dessa forma, essa é a nossa fonte principal de pesquisa na elaboração dessa breve retrospectiva sócio-histórica da crítica de cinema no Brasil, cujo objetivo é resgatar, na trajetória do gênero, sua gênese e suas transformações ao longo do tempo e, com isso, tentar entender o seu funcionamento na atualidade. Além das informações trazidas pelo artigo de Gardnier & Tosi (2000), outras leituras complementam os nossos estudos e nos auxiliam na construção deste tópico.

Pode-se dizer que é a partir de meados do século XIX que o jornalismo brasileiro, até então voltado para a vertente política, inicia sua trajetória no campo cultural (nesse momento, ainda, voltado quase exclusivamente para a expressão literária). É o momento em que o jornalismo começa a adquirir uma tendência européia, configurando -se pela confluência dos seguintes temas: política, economia e variedades (GADINI, 2003).

Segundo o exposto na cronologia elaborada por Gardnier & Tosi (2000), o escritor e crítico teatral Arthur Azevedo p ode ser considerado nosso primeiro crítico de cinema pela publicação em O Paiz, em julho de 1897, de comentários sobre os filmes exibidos em algumas casas teatrais. Em 1904, outro intelectual brasileiro inicia seus comentários acerca do cinema: agora é o p oeta e escritor Olavo Bilac quem escreve para a revista Kosmos um texto expressando suas preocupações em relação à substituição do livro pelo cinema. Nesse momento o Brasil vive sua primeira República – oligárquica e conservadora – e, no cenário cultural, a escola parnasiana impõe sua arte rigorosa e puramente elitista, em conseqüência, a concepção de cinema como arte é rejeitada por seus intelectuais. Segundo Gomes (1996, p. 49), “a imprensa que poderia colaborar exercendo sua influência na opinião do público acaba por não tomar mais conhecimento da produção cinematográfica que se define cada vez mais como uma atividade marginal”.

Em 1918, segundo Gardnier & Tosi (2000), nasce o primeiro periódico brasileiro que tenta dar conta das críticas dos filmes em cartaz: a revista Palcos e Telas. Antes disso, tínhamos apenas revistas que exibiam fotos e textos de divulgação. A década seguinte é marcada, culturalmente, pela busca da identidade genuinamente brasileira. A Semana de Arte Moderna, em 1922, representa a abertura de novas perspectivas para a Arte no Brasil, com isso o cinema vai, aos poucos, sendo reconhecido como legítima expressão artística. São, então, os jovens intelectuais da época – Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graça Aranha, Monteiro Lobato – quem agora escrevem as críticas publicadas nos jornais e revistas. São eles que começam a dar ênfase, na imprensa, para as produções dos cineastas brasileiros (KLEBIS, 2004). Nessa década, nasce a revista Cinearte, primeira revista a iniciar uma campanha em favor do cinema nacional e O Fan, primeiro periódico de cinema nascido exclusivamente por amor ao cinema (GARDNIER & TOSI, 2000).

Já em 1931, com a figura de Pedro Lima, primeiro crítico a escrever regularmente para jornais, surge a caracterização do crítico de cinema tal como entendida nos dias de hoje. Em 1941, por iniciativa do grupo de estudantes herdeiro dos modernistas, este, centrado na Faculdade de Filosofia da USP, começa a circular a revista Clima, cujo encarregado da seção de cinema é o intelectual Paulo Emílio S. Gomes. Durante seus dezesseis números a revista foi um veículo de divulgação e renovação da crítica brasileira. É também em 1941 que o cinema ganha investimento no país com a fundação da Atlândida (produtora responsável pela produção de três filmes populares por ano) e, mais tarde, em 1949, pela criação da Vera Cruz (que opera até 1954). Já em 1946, começa a escrever, no Correio da Manhã, Antônio Moniz Viana – o mais importante crítico da imprensa diária brasileira – que, mesmo sem ser acadêmico, consegue status de intelectual de cinema – escreve nesse mesmo jornal durante 28 anos (GARDNIER & TOSI, 2000).

Nas décadas seguintes, em decorrência do processo de industrialização iniciado no segundo governo Vargas (1951 -1954) e acentuado na gestão de JK (1955-1960), começam a surgir, na imprensa, as editorias especializadas. Tal modelo problematiza a figura do cronista de assuntos gerais que sempre transitou pelas diversas áreas jornalísticas. Conseqüentemente, o cinema deixa de ser um mero passatempo e ganha um tom mais “sério”, se concretizando como um campo específico, com repertórios e vocabulários próprios (KLEBIS, 2004). É nessa época que, impulsionadas pelo crescimento urbano, especialmente em São Paulo, as camadas médias se diferenciam e adquirem um poder maior de compra: a diversão, as artes e o lazer começam a romper os domínios da produção caseira para ganhar status de bens de consumo (GADINI, 2003).

Acontece, então, em 1960, em São Paulo, a 1ª. Convenção Nacional de Crítica Cinematográfica – primeira oportunidade que reúne críticos de todo o Brasil. Os próximos anos são marcados pela distinção de dois segmentos de críticos: os envolvidos na crítica acadêmica, estes valorizam e participam do Cinema Novo – dentre seus adeptos se destacam Paulo Emílio S. Gomes, Ismael Xavier e Jean-Claude Bernadet; e aqueles que rejeitavam tal vertente do Cinema – estes passam a discursar, principalmente, nas rádios, em defesa da “produção popular” (GARDNIER & TOSI, 2000). Entretanto, O Cinema Novo e quase todos os avanços do setor cultural são abalados com o golpe de 1964 (KLEBIS, 2004). Porém, segundo Gadini (2003, p. 870), a contaminação do setor cultural é paulatina “principalmente em áreas onde a presença popular ainda era marcada pelas ações públicas (como cinema, teatro, festivais musicais)”. A vasta produção cinematográfica da época mostra a preocupação com uma cultura nacional -popular, mesmo sob o controle da censura e aval militar a toda e qualquer perspectiva crítica ou preocupada com a realidade social.

A fundação, em 1965, do curso de Cinema da Universidade de Brasília, primeira ambiciosa experiência do gênero no país, prova a força do Cinema em tempos de ditadura. Feito, porém, prematuramente abortado pelos ecos do AI -5 (decretado em 13 de dezembro de 1968). Nessa época, a televisão começa a despontar e a se configurar como o meio de comunicação mais popular do país. Dessa forma, um recuo nas tiragens dos jornais impressos, o que leva este veículo de comunicação a uma reforma gráfica e editorial (o visual ganha mais ênfase do que o textual) na tentativa de reconquistar o interesse popular. Como conseqüência, os grandes espaços destinados à crítica nos suplementos de cultura são reduzidos para poder conciliar as editorias de variedades, colunas sociais e cobertura jornalística de eventos culturais (GARDNIER & TOSI, 2000). Segundo Gadini (2003, p. 88):

A “crítica autoral de nível” ainda existe nos ensaísmos, críticas, resenhas, contos, etc., persistentes em inúmeros suplementos/cadernos de jornais brasileiros, mas passou -se a explorar também, simultaneamente, os “serviços pobres”, como eram considerados na emergente Era do Rádio, em produtos que passam a adquirir formato diferenciado.

Em 1983, a Folha de S.Paulo marca sua época por incorporar a área de cinema como espaço de reflexão em seu suplemento cultural “Folhetim”, promovendo, assim, o debate a respeito da realização cinematográfica. Essa é uma rara exceção, pois nessa época, o que se nos jornais é uma progressiva diminuição do espaço destinado à critica de cinema. No Rio de Janeiro, o jornalista Rogério Durst desenvolve um estilo (cf. BAKHTIN, 1992, p. 313) que faz escola: poucas ambições críticas, escrita descontraída, texto curtíssimo, preferência acima de tudo pelo entretenimento. O fim da revista Filme Cultura, em 1987, deixa na crítica cinematográfica a triste lacuna de não haver qualquer espaço especializado dedicado à reflexão sobre cinema no país. A partir de então, a reflexão cinematográfica se dá exclusivamente nas faculdades de comunicação e nos poucos textos publicados nos periódicos de grande circulação (GARDINIER & TOSI, 2000).

Na década de 90, são poucas iniciativas dignas de nota. Destaca -se, entre elas, o nascimento da revista Cinemais, em 1996, periódico bimestral de cunho acadêmico que tenta reabrir a discussão em torno do cinema no Brasil e na América Latina (os textos são fornecidos, na sua grande maioria, por professores da escola de Cinema). Essa década também é marcada por várias manifestações de descontentamento com os rumos da crítica no país (GARDNIER & TOSI, 2000). De acordo com Priolli (2000), a despeito de todas as limitações estruturais e conjunturais da realidade brasileira no início do século XXI, o espaço da crítica vem crescendo no jornalismo: “quase todos os jornais e revistas de interesse geral publicam, atualmente, seções ou cadernos de artes e cultura, onde sempre há espaço para a análise e a crítica – inclusive em jornais populares e os especializados” (p. 82). Recentemente, também , podemos destacar a expansão de veículos especializados em cultura/cinema como, por exemplo, as revistas Set, Cult, Bravo!, o website de Rubens Ewald Filho e as revistas virtuais de cinema Contracampo e Epipoca."

---
Fonte:
ELIANA MERLIN DEGANUTTI DE BARROS: "A APROPRIAÇÃO DO GÊNERO CRÍTICA DE CINEMA NO PROCESSO DE LETRAMENTO". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem. Orientadora: Profa. Dra. Elvira Lopes Nascimento). Londrina, 2008.

Nota
:
A imagem (Revista "Para Todos", maio de 1924) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!