Realidade e ficção na cosntrução romanesca alencarina e machadiana


REALIDADE E FICÇÃO NA CONSTRUÇÃO ROMANESCA ALENCARINA E MACHADIANA

Pode-se dizer que a história é tão necessária para uma completa apreciação literária, quanto à literatura para um completo conhecimento histórico, para sentir e julgar as relações humanas e sociais, as relações de classe, os costumes, os romances e novelas são um instrumento literário indispensável ao historiador.

Seguindo as palavras do historiador José Honório Rodrigues, que indica o uso do conhecimento histórico para uma melhor apreciação literária, além de considerar que o inverso também é importante, conclui-se que para a análise da produção ficcional de dois grandes autores nacionais, tendo como foco as relações das personagens femininas com o espaço, faz-se necessário um levantamento das principais características sociais da época retratada nos romances, portanto o século XIX. Perceber como se dá socialmente a evolução do comportamento feminino dentro e fora dos romances, aliado às transformações urbanas ocorridas nesse século, perpassadas pelos ideais de valorização da intimidade, presente no Romantismo, seguido pela universalização do sentimento, refletidas na estética realista será o ponto de partida.

Numa época de recusa da legitimação dos modelos emergem na cena literária brasileira os escritores José de Alencar e Machado de Assis. Tratados, muitas vezes, como antagônicos, os escritores devem ser observados e analisados como complementares, afinal o conjunto de suas obras constroem um panorama multifacetado do Brasil no século XIX. Portanto, mostrar a construção desse mosaico pela perspectiva da mimetização feminina se faz importante.

Na cena nacional, Alencar, que consolidou o gênero romance no Brasil, tinha o papel de desbravador e responsável pela construção de uma identidade nacional, traçando um panorama histórico que vai desde a vida indígena até a contemporaneidade do autor, criando perfis regionais, históricos e sociais com grande maestria. Já Machado, mais cético, apresentou uma escrita cujo padrão crítico foi mais consciente. Segundo Lucia Helena (2006, p. 94) Machado “encontra um caminho percorrido, com o olhar de lince que demonstrou, deglute os impasses que Alencar não soube ou não pode resolver, até por seu caráter pioneiro nas discussões e encaminhamento do tema do nacional na narrativa brasileira”.

O pioneirismo de Alencar ocorre num cenário cultural bem diferente do encontrado por Machado, especialmente em sua segunda fase, que emergiu num ambiente de maior maturidade política e cultural. Segundo Lucia Helena (2006, p. 93), “ambos se nutrem também de estratégias distintas”, afinal enquanto Machado contava com as experiências de fragmentação, assim como Sterne (1713-1768), Alencar voltava-se para as fontes francesas e mais populares, como os romances de folhetim de Alexandre Dumas (1802-1870), especialmente em sua versão indianista. Alfredo Bosi (2007, p. 152) acrescenta falando sobre a visão do Brasil encontrada no cotejamento entre os dois romancistas:

Depois de Alencar, que erigia romanticamente, penetrando os meandros da sociedade fluminense, isto é, o presente, já urbanizado e até certo ponto modernizado, na medida em que guardava no seu bojo a decomposição do sistema escravista e da hegemonia imperial.
Mudara o quadro, mudaram algumas figuras e paisagens, ambientes e rostos. Mais ainda: Machado concentrava o que Alencar dispersara no tempo e no espaço. De todo modo, o Brasil habitava Machado tão intimamente quanto habitara Alencar.

Na ficção machadiana, especialmente na segunda fase, percebe-se que o comportamento humano é o principal objeto trabalhado pelo autor. A perspectiva do olhar aguçado e crítico em relação à sociedade contemporânea a ele, permitiu a criação de personagens que extrapolaram a galeria dos tipos convencionais e previsíveis, criando seres da ficção marcados pela força de sua originalidade. Em relação ao olhar machadiano e sua abrangência, Bosi afirma que (2007, p. 11):

O objeto principal de Machado de Assis é o comportamento humano. Esse horizonte é atingido mediante a percepção de palavras, pensamentos, obras e silêncios de homens e mulheres que viveram no Rio de Janeiro durante o Segundo Império. A referência local e histórica não é de somenos; e para a crítica sociológica é quase-tudo. De todo modo, pulsa neste quase uma força de universalização que Machado inteligível em línguas, culturas e tempos bem diversos do seu vernáculo luso-carioca e do seu repertório de pessoas e situações do nosso restrito Oitocentos fluminense burguês. Se hoje podemos incorporar à nossa percepção do social o olhar machadiano de um século atrás, é porque este olhar foi penetrado de valores e ideais cujo dinamismo não se esgotava no quadro espaço-temporal em que se exerceu.

Machado foi além da perspectiva convencional de seu tempo tornando sua obra universal e atemporal. Seu estilo desafiador e inquietante vem provocando leitores de diferentes épocas, por isso mesmo tendo fixado o olhar no Brasil urbano do século XIX, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, pode-se dizer que suas obras contemplam conflitos que ultrapassam qualquer cidade ou nação, por isso o desafio de realizar um estudo do espaço na obra machadiana é mais complexo do que nas produções alencarinas.

Num cenário histórico e cultural envolto em mudanças José de Alencar e Machado de Assis presentearam a Literatura Brasileira com três romances, entre tantos outros, que tem na cidade do Rio de Janeiro o local perfeito para o desenlace de suas tramas.

Inicialmente será realizado um oportuno resgate histórico que proporcionará o embasamento necessário para o debate das principais influências que as personagens receberam nos passeios pelas ruas, praças ou simplesmente em suas próprias residências. Em tempo, foram compiladas algumas características teórico-literárias fundamentais para a análise das três protagonistas que embora tenham assumido configuração de real no imaginário dos leitores, são ainda criações de seus autores.

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Fonte:
LUCIANA CAVALCANTI COSTA: “A MULHER E A CIDADE: UM ESTUDO DAS RELAÇÕES ENTRE AS PERSONAGENS FEMININAS E O ESPAÇO ROMANESCO EM JOSÉ DE ALENCAR E MACHADO DE ASSIS”. (Dissertação apresentada ao curso de Pós-graduação em Letras – Literatura Brasileira, da Universidade Federal do Ceará, para obtenção do título de mestre, sob orientação da Profª. Drª. Vera Lúcia Albuquerque de Moraes, com co-orientação da Profª. Drª. Fernanda Maria Abreu Coutinho). Fortaleza, 2010.

Nota
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