Conceito de Discriminação



“Existem, ante a variedade de abordagens do tema, diversas conceituações para a discriminação, passando-se pela simples referência ao tratamento desequiparador injustificado, até as acepções mais complexas, dotadas de mais detalhes.

Inicialmente, não se pode ignorar que a palavra discriminação nos remete à noção de segregação, distinção, diferenciação.

Isto se deve ao próprio sentido semântico da expressão, eis que, sob tal perspectiva, de fato que dizer separação, distinção.

Alice Monteiro de Barros, usando linguagem simples e objetiva, conceitua a discriminação como sendo o “caráter infundado de uma distinção”.

José Claudio Monteiro de Brito Filho apresenta definição interessante, afirmando que a discriminação é o “preconceito em sua forma ativa.”

Mauricio Godinho Delgado conceitua a discriminação como sendo “a conduta pela qual nega-se à pessoa tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada.”

E, aproximando-se das considerações tecidas por José Claudio Monteiro de Brito Filho relativamente à relação estabelecida entre preconceito e discriminação, esclarece Godinho que a causa da discriminação é, na maioria das vezes, apenas e tão somente o preconceito, ou seja, “um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de uma sua característica.”

Além das definições doutrinárias, existem também conceitos legais de discriminação, sendo que a maior parte deles pode ser extraída de documentos internacionais.

Inclusive, buscando exatamente uma definição de discriminação, Álvaro Cruz socorre-se de tais conceitos apresentados em Convenções Internacionais e, com supedâneo nos mesmos, afirma, em síntese, que a discriminação é toda e qualquer forma de promoção da distinção ou da exclusão levada a efeito com fulcro em critérios como a raça, a descendência, a origem étnica, o gênero, a opção sexual, a religião, a idade, entre outros, que tenha por fim anular ou impedir o reconhecimento ou o gozo de direitos humanos em de igualdade em qualquer âmbito da vida pública ou privada.

Especificamente no que pertine à discriminação no trabalho e na esteira das definições extraídas de documentos internacionais, oportuno referenciar o conceito apresentado pela Convenção 111 da OIT (sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão), o qual, sob o ponto de vista aqui defendido, revela conceito por si só suficiente.

Para tal norma internacional, discriminação é “toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão.”

Cristina Paranhos Olmos, também imbuída do objetivo de estudar a discriminação verificada nas relações de emprego, apresenta conceito útil para os fins aos quais se destina o presente estudo, considerando a discriminação como decorrência de uma diferença entre determinada característica considerada normal pela sociedade e aquela ostentada por certa pessoa ou grupo de indivíduos, característica esta que quase sempre não guarda qualquer relação com o bom desempenho do trabalho.

A discriminação, sob tal perspectiva de análise, seria aleatória, “sem qualquer causa justificativa que não a ignorância e o preconceito das pessoas que discriminam e que têm, em seu íntimo, sentimentos de que as pessoas diferentes do “padrão” traçado como ideal são inferiores.”

Oportuno ressaltar, apenas a título de complementação, que nem toda discriminação é, de fato, negativa.

A forma mais comum de discriminação que se conhece é a discriminação injustificada e prejudicial, que, nos termos das considerações acima tecidas, procura diminuir o indivíduo com fulcro em critérios absolutamente equivocados. No entanto, mormente na atualidade, são cada vez mais expressivas as formas de discriminação positiva, voltadas justamente a reduzir os efeitos da desigualdade entre as pessoas.

O exemplo típico de discriminação positiva são as ações afirmativas que, originárias do direito norte-americano, são objeto de estudos detidos por parte de Joaquim Barbosa B. Gomes e Álvaro Cruz, nas obras referenciadas anteriormente.

São, assim, medidas que visam a restaurar o equilíbrio entre todas as categorias de indivíduos, não com o objetivo de se estabelecer uma situação de absoluta igualdade (o que seria de fato inconsistente ante as diferenças naturais entre todas as pessoas), mas sim de modo a propiciar a igualdade de oportunidades e de desenvolvimento de potencialidades para todos.

O que se pretende através de tais medidas é, inegavelmente, a inclusão social, sendo que a forma mais conhecida de sua efetivação prática tem sido as cotas, cuja finalidade é a facilitação do ingresso de determinadas categorias às universidades ou a empregos públicos e privados.

Atualmente, um exemplo de ação afirmativa promovido no Brasil é o Estatuto da Igualdade Racial, cujo projeto de Lei, de autoria do Deputado Roberto Paim, do Rio Grande do Sul, tramitou por dez anos no Congresso Nacional e foi aprovado em definitivamente em junho de 2010.

Tal Estatuto dispõe a respeito de diversas medidas voltadas à inclusão dos negros nos mais diversos meios e atividades sociais.

O tema suscita diversas discussões, havendo posicionamentos válidos, tanto contra quanto a favor, de sua implantação.

Não cabe aqui, contudo, a análise detida da questão, sobretudo porque o aprofundamento que a mesma dimana distancia-se dos objetivos traçados para o presente trabalho, sendo que a referência feita à discriminação positiva, muito embora seja absolutamente necessária, é meramente informativa.

Há de se atentar, ademais, para o fato de que a discriminação positiva, para além da abordagem afeta às ações afirmativas e às cotas, é também prevista pelo artigo da citada Convenção 111 da OIT, que, em seu inciso 1, dispõe expressamente que as medias especiais voltadas à proteção de determinado grupo não serão consideradas como discriminação.

Assim, considerando-se os fins aos quais este estudo se volta e mormente com supedâneo nos termos da própria Convenção n º 111 da OIT, entende-se que a discriminação pode ser vista como o tratamento injustificavelmente diferenciado dispensado a determinada pessoa ou grupo de indivíduos, atuando como fator de redução de oportunidades no seio social.

A discriminação, é certo, verifica-se nos mais diversos ambientes sociais. Em todos eles constitui conduta grave, dotada de sérias consequências, sobretudo em razão de seus principais efeitos que são, como já dito, a exclusão social e a negação do princípio da igualdade.

Na ambiência da relação de emprego, a discriminação revela-se ainda mais prejudicial, porque dirigida a um grupo de pessoas (os empregados) que se encontra em situação de sujeição em relação ao empregador.

Assim, justamente em virtude da subordinação implícita à relação de emprego, o obreiro acaba ficando mais suscetível à prática discriminatória e, na maioria das vezes, não possui meios de resistência, eis que depende do trabalho para a sua sobrevivência e a de sua família.

Fica o empregado, portanto, em situação absolutamente passiva diante de tal ordem de violação de direitos.

Nesse sentido são as colocações de José Claudio Monteiro de Brito Filho que, revelando sua preocupação com a discriminação levada a efeito no ambiente laboral, destaca que o empregador encontra no empregado, hipossuficiente econômico e vulnerável na relação, uma condição favorável para que a discriminação possa ser engendrada.

Para este autor, a discriminação levada a efeito pelo tomador de serviços ou pelo empregador baseia-se na relação de poder que é implícita à relação de emprego e, exatamente por isso, ocorre em circunstância ideal, mormente diante da necessidade do empregado de trabalhar e, assim, garantir a sua subsistência e de sua família.

Nesta esteira, imperiosa também a remissão às palavras de Joaquim Barbosa, que, apoiando-se da mesma forma na sujeição do empregado em relação ao seu empregador, ressalta o caráter quase sempre oculto da discriminação verificada internamente à relação de emprego.

Destaca este autor que além de se materializar por meio de um tratamento sistematicamente diferenciado por parte do empregador, a discriminação na relação de emprego normalmente pode ser percebida em razão dos comportamentos empresariais que indicam uma tendência voltada a conferir privilégios para determinados grupos e, em contrapartida, a estigmatizar outros.

Ademais, a gravidade da discriminação efetivada no ambiente laboral consubstancia-se também no fato de que ela, quase sempre, tem como consequência a ruptura contratual através da dispensa imotivada do obreiro.

Assim, além de discriminado, o empregado perde seu meio de sustento e torna-se, mormente ante as dificuldades de recolocar-se no mercado de trabalho, absolutamente excluído na sociedade.

Portanto, não há como se olvidar que, efetivamente, “nas relações de trabalho as consequências da discriminação são ainda mais sérias, porque ela retira do empregado aquele que é seu maior patrimônio: o próprio trabalho.”

Como se vê, os aspectos gerais relativos à discriminação de uma forma ampla aplicam-se, também, à discriminação efetivada na relação de emprego. Trata-se, assim, de tratamento diferenciado dirigido a determinado empregado ou grupo de obreiros, em razão de uma certa característica que não possui qualquer relação com o bom desenvolvimento das atividades laborais, mas encontra fulcro em critérios que, via de regra, não se revelam importantes para fins da prestação de serviços, como, por exemplo, a cor, a opção sexual, a religião, o gênero, entre outros.

Portanto, uma vez elucidado o conceito da discriminação no trabalho, passa-se à análise dos outros aspectos que também cercam a sua definição, a saber, as diversas espécies de discriminação (tipologia) e os momentos nos quais ela é levada a efeito."

---
Fonte:
LÍDIA CLÉMENT FIGUEIRA MOUTINHO: "DISCRIMINAÇÃO, PRECONCEITO E ESTIGMA DO EMPREGADO ACIDENTADO: ANÁLISE DOS MECANISMOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO DO TRABALHADOR EM FACE DA EMPRESA". (Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Professor Doutor Eduardo Milléo Baracat). Curitiba, 2010.

Nota
:
A imagem (fonte imprecisa) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

2 comentários:

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!