“Os doentes mentais do Rio de Janeiro, então capital do Império, não tinham tratamento especializado, seu destino muitas vezes eram as prisões, ao lado de criminosos, ou vagar pelas ruas abandonados à sua própria sorte. Na melhor das hipóteses, acabavam internados em hospitais gerais. Influenciados pelas idéias francesas os médicos adotaram princípios de tratamento moral para a loucura. Criaram uma Sociedade de Medicina no Rio de Janeiro, por volta de 1830, idealizando um asilo para internação dos loucos, o que culminou com a criação do primeiro hospital psiquiátrico no Brasil, o Hospício D. Pedro II.
apenas no início do século XX, mais especificamente em
A relação de poder que permeava o pensamento psiquiátrico brasileiro favoreceu a criação da LBHM. Fundada pelo psiquiatra Gustavo Riedel, o objetivo da Liga era, na opinião de Costa, “melhorar a assistência aos doentes mentais através da renovação dos quadros profissionais e dos estabelecimentos psiquiátricos”. Mais tarde, ela desviava-se do objetivo inicial de cuidar do doente, e contaminada pela idéia de prevenção, tomou como objeto de cuidado o indivíduo normal, definindo-se como higienista. Desencadeava então o processo de invasão social: tomados pelo ideal eugênico, os psiquiatras encontraram espaço na política, servindo aos interesses do Estado, no momento em que o país enfrentava crises e revoltas com a República. Ao receber o apoio do Departamento de Saúde e do Governo da Revolução de 1930 para o combate do alcoolismo numa campanha repressiva, a Liga sentiu-se estimulada a ampliar sua atuação e aplicar os métodos de higiene mental em outras esferas da sociedade, adotando a idéia de eugenia como higiene social. E a propaganda eugênica se intensificou, paralelamente a nova concepção de eugenia na Alemanha, pleiteando cuidar da vida de pessoas doentes e também sadias.
Em suma, a medicina higienista do século XIX, reconhecida pelo Estado ao medicalizar suas ações políticas e reforçar seu poder, é por ele legitimada para converter os sujeitos à uma nova ordem, na opinião de Costa. A Medicina, apoiada pelo Estado, se apodera do espaço urbano, e ao se lançar na higienização das cidades encontra resistência na tradições familiares. Estabelece neste momento a higiene familiar, modificando a conduta de seus membros, criando uma estrutura de controle da família: “A ordem médica vai produzir uma norma familiar capaz de formar cidadãos individualizados, domesticados e colocados à disposição da cidade, do Estado, da Pátria." Tudo isso se reflete na prática da psiquiatria, que á continuidade ao discurso normativo e moralizador no século XX.
Ao desenvolver as hipóteses que possibilitaram essa continuidade epistemológica e conceitual de higiene, Luz observa que o louco no Brasil era pensado de diferentes formas de acordo com o momento histórico. E que, se por um lado, acredita-se que a Psiquiatria criou o mito da doença mental ao fabricar a loucura, por outro, a própria Psiquiatria, pela sua inoperância ou abuso de poder, preconizou a sua morte. Durante as duas primeiras décadas do século XX, a psiquiatria faz campanhas e discursos geradores de estigmas sociais, desenvolvendo mecanismos de controle moral e racial da sociedade brasileira, ressalta. Costa acrescenta que a década de 20 marcou o adoecimento ou a transformação da psiquiatria, a partir dos propósitos preventivos da Liga Brasileira de Higiene Mental. A Psiquiatria, originada como discurso e práticas políticas, objetivando normalizar e normatizar a sociedade, se fortalecia principalmente no século XX, marcado pela desordem social. Situação que gerava grande número de excluídos, entre eles loucos, negros, desvalidos, desordeiros, transgressores das normas: “campo fértil para que se desenvolvesse uma racionalidade apoiada no saber técnico-científico”.
---
Fonte:
JACQUELINE SIMONE DE ALMEIDA MACHADO: "GÊNERO SEM RAZÃO: MULHERES E LOUCURA NO SERTÃO NORTE MINEIRO". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação
Nota:
A imagem (Francis Galton, pensador inglês, primo de Charles Darwin e idealizador da Eugenia) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
Liga Brasileira de Higiene Mental e a Disciplinarização do Corpo
Marcadores:
TESES E DISSERTAÇÕES
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!