Esboço biobibliográfico de Franz Kafka



“Conhecer um pouco a vida do escritor Franz Kafka torna-se muito importante para que se prossiga em busca do entendimento. Vida e a obra andam lado a lado, separadas por uma fronteira muito estreita e, às vezes, até perigosa. Portanto, é necessário e indispensável que saibamos mais sobre este homem que fez de sua vida, a literatura.

Franz Kafka, um dos grandes gênios do século XIX e XX, nasceu em julho de 1883, na cidade de Praga. Cresceu influenciado por três culturas distintas: a tcheca, a alemã e a judaica. Filho de uma família judia, Kafka foi oprimido em sua infância e adolescência pelo seu pai, Hermann, que se interessava apenas pelo sucesso material e recriminava o gosto do filho pela literatura.

Hermann Kafka foi considerado por seu filho como um homem autoritário e dominador. É possível perceber isso nas descrições que Franz Kafka lhe dedicou em seu texto, Carta ao Pai (1997). Já a mãe, Julie Kafka, ao que parece, também pelos registros deixados pelo filho em seus diários, foi uma pessoa mais tolerante e com formação intelectual superior a do marido.

Dentro de uma atmosfera de emancipação de uma era dolorosa da história judaica é que nasce o escritor de Praga. Franz Kafka teve como língua primeira o alemão, língua com a qual escreve suas obras, tornando-se um escritor conhecido universalmente. Um judeu que escrevia em alemão, língua dominadora daquele que o oprimiu.

Esse escritor não se encontrava no mundo em que vivia, era um estranho até dentro do próprio âmbito familiar, pois não se identificava com nenhum de seus familiares. Viveu diante de um quadro familiar problemático e de grandes mudanças políticas e sociais. Teve uma vida emocional conturbada com noivados e amores infelizes, preferindo então a companhia da literatura e da solidão.

Franz Kafka enfrentou muitos problemas para viver, além do menosprezo do próprio pai, que o chamava de escritor medíocre, lutou contra uma depressão profunda, contra a doença da tuberculose e contra o nazismo que já se avolumava na Alemanha. Escreveu inúmeras obras e contos literários, mas pouco foi publicado em vida. Kafka acreditava que a sociedade da época não aceitaria suas idéias. E, realmente, não era compreendido no seu tempo. Sua obra era conhecida somente em reduzidos círculos de literatos de Praga e Berlim.

Durante sua vida, Kafka publicou apenas alguns escritos, como por exemplo: Betrachtung (Meditações) e Der Heizer (O Foguista) em 1913; Die Verwandlung (A Metamorfose) em 1915; Das Urteil (A Sentença) em 1916; In der Strafkolonie (Na Colônia Penal) e Der Landarzt (O Médico Rural) em 1919 e Ein Hungerkunstler (Um Artista da Fome) em 1924.

Franz Kafka pediu aos amigos que queimassem os outros manuscritos depois de sua morte, mas seu pedido não foi atendido e grande parte de sua literatura foi publicada postumamente por seu amigo Max Brod:

A publicação das obras que Kafka deixou inéditas ao morrer se deve ao seu amigo Max Brod [...] Max Brod teve o bom senso de ser um testamenteiro infiel. Kafka lhe deixara a incumbência de queimar todos os seus escritos incompletos, os escritos que ele não chegara a publicar em vida, mas Brod desobedeceu à última vontade do amigo e preferiu publicar todos os escritos de Kafka, mesmo os incompletos, prestando, assim, um inestimável serviço à literatura mundial e à glória do escritor morto.
(KONDER, 1968, p. 180).

Sabe-se, que noivou duas vezes com Felice Bauer, a quem conheceu na casa de Max Brod, que viria a ser seu primeiro biógrafo. Um mês depois de se conhecerem (setembro de 1912), começou entre Franz Kafka e Felice Bauer uma troca de cartas que se estenderia por cinco anos e mais de setecentas páginas. Essa troca de correspondência deu origem, anos mais tarde, à obra Cartas a Felice (1985).

Mas o relacionamento teve fim em 1917, no ano em que o autor começou a sofrer de tuberculose, doença que o levaria à morte anos depois. O autor se relacionou também com Milena Jesenská e com Dora Diamant. No entanto, Franz Kafka nunca se casou e termina seus dias internado em um sanatório próximo a Viena, morrendo aos 40 anos.

Na literatura de Franz Kafka, perderíamos muito em não considerar vida e obra como uma junção para o seu talento literário. Escrevia para viver, mas não parecia acreditar muito que pudesse ser entendido pelos leitores. Mas, escrever era a única forma que encontrava para transmitir aquilo que sentia.

Ao retratar sua própria vida em seus textos, Franz Kafka acaba transformando a sua realidade em uma ficção de alto valor estético. Wilson Bueno faz uma citação referente à literatura e a vida desse escritor: “Não há ficção maior do que a dura realidade de cada dia.” (BUENO, 2008).

A literatura kafkiana, bem como suas imagens e metáforas são mecanismos para a compreensão do dia-a-dia, dos problemas do cotidiano da vida humana. Seus temas aparecem muito atuais na contemporaneidade, porque são marcados pela complexidade do ser.

Modesto Carone, em uma entrevista concedida a Rafael Cariello, manifesta uma definição interessante e atualíssima sobre o escritor Franz Kafka:

Kafka, então, é um escritor de vanguarda, mas de uma vanguarda que não dá bandeira.
Ele mostrava as coisas da maneira como pareciam ser e não eram. É um escritor da não-aparência. É uma dialética negativa porque não tem síntese, Kafka não dá solução.
Do contrário, você resolveria os problemas do mundo, que não estão resolvidos. (CARONE, 2009).

Os contos e romances desse atormentado escritor, nos proporciona uma visão muito clara dos sentimentos de impotência e inferioridade que as personagens e o próprio autor enfrentavam frente às múltiplas faces dos sistemas de poder.

Gustav Janouch, em Conversas com Kafka (2008), faz vários comentários sobre os temas e a vida do escritor. Parafraseando uma conversa que teve com Kafka, afirma que o escritor confessou-lhe o seguinte:

Vivemos num pântano de mentiras e de ilusões que se desmoronam, onde nascem monstros cruéis, que sorriem para as objetivas dos repórteres, enquanto de fato, sem que ninguém note, eles já pisoteiam milhões de homens como insetos importunos.
(JANOUCH, 2008, p. 60).

Franz Kafka conheceu bem a impotência e o desespero daqueles que andam à procura da justiça e da lei. Trabalhou durante anos na Seguradora de Acidentes de Trabalho e presenciou várias situações que retratavam dramas humanos.

Diante desse e de outros momentos e situações que Kafka viveu, pode-se afirmar que o sentimento de culpa, uma culpa absurda, a impotência e o pessimismo eram alguns dos sentimentos presentes na vida desse escritor, temas que foram muito bem retratados em suas obras literárias.

Nessa esfera melancólica Kafka viveu e escreveu sua literatura. A linguagem desse escritor é um retrato da própria vida, suas obras causam estranheza, como seu sentimento diante da vida.

Esse Franz Kafka que apresentamos até aqui é o grande escritor. O breve esboço sobre sua vida é extremamente necessário para que se compreenda melhor sua obra. Se levarmos em consideração a atmosfera em que Kafka foi criado, pode-se entender melhor seu estilo literário.

Apresenta-se uma consideração escrita por Leandro Konder, a respeito da importância de Franz Kafka tanto para a literatura como para a vida de seus leitores em geral:

O ser solitário (radicalmente solitário) é algo que o homem superará; mas o ter sido radicalmente solitário é algo que permanece, é uma experiência que não se apaga. É uma experiência que a obra de Kafka ajudará a manter viva para a humanidade vindoura.
O homem moderno é muito diferente do homem grego do século IX antes de Cristo, mas isso não impede que se possa ler com entusiasmo e com grande proveito as aventuras de Ulisses na Odisséia. O homem do futuro será diferente de nós, mas poderá ler Kafka com entusiasmo e com proveito. (KONDER, 1968, p. 210-211).

Se levarmos em consideração a data desta citação - 1968 -, e a relacionarmos com os dias atuais, pode-se afirmar que Wilson Bueno é um homem que está lendo Franz Kafka no seu tempo e faz isso com entusiasmo e muito proveito."

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Fonte:
JULIANA APARECIDA STERSE VIANA: "AS RECORRÊNCIAS EM FRANZ KAFKA E WILSON BUENO". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação stricto sensu – Mestrado em letras - da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas – como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Letras.Orientador: Prof. Dr. Antonio Rodrigues Belon). Três Lagoas, 2009.

Nota
:
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As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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