Um panorama político, a atuação das oligarquias agrárias e o sentido do liberalismo



“Durante a Primeira República, alguns fenômenos políticos são marcantes. Um desses é o coronelismo, surgido desde o Império e que, nessa fase republicana, é reforçado pela forma do federalismo então adotado, passando a constituir a base do poder político. Com os coronéis comandando o voto nas pequenas comunidades ou cidades, consideradas prolongamento das suas fazendas, votar constituía-se em um ato de vassalagem, adesão pessoal e não um compromisso ideológico ou com o candidato, mas sim, compromisso entre o eleitor e o coronel (NAGLE, 2001, p. 14-15).

Completando a teia política, ao lado do coronelismo, a República Velha foi caracterizada também pela “Política dos Governadores” ou “Política dos Estados” criada por Campos Sales. Esta, por sua vez, possibilita a “Política do café com leite”, baseada no poder das oligarquias rurais dos dois estados mais poderosos do país: São Paulo e Minas Gerais. Como em uma máquina piramidal organicamente articulada, o povo era “cabresteado” pelo coronel ao escolher os deputados e governadores dos estados e estes escolhiam o presidente da república, que por sua vez apoiava tais governadores, assim o poder se mantinha nas mãos de poucos e sempre os mesmos.

Alguns conceitos ideológicos estavam na base do pensamento e das ações das classes e camadas sociais brasileiras entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XX. Entre eles está o liberalismo, que muita influência teve no cenário político definido pelas oligarquias agrárias. Foi no sentido dos interesses dos proprietários (cafeicultores principalmente, e elementos da alta burguesia), que, no Brasil, ainda durante a vigência do regime imperial, a classe dominante e, politicamente identificada com o Partido Liberal, adota os princípios desta ideologia, pois na interpretação de Faoro:

Liberalismo político casa-se harmonicamente com a propriedade rural, a ideologia a serviço da emancipação de uma classe da túnica centralizadora que a entorpece. Da imunidade do núcleo agrícola expande-se a reivindicação federalista, empenhada em libertá-lo dos controles estatais. Esse consórcio sustenta a soberania popular – reduzido o povo aos proprietários agrícolas capazes de falar em seu nome -, equiparada à democracia, democracia sem tutela e sem peias. A ideologia articula-se aos padrões universais, irradiados da Inglaterra, França e Estado Unidos confortando a consciência dos ocidentalizadores, modernizadores da sociedade e da política brasileira, muitas vezes enganados com a devoção sem exame aos modelos. Ser culto, moderno, significa, para o brasileiro do século XIX e começo do XX, estar em dia com as idéias liberais, acentuando o domínio da ordem natural, perturbada sempre que o Estado intervém na atividade particular. Com otimismo e confiança será conveniente entregar o indivíduo a si mesmo, na certeza de que o futuro aniquilará a miséria e corrigirá o atraso. No seio do liberalismo político vibra o liberalismo econômico, com a valorização da livre concorrência, da oferta e da procura, das trocas internacionais sem impedimentos artificiais e protecionistas. O produtor agrícola e o exportador bem como o comerciante importador, prosperam dentro das coordenadas liberais,favorecidos com a troca internacional sem restrições e a mão-de-obraabundante, sustentada em mercadorias baratas. (FAORO, 1979, p.501)

O liberalismo que se estabeleceu no Brasil foi bastante singular. Buscou proteger os interesses econômicos dos cafeicultores, pois determinou um modelo republicano para dar liberdade ao setor. Nesse contexto, o país caminhou para a República, implantou-a segundo a forma Federativa e definiu a fisionomia que o novo sistema apresentou por cerca de quarenta anos.

Ao implantar a República Federativa, segundo esclarece e analisa Faoro (1979), Deodoro da Fonseca, em seu primeiro decreto, “declara os Estados no exercício de sua legítima soberania”, inaugurando a doutrina do estado soberano pregada por Campos Sales. Nela estava implícita a Política dos Governadores, ou a Política dos Estados, fazendo com que o sistema federativo se caracterizasse “pela existência de uma dupla soberania na tríplice esfera do poder público,” isto é, pregava o fortalecimento dos vínculos entre os Estados e a União, sendo a União entendida como a soma dessas unidades autônomas. A máxima dita por Campos Sales - “O que pensa o os Estados pensa a União” - na prática permitia a ascendência de uns sobre outros Estados, acarretando a hegemonia dos mais prósperos e poderosos como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Assim organizada, a República brasileira pôde dar amplitude ao seu liberalismo econômico, contraditoriamente vivenciado no plano político, pois a República estruturada sob o sistema federalista, baseado por sua vez na “Política dos Governadores”, apoiava-se no aliciamento eleitoral do “coronelismo”, autoritário e antiliberal, mas juntos deram estabilidade ao sistema (FAORO, 1979, p. 464-8).

Por meio da prática do coronelismo, as oligarquias agrárias, que já dominavam a cena política durante o Império, continuarão a dominá-la durante toda a República Velha. Embora haja certa diferença, a oligarquia do Império é a açucareira nordestina, a oligarquia republicana é principalmente, a paulista do café: mais dinâmica, mais aberta à urbanização e aos processos capitalistas.

Minas Gerais, que ao lado de São Paulo liderou politicamente essa fase, tinha também suas peculiaridades no que se refere às suas elites12. Ao descrever e analisar a sociedade mineira da República Velha, Wirth (1982, p. 121), afirma que ainda no Império, por volta de 1850, tendo sido efetuada a transição da economia mineradora para a agropecuária, já se encontrava consolidada, no Estado, uma sociedade de elite com raízes agrárias e caráter municipal. Mas as famílias dominantes se constituíam em extensos clãs que estendiam seu poder não só ao município, mas a uma zona, através dos laços de parentescos. No Norte e Oeste dominavam as famílias pecuaristas. No Centro, antigas famílias ligadas antes ao comércio e a mineração, dedicavam-se agora, a agricultura. Na Zona da Mata estava a ‘Nobreza do Café’. No Sul e no Triângulo predominavam os vínculos familiares e comerciais com São Paulo. No último quartel do século XIX e, principalmente, nos primeiros momentos da República, devido à diferenciação econômica e introdução de atividades industriais e ferroviárias, a configuração era a seguinte:

As carreiras múltiplas eram comuns na elite mineira: um homem podia trabalhar em banco, possuir fábricas têxteis e administrar sua fazenda, servindo ao mesmo tempo como deputado na legislatura estadual. O desempenho de muitas funções profissionais lhes dava o acesso a ‘panelinhas’ dos amigos [...]. A elite não era nem uma aristocracia deterras nem uma oligarquia patrimonial como os barões do açúcar no Nordeste. Era, sim, uma elite econômica conhecida não pela grande riqueza, que de fato não existia em Minas, mas pelo trabalho árduo e o jeito para os negócios. (WIRTH, 1982, p. 122)

Mas para Carone (1971, p. 154 – 7), toda oligarquia brasileira tem um traço comum: o bacharelismo. O ideal nas famílias ricas era ter algum filho bacharel em Direito ou Medicina. O bacharel em Direito era muito valorizado e visto como apto para funções dirigentes, ao exercício do jornalismo, a ocupar cargo político, tanto legislativo quanto executivo, além de advogar, ser o juiz ou o jurisconsulto13. Ao ocupar cargo de deputado ou senador torna-se porta-voz da classe a qual pertence, defendendo os interesses agrários, mas dentro de uma roupagem modernizada em nome de um liberalismo mais de discurso do que de prática."

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Fonte:
ROSÂNGELA MARIA CASTRO GUIMARÃES: “TEMPLO DO BEM”: O GRUPO ESCOLAR DE UBERABA, NA ESCOLARIZAÇÃO REPUBLICANA – 1908/1918”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, sob orientação do Professor Dr. Décio Gatti Júnior). Uberlândia – MG 2007

Nota:
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