A "febre" dos chapéus


A deliciosa crônica, a seguir, consta do "Almanach de Porto Alegre 1920", e versa sobre o tradicional chapéu, que durante décadas foi símbolo de moda e status social: media-se a "fineza" de alguém pelo porte de seu chapéu. Isso era o que acontecia na década de 20, por exemplo, quando foi escrita a mencionada crônica.

Lotte Neumann - estrela do cinema mudo na década de 20

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OS CHAPÉUS

Afiançam as más línguas que, não raro, por causa de um chapéu, perde uma mulher inteiramente a cabeça. A nós nos parece mais verdadeiro perderem-se muitos formosos chapéus em cabeças que nada têm de formosas. Quando um chapéu assenta à fisionomia e condiz com o tipo e o gênero da portadora, é o mais favorável dos complementos da
toilette.

Tornou-se vulgar ouvirmos de uma senhora ou de uma moça: “É bonita, sim, mas é muito mais bonita de chape”. Esta pessoa encontrara naturalmente o chapéu que melhor lhe assentava, tivera a dita de encontrar o “seu chapéu”...

Os chapéus são como as almas, carecem de misteriosas afinidades entre a fisionomia guarnecem e o estilo do gênero em que foram feitos e dos enfeites que o ornam. Há rostos só favorecidos pelos grandes chapéus desabados, como
senão as pequeninas toques, enterradas até existem outros a quem não ficam bem as orelhas. Fisionomias de “canotier” e fisionomias que só adquirem a sua verdadeira e mais bonita expressão à sombra vaporosa das amplas formas emplumadas, ou arrepeladas de fios diáfanos de aigrettes.

As flores assentam geralmente ás caritas moças, cujo frescor primaveril lhes corresponde ao viço lustroso e novo. Há cabeças, porém, absolutamente refratárias ao chapéu, cabeças “inchapeláveis”, se nos querem excusar o neologismo, a que o chapéu desfigura e ridiculariza. São geralmente estas cabeças as infelizes portadoras do chapéu deitado para trás, o “chapéu no alto do cocuruto”, que é uma das mais feias expressões do mau gosto humano. O chapéu no alto do cocuruto desvaira a fisionomia, dá um quê de
esdrúxulo e desajeitado à cabeça, arroceirando desastradamente a pessoa. Dir-se-ia que um perpetuo pé de vento lhe desequilibra a harmonia da estabilidade, transformando em fabricação suburbana o mais elegante modelo da rua do Ouvidor ou da rue de La Paix. É coisa sabida, entre as modistas, que há caras para chapéus, e é em regra geral, nessa privilegiada classe que são escolhidas as vendedoras, tendo quase sempre de experimentar os chapéus que agradam ao capricho da cliente.

É daí que muito equivoco se origina. Um chapéu fica divinamente á cabeça loira da "vendeuse", a freguesa se encanta logo, e compra-o sob a recomendação enganadora dessa aparência. Chegada á casa verifica destoar completamente da sua trigueira e redonda fisionomia. Desola-se, e não compreendendo o porque dessa mudança, acha sinceramente horrível o que lhe pareceu lindo na loja e acusa temerariamente a modista, de lhe ter mudado o artigo. Tão pessoal é o chapéu que só a própria futura dona o deve experimentar.

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Fonte:
Almanach de Porto Alegre 1920,
disponível digitalmente no site da biblioteca: Brasiliana - USP
Nota:
Para melhor compreensão do texto, a ortografia utilizada na época foi atualizada para os padrões atuais.
A imagem não se inclui no referido texto.

Fonte da imagem:
Revista "Para Todos", edição de 1922,
disponível digitalmente no site da Biblioteca Nacional Digital do Brasil

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