Dos alimentos puramente africanos


Só quem já experimentou um acarajé quentinho da Bahia, mas aquele feito por uma legítima baiana, é que sabe o quanto é saborosa a comida de origem africana. As dicas (ou receitas), a seguir, constam de um livro sobre culinária baiana, publicado no ano de 1928. Sem dúvida, uma verdadeira delícia!!!
"Negra tatuada vendendo caju", de Jean-Babtiste Debret, 1827

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Dos alimentos puramente africanos

São estes os principais alimentos de que o africano fazia abundantemente uso, entre nós, e são, hoje em dia, preparados pelos seus descendentes, com a mesma perfeição:

ACASSÁ — Deita-se o milho com água em vaso bem limpo, isento de quaisquer resíduos, até que se lhe altere a consistência. Nestas condições, rala-se na, pedra, passa-se numa peneira ou urupema e, ao cabo de algum tempo, a massa fina adere ao fundo do vaso, pois, nesse processo, se faz uso de água para facilitar a operação.
Escoa-se a água, deita-se a massa no fogo com outra água, até cozinhar em ponto grosso.
Depois, com uma colher de madeira, com que é revolvida no fogo, retiram-se pequenas porções que são envolvidas em folhas de bananeira, depois de ligeiramente aquecidas ao fogo.

ACARAJÉ
— A principal substancia empregada é o feijão fradinho, depositado em água fria até que facilite a retirada do envoltório exterior, sendo o fruto ralado na pedra.
Isto posto, revolve-se a massa com uma colher de madeira, e, quando a massa toma a fôrma de pasta, adicionam-lhe, como temperos, a cebola e o sal ralados.
Depois de bem aquecida uma frigideira de barro aí se derrama certa quantidade de azeite de cheiro (azeite de dendê), e, com a colher de madeira vão-se deitando pequenos nacos da massa, e com um ponteiro ou garfo são rolados na frigideira até cozer a massa. O azeite é renovado todas as vezes que é absorvido pela massa a qual toma exteriormente a cor do azeite. Ao acarajé acompanha um molho, preparado com pimenta malagueta seca, cebola e camarões, moído tudo isso na pedra e frigido em azeite de cheiro, em outro vaso de barro.

ARROZ DE AUSSÁ — Cozido o arroz na água sem sal, mexe-se com a colher de madeira até que se torne delido, formando um só corpo e, em seguida, adiciona- se um pouco de pó de arroz para assegurar á consistência.
Prepara-se, depois, o molho em que entram como, substancias a pimenta malagueta seca, cebola e camarões, tudo ralado na pedra.
Leva-se, o molho ao fogo com azeite de cheiro e um pouco de água, até que esta se evapore.
Como complemento ao arroz de aussá, o africano frigia pequenos pedaços de carne de charque que eram espalhados sobre o arroz juntamente com o molho.

EFÓ — Corta-se a folha conhecida vulgarmente, por língua de vaca ou a mostarda e deita-se ao fogo a ferver com pouca água. Isto feito, escoa-se a água, espreme-se a massa daí resultante e coloca-se de novo na mesma vasilha com cebola, sal, camarões, pimenta malagueta seca, tudo ralado conjuntamente na pedra e, finalmente, o azeite de cheiro.
Prepara-se também o efó com peixe assado, ou com garoupa, caso em que esta é cozida á parte.
Ainda mais: como o peixe é assado sem sal, ralam-se os respectivos temperos, em quantidade suficiente e leva-se tudo ao fogo. O africano empregava ainda a folha de taioba no preparo do efó.

CARURU—Em seu preparo observa-se o mesmo processo do efó, podendo ser feito de quiabos, mostarda ou de taioba, ou de efó, ou de filtras gramíneas que a isso se prestem, como sejam as folhas dos arbustos conhecidos, nesta capital, por unha de gato bertalia, bredo de Santo Antônio, Capéba, etc, às quais se adicionam a garoupa, o peixe assado ou a carne de charque e um pouco de água que se não deixa secar ao fogo. O caruru é ingerido com acassá ou farinha de mandioca.

ECURU—Preparado o feijão fradinho, como se fez com o acarajé, coloca-se pequena quantidade em folhas de bananeira, á maneira do acassá, e cozinha-se em banho-maria, isto é, sobre garavetos colocados no interior de uma panela com água.
Depois de pronta, a massa é diluída em mel de abelhas ou num pouco de azeite de cheiro com sal.
É uma verdadeira farofa.

XIN-XIN — Morta a galinha, depena-se, lava-se bem, depois de retirados os intestinos e corta-se em pequenos pedaços.
Deitam-se na vasilha ou panela para cozinhar com sal, alho e cebola ralados.
Logo que a galinha estiver cozida, adicionam-se camarões secos em quantidade, sal, se for preciso, cebola, sementes ou pevides de abóbora ou melancia tudo ralado na pedra, e o azeite de dendê.

BOLAS DE INHAME — Despido da casca, lava-se o inhame com limão e coze-se com pouco sal. Em seguida é pisado em pilão e da massa se formam bolas grandes que são servidas com caruru ou efó.

BOBÓ DE INHAME — Corta-se o inhame em pequenos pedaços, leva-se ao fogo com água e finalmente tempera-se como o efó.

FEIJÃO DE AZEITE (humulucu) — Cozido o feijão fradinho, tempera-se com cebola, sal, alguns camarões, sendo todas estas substancias raladas na pedra, adicionando-se, ao mesmo tempo, o azeite de cheiro.
A iguaria só é retirada do fogo depois de cozidos os temperos.

ALUA — O milho demorado na água, depois de três dias, dá a esta um sabor acre, de azedume, pela fermentação. Côa-se a água, adicionam-se pedaço^ de rapadura e, diluída esta, tem-se bebida agradável e refrigerante.
Pelo mesmo processo se prepara o aluá ou aruá da casca do abacaxi.

DENGUE — É O milho branco cozido, ao qual se junta um pouco de açúcar.

EBÓ — É preparado com milho branco pilado. Depois de cozido, certas tribos africanas adicionavam-lhe azeite de cheiro e outras o ouri.
Outro processo: misturam-se o milho e o feijão fradinho torrado, e, com uma pouca de água, deitam-se a ferver; depois, juntam-se sal e azeite de cheiro.

LATIPÁ OU AMORI — Era feito com as folhas inteiras da mostardeira, as quais, depois de fervidas, temperavam como o efó e deitavam a frigir no azeite de cheiro.

ABARÁ — Põe-se o feijão fradinho em vaso com água até que permita desprende-lo da casca, e depois de ralado na pedra com cebola e sal, junta-se um pouco de azeite de cheiro, revolvendo-se tudo com uma colher de madeira.
Finalmente, envolvem-se pequenas quantidades em folhas de bananeira, como se faz com o acassá, e coze-se a banho-maria.

ABERÉM — Prepara-se o milho como se fora para o acassá e deite se fazem umas bolas semelhantes ás de bilhar, que são envolvidas em folhas secas de bananeira, aproveitando-se a fibra que se retira do tronco para atar o aberém.
É servido com caruru e também com mel de abelhas? Dissolvido na água com açúcar, é excelente refrigerante. Havia ainda o aberém preparado com açúcar, cujas bolas, do tamanho de um limão eram ingeridas sem outro qualquer elemento adocicado.

MASSA — Rala-se o arroz, cozinha-se, e formam-se pequenas bolas que se envolvem em polvilho de arroz. São também refrigerantes, dissolvidas em água com açúcar.
O preto muçulmano, porém, frigia essas bolas de arroz no azeite de cheiro, ou no mel de abelhas, constituindo essa iguaria verdadeira preciosidade, em suas cerimônias religiosas.

IPETÊ — O inhame descascado, cortado miúdo, fervido até perdera consistência, é temperado com azeite de cheiro, camarões, cebola e pimenta, estes últimos ralados na pedra.

ADO — É o milho torrado reduzido a pó e temperado com azeite de cheiro, podendo juntar o mel de abelhas.

OLUBÓ — Descascada e cortada a raiz da mandioca, em fatias muito delgadas, são estas postas a secar ao sol.
Na ocasião precisa, são essas fatias levadas ao pilão, e aí trituradas e passadas em peneira ou urupema. A água a ferver, derramada sobre o pó, produz o olubó, que é uma espécie de pirão.

OGUEDÉ — É a banana denominada da terra frita no azeite de cheiro.

EFUN-OGUÉDÉ — Prepara-se com a banana de S.Thomé, não amadurecida de todo, descascada, cortada em fatias e deitada ao sol para secar.
Dias depois pisa-se, no pilão, passa-se na peneira e obtém-se a farinha chamada efun-oguedé.

ERAN-PATERÊ — E' um naco de carne verde, bem fresca, salgada e frita no azeite de cheiro.

Os africanos ainda condimentavam as suas refeições com o ataré (pimenta da Costa), em quantidade muito reduzida; com o irá, fava de um centímetro de diâmetro, usada em quantidade diminuta; com o pejerecum ou bejerecum, outra fava de quatro centímetros de comprimento por dez milímetros de espessura, empregada no tempero do caruru; com o ierê, semente semelhante á do coentro e usada como tempero do caruru, do peixe e da galinha.
Faziam ainda os africanos largo emprego do egussi (pevide de abóbora ou melancia) no condimento de certas iguarias.
O africano, em geral, era sóbrio no uso de bebidas alcoólicas: não se davam ao vicio da embriaguez, mas do dendezeiro extraiam generoso vinho.
Para esse fim, na parte superior do tronco dessa palmeira, faziam uma incisão e colocavam um pedaço de bambu para servir de escoadouro da seiva. Ao liquido que caía em uma cabaça aí amarrada, davam o nome de vinho de dendê.
Posteriormente, na Bahia, foi o vinho posto a fermentar e filtrado antes de engarrafado, e isso lhe imprimia certa potência alcoólica e característica, sem embargo do paladar agradável e saboroso.

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Fonte:
Arte culinária na Bahia: (breves apontamentos). Querino, Manuel, 1851-1923, disponível digitalmente no site da biblioteca: Brasiliana - USP
Nota:
Para melhor compreensão do texto, a ortografia utilizada na época foi atualizada para os padrões atuais.
A imagem não se inclui no referido texto.

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