

A obra de Sêneca em seu contexto histórico-cultural
O   teatro   senequiano   tem   sido   visto   como   obra   com   possibilidades   limitadas   de encenação e de estilo exageradamente filosófico. Os estudiosos de teatro clássico têm dúvidas sobre   a   representabilidade   das   tragédias   de   Sêneca,   isto   é,   se   suas   peças   foram   escritas visando à encenação ou se são obras concebidas apenas para serem lidas, tendo em vista o discurso filosófico fortemente presente ao longo das tragédias. Essa temática, apesar de pouco discutida no Brasil, tem grande relevância hoje: há os que defendem a encenação, como Florence Dupont (1995) e há os que sustentam a sua impossibilidade, como Angelo Ricci (1967).
Nosso objetivo neste trabalho é identificar, traduzir e analisar as didascálias internas presentes no  Oedipus  de Sêneca contribuindo assim, para os estudos da poesia dramática. Antes   de   iniciarmos   o   trabalho   que   nos   propusemos   desempenhar,   faremos   algumas considerações acerca do autor por nós escolhido e sua obra.
Vida de Sêneca
Lúcio   Aneu   Sêneca   –   também   conhecido   como   Sêneca,   o   Filósofo   –  nasceu   em Córdoba (Espanha), aproximadamente quatro anos antes do início da era cristã. Sêneca era filho de Aneu Sêneca (
Devido a sua origem ilustre, transferiu-se para Roma nos primeiros anos de sua vida e na capital do Império Romano foi educado em filosofia e retórica. Por volta dos 25 anos tornou-se advogado, ascendeu politicamente e passou a ser membro do senado romano por volta dos 40 anos. Envolvido em um processo por causa de sua ligação com Júlia, sobrinha do imperador Cláudio, foi exilado na Córsega durante os anos de 41d.C. a 49 d.C. No exílio dedicou-se   aos   estudos   e   redigiu   duas   cartas   consolatórias:  Ad   Heluiam   matrem  e  Ad Polybium. Perdoado em 49 d.C. por interferência de Agripina, esposa do imperador e mãe de Nero, de quem foi preceptor, voltou para Roma em 49 d.C. e, no ano seguinte, foi nomeado pretor.
Quando,   em   54   d.C.,   Nero   ascende   ao   poder,   Sêneca   torna-se   o   seu   principal conselheiro e orientador político. Durante algum tempo, Sêneca exerceu influência sobre o jovem imperador, direcionando-o para uma política mais justa e humanitária. Os primeiros anos do governo de Nero foram considerados os mais clementes e sábios do Império. Durante esse tempo, Sêneca escreveu os tratados: De clementia, De uita beata e De beneficiis. Com os atos de Nero, Sêneca, aos poucos, foi forçado a adotar atitudes de complacência: chegou a redigir uma carta ao Senado na qual justificava a execução de Agripina em 59 d.C. Foi muito criticado pela fraca oposição à tirania e à acumulação de riquezas de Nero.
Sêneca fica na função de conselheiro até 62 d.C., quando se afasta da vida pública e se dedica a escrever tragédias e textos filosóficos. Nesse período Sêneca escreve o seu tratado De otio, além de Naturales quaestiones e as Epistolae ad Lucilium. Na primavera de 65d.C., Nero condena-o à morte por suicídio depois de acusá-lo de participar da conjuração chefiada por Pisão,  que  pretendia matar Nero.  Com estóica  firmeza  e  admirável  força  de  espírito Sêneca cumpriu a sentença dada por Nero. Segundo Tácito (55? -116?) nos Anais (XV, 62-64), Sêneca, ao saber que fora condenado à morte, despediu-se de seus amigos, ordenou que lhe fossem abertas as veias dos pulsos e das pernas e ditou um longo discurso aos seus  secretários; como custasse a morrer, mandou chamar um  médico para que  lhe desse um veneno. Como nenhum desses recursos tivesse apressado a chegada da morte, Sêneca, num último ato de coragem, exigiu um banho quentíssimo e morreu sufocado pelo vapor.
O estoicismo na prosa senequiana
A obra em prosa de Sêneca é composta, em alguns casos, de frases curtas, metáforas.  O maior destaque da obra, talvez, seja a raridade em que ocorre a terceira pessoa. A produção  literária em prosa de Sêneca foi extensa como podemos comprovar na relação abaixo:
1. DIALOGORVM LIBRI XII
1.1. DE PROVEDENTIA
1.2. DE CONSTANTIA SAPIENTIS
1.3. DE IRA
1.4. DE IRA
1.5. DE IRA
1.6. DE CONSOLATIONE AD MARCIAM
1.7. DE VITA BEATA
1.8. DE OTIO
1.9. DE TRANQVILITATE ANIMI
1.10. DE BREVITATE VITAE
1.11. DE CONSOLATIONE AD POLYBIVM
1.12. DE CONSOLATIONE AD HELVIAM
2. DE CLEMENTIA
3. DE BENEFICIIS (7 livros)
4. EPISTOLAE AD LVCILIVM (20 livros)
5. NATVRALES QUAESTIONES
A época em que viveu Sêneca foi propícia ao florescimento da filosofia, pois, após o  brilhante   século   de   Augusto,   Roma   é   tomada   por   novos   cultos   vindos   do   Oriente   que colaborarão para a prática litúrgica dos romanos. Além disso, a perda da liberdade devido às perseguições de Nero fortalece o espírito prático do cidadão romano e o torna mais sensível aos estudos, de um modo geral, e à filosofia estóica, 
Entre os seus escritos filosóficos, destacam-se os tratados de moral: De Brevitate vitae  (Da brevidade da Vida); De Vita Beata (Da Vida feliz);  De Clementia (Da Clementia);  De Beneficiis  (Dos   Benefícios)   e   as   cartas,   principalmente  Epistulae   ad   Lucilium  (Cartas   a Lucílio),   que   estão   permeadas   do   pensamento   estóico.   Sêneca,   com   certeza,   é   um   dos expoentes da Estoá romana, com um grande conhecimento do Pórtico grego.
O surgimento do estoicismo
O   Pórtico   grego   propõe   uma   imagem   do   universo   segundo   a   qual   tudo   o   que   é corpóreo é semelhante a um ser vivo, no qual existiria um sopro vital (pneuma), cuja tensão explicaria   a   junção   e   interdependência   das   partes.   No   seu   conjunto,   o   universo   seria igualmente um corpo vivo provido de um sopro ígneo (sua alma), que reteria as partes e garantiria a coesão do todo. Essa alma é identificada por Zenão (333/332-
As paixões são consideradas pelos estóicos como desobediências à razão e podem ser  explicadas como resultantes de causas externas às raízes do próprio indivíduo; seriam, como  já haviam mostrado os cínicos, devidas a hábitos de pensar adquiridos pela influência do meio e da educação. Segundo a filosofia estóica, é necessário ao homem desfazer-se de tudo  isso   e   seguir   a   natureza,   aceitando   o   destino   e   conservando   a   serenidade   em   qualquer circunstância, mesmo na dor e na adversidade. Portanto, um dos objetivos da filosofia estóica é alcançar a apátheia.
A apátheia é o ideal estóico a ser alcançado, é a natural aceitação dos acontecimentos,  uma atitude passiva diante da dor e do prazer, a abolição das reações emotivas, a ausência de  paixões   de   qualquer   natureza. As   paixões   são   para   os   estóicos   erros   da   razão   ou conseqüências deles e atrapalham a felicidade do homem. A lista de paixões deixada pelos  estóicos mostra que a paixão é antes de tudo um fato, um estado de coisas que cada um pode  constatar.   Diógenes   Laércio   (séc.   III   d.C.)   lista   as   paixões   fundamentais   elaboradas   por  Hécaton:
1- a dor é uma contração irracional da alma; compreende a piedade, a inveja, o ciúme,  o despeito, o desgosto, a aflição, o sofrimento e a confusão;
2- o medo é a expectativa de um mal; compreende o pavor, a hesitação, a vergonha, o  espanto, o pasmo e a angústia;
3-   o   desejo   sensual   é   um   apetite   irracional;   compreende   a   indigência,   o   ódio,   a  rivalidade, a cólera, o amor, o ressentimento e a irritação;
4- o prazer é um ardor irracional que se apresenta como qualquer coisa de desejável;  compreende a sedução, o prazer que extraímos do mal, a voluptuosidade e o desregramento.
O estoicismo romano
O estoicismo romano difere do estoicismo grego. O estoicismo grego divide a filosofia  em três partes, moral, física e lógica, dando a cada uma delas igual importância. De tal modo  estrutura-se a doutrina estóica, que a compreensão de cada uma dessas partes dependia da  compreensão das demais. No entanto – segundo a natureza prática do gênio romano - limita-se em Roma, quase que exclusivamente  aos problemas morais, que constituem  o caráter  essencial desse estoicismo, descuidando quase que completamente dos problemas teoréticos,  que no estoicismo grego são resolvidos segundo uma metafísica elementar e contraditória.  Dada a praticidade dos romanos na aplicação da filosofia estóica, faz-se notar a superioridade  do estoicismo romano sobre o estoicismo grego; a profunda praxe ascética do estoicismo  recebe, aliás, uma confirmação de alto valor, pela sua aceitação por parte de uma mentalidade  positiva, realista, prática, qual era a mentalidade romana. O último florescimento da filosofia  estóica deu-se em Roma: o neo-estoicismo. Na idade imperial, o maior destaque é Sêneca. Após   Sêneca,   destacam-se   Epicteto   (entre   50   e   60   d.C.-138   d.C.)   e   o   imperador   Marco  Aurélio (121-180 d.C.). O estoicismo em Roma renasce com as seguintes características:
a) interesse pela ética;
b) redução do interesse pelos problemas lógicos e físicos. A teologia, que na Grécia  era uma parte da física, assume uma coloração espiritualista;
c) busca do  indivíduo pela  sua  própria perfeição na  interioridade da  consciência,  criando assim um clima intimista que, pelo menos nessa medida, nunca havia sido  encontrado na filosofia;
d) irrupção   de   um   forte   sentimento   religioso,   transformando   acentuadamente   a  têmpera espiritual da velha Estoá;
e) influência do platonismo que inspirou não poucas páginas dos estóicos romanos,  com suas novas características “medioplatônicas”. O conceito de filosofia e de  vida moral como “assimilação a Deus” e como “imitação de Deus” passa a exercer  uma inequívoca influência.
Sêneca e o estoicismo
Entre   os   numerosos   estóicos   da   idade   imperial,   apenas   Sêneca,   Musônio   Rufo,  Epicteto e Marco Aurélio – pertencentes ao primeiro e ao segundo séculos d.C. –, têm uma  personalidade própria, pois, desenvolvem a filosofia estóica com grande apego à liberdade  espiritual do pensamento, onde não podem chegar o poder exterior, político, jurídico, tendo renunciado a todo o resto. E, entre estes, Sêneca se  destaca  como pensador, moralista e  escritor epigramático. Em 124 cartas dirigidas a seu discípulo Lucílio (Epistulae ad Lucilium),  escritas   entre   63   e   65,   e   nos   tratados  De   ira,  De   tranquilitate   animi  e  De   clementia,  encontramos a filosofia estóica de Sêneca. Nesses tratados, ele procura mostrar que o mais  importante para o homem é saber fazer face às suas dificuldades e percalços (Ad Luc. 17,1-4);  viver em conformidade com a natureza, pois, a natureza ambiciona pouco (Ad Luc. 16, 7-9; 4,  10); e cultuar a virtude, pois, só a virtude proporciona o gozo inesgotável, seguro (Ad Luc. 27,  3; 44, 5; 66, 6-12), aderindo voluntariamente à ordem universal. Nessas cartas, o autor traz  informações sobre fatos do dia a dia e tem como interesse explorar as conseqüências práticas  para a conduta moral diária: “aplicando toda a moral e acalmar a fúria das paixões” (Ad Luc. 89, 23).
Considerando os vícios, a maldade, a insensatez e, sobretudo, as paixões como fatores de   desequilíbrio   da   ordem,   que   provocam   o   rompimento   das   leis   naturais   e   acarretam conseqüências desastrosas, Sêneca propõe, para que se atinja a felicidade, o exercício da  virtude, o domínio dos sentimentos e o enfrentamento das vicissitudes com tranqüilidade  absoluta, ou seja, com a preconizada impassibilidade estóica, a apátheia.
 As paixões são doenças da alma, conseqüentemente, são fraquezas do homem e, por  isso, elas devem ser impedidas. O tolhimento e a ausência das paixões são a própria apatia  estóica e, conseqüentemente, gerarão felicidade, pois a felicidade é apatia e impassibilidade. Para   Sêneca,   o  homem   deve   ser  indiferente  diante   da   sorte,   diante   do   destino,   mas   esta  sujeição ao destino pressupõe assentimento. Somente o homem livre das paixões pode dar seu  assentimento ao destino, pode deixar-se conduzir por ele e não simplesmente ser submetido  ao   destino.   Ainda   que   pareça   paradoxal,   o   homem   liberto   das   paixões   é   capaz   desse  movimento de sujeição com assentimento.
Por isso, Sêneca aconselha nas 124 cartas a Lucílio a fugir de todas as coisas que lhe  possam causar a agitação na alma, pois o homem levado pela paixão deixa de possuir e torna-se possuído. Somente a alma livre das paixões, vivendo na virtude conforme a natureza e  tendo a razão como guia, poderá alcançar a tranqüilidade da alma. É exatamente nesse estado  de ânimo que é possível para o estóico a aceitação do destino, conforme a filosofia estóica  romana de Sêneca.
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Fonte:
TEREZA PEREIRA DO CARMO: “DIDASCÁLIAS NO OEDIPVS DE SÊNECA”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de pós-graduação em Letras: Estudos Literários, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Estudos Clássicos. Linha de Pesquisa: Literatura, História e Memória Cultural. Orientadora: Professora Doutora Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet). Belo Horizonte, 2006.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
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