Definições de Violência



“Definir ou conceituar violência não é tarefa muito simples de realizar, pois é grande o risco de reduzir sua complexidade e ocultar seu aspecto multifacetado. Portanto, vamos aqui, sucintamente, mapear algumas definições para uma melhor aproximação ao tema.

É costume associar-se violência a atos de criminalidade, mas seu conceito vai além da dimensão da criminalidade, e se constitui a partir das relações sociais. Diferenciam-se, contudo, conforme o lugar, tempo, espaço, conjuntura, condições contextos e cultura de cada sociedade (COSTA & PIMENTA, op. cit. 2006, 6).

SANTOS (2000) entende a violência como uma estrutura cujo resultado é a perversidade sistêmica, ou seja, os fatos deixam de ser isolados e atribuídos à má formação da personalidade para se estabelecerem como um sistema. O autor compara a realidade a:

“uma fábrica de perversidade onde a fome se torna um dado generalizado e permanente”, assim como outras questões continuam também agravando-se como analfabetismo, desemprego etc. (...), ser pobre é participar de uma situação estrutural, com uma posição relativa inferior dentro da sociedade como um todo. O fato, porém, é que a pobreza tanto quanto o desemprego agora são considerados como algo ‘natural’, inerente a seu próprio processo. Vivemos num mundo de exclusões, agravadas pela desproteção social, apanágio do modelo neoliberal, que é, também criador, de insegurança” (p. 55-56).

Conforme SANTOS, o resultado é o desenvolvimento de sentimentos ligados ao egoísmo, narcisismos, banalização da guerra de todos contra todos e utilização de qualquer meio para obter os resultados almejados. Esse estado redunda em corrupção, substituição do debate civilizatório para o discurso de mercado e a morte da política.

“Daí o ensinamento e o aprendizado de comportamentos dos quais estão ausentes objetivos finalísticos e éticos (...), o estabelecimento do império do consumo, dentro do qual se instalam consumidores mais que perfeitos” (p. 60).

A esse respeito, comenta BAUMAN (2005):
“A sociedade de consumidores não tem lugar para os consumidores falhos, incompletos, imperfeitos. (...) Os consumidores falhos não teriam como saber quando poderiam ser declarados criminosos” (p. 22 e 23).

O autor afirma que os consumidores falhos são as pessoas desprovidas de ‘dinheiro’; os desempregados e/ou subempregados. Para ele, essas pessoas são consideradas como o “refugo humano”, porque pertencem ao quadro da “população excedente”, que nunca será aproveitada pelo mercado, pois é considerada como o “lixo humano” (p. 53 a 57).

Portanto, o resultado dessa violência estrutural presente na sociedade contemporânea é “a glorificação da esperteza” com negação da sinceridade, “glorificação da avareza” com negação da generosidade. Conforme SANTOS, (2000):

“o ideal de uma democracia plena é substituído pela construção de uma democracia de mercado (...), a distribuição do poder é tributária da realização dos fins últimos do próprio sistema globalitário. Essas são as razões pelas quais a vida normal de todos os dias está sujeita a uma violência estrutural, que, aliás, é a mãe de todas as outras violências” ( p. 61).

Para YVES MICHAUD (2001), são formas de violência: “(...) o assassinato, a tortura, as agressões e vias de fato, as guerras, a opressão, a criminalidade, o terrorismo, etc” (p. 7).

Para o entendimento da palavra violência, esse autor recorre à etimologia do termo no latim: violentia, que significa força ou violência, extraído do verbo violare, que quer dizer transgredir, profanar, tratar com violência. O núcleo da palavra violência é vis, dá idéia de força, vigor, potência, violência, emprego de força, e por outro lado quantidade, abundância, essência de alguma coisa:

“(...) a idéia de uma força, de uma potência natural cujo exercício contra alguma coisa ou contra alguém torna o caráter violento (...), tal força, virtude de uma coisa ou de um ser, é o que é, sem consideração de valor. Ela se torna violência quando passa da medida ou perturba uma ordem” (idem, p. 8).

O autor analisa dois aspectos da violência: o primeiro, ligado à força física – portanto, facilmente identificado pelos seus efeitos – deixa marcas. O segundo, considerado imaterial, ligado à transgressão – como dano a uma ordem normativa. Aqui, a violência pode variar conforme as normas definidas.

Ele pontua as dificuldades da definição de violência devido às variedades e diversidades das definições propostas. Assim, para ele, as definições objetivas estão ligadas a fatos como comportamentos que provocam ferimentos físicos ou prejuízos materiais (definições jurídicas).

Nesse caso, afirma que “Os defeitos das definições objetivas se devem ao seu princípio: trata-se de afastar o julgamento de valor e de encontrar critérios que permitam um estudo quantitativo” (p. 12).

Quanto à violência ligada à idéia de transgressão das regras, o autor afirma que está carregada de valores que podem ser positivos ou negativos, pois neste caso: “A violência é definida e entendida em função de valores que constituem o sagrado do grupo de referência” (p. 13).

Como exemplo do primeiro aspecto ligado à violência, aponta a criminalidade urbana:
“A criminalidade urbana está ligada à brutalidade da vida, à pobreza e às carências, e também se deve à marginalização dos grupos desenraizados pelas transformações agrárias, as catástrofes naturais e as epidemias (...)” (YVES MICHAUD, 2001, p. 34).Para a filósofa HANNAH ARENDT (1985), a violência é considerada um fenômeno de caráter instrumental, pelo qual o homem governa o homem. No entanto, em sua análise, considera que poder e violência

“não são uma e mesma coisa (...). Certamente, uma das mais óbvias distinções entre o poder e a violência é que o poder tem a necessidade de números, enquanto que a violência pode, até um certo ponto, passar sem eles por basear-se em instrumentos” (p. 22).

Para ela, poder está ligado à idéia de força – da natureza, circunstância, movimento físico e vigor – como qualidade individual inerente à pessoa ou objeto (Idem: 24). Confunde-se com violência porque estão sempre juntos. Ou seja:

“(...) A violência é, por sua própria natureza, instrumental; como todos os meios, está sempre à procura de orientação e de justificativas pelo fim que busca. É aquilo que necessita de justificar-se através de algo mais não pode ser a essência de coisa alguma” (p. 28).

Por ser instrumental por natureza, afirma, a violência é racional e pode ser eficaz, dependendo da finalidade, em curto prazo. Contudo: “A violência não promove causas, nem a história, nem a revolução, nem o progresso, nem a reação, mas pode servir para dramatizar reclamações, trazendo-as à atenção do público” (p.44).

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Fonte:
LÚCIA HELENA ANASTÁCIO DA SILVA: "A MARCA DA VIOLÊNCIA E A REINCIDÊNCIA NA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA". (Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social sob a orientação da Profª. Doutora Maria Lúcia Rodrigues. São Paulo, 2007.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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