A liberdade: uma propriedade da alma.



A LIBERDADE: UMA PROPRIEDADE DA ALMA

A partir dessa essencialidade da liberdade, Sêneca demonstra que só por meio da liberdade o homem pode encontrar o caminho da perfeição, da superação e de qualquer forma de opressão que possa enfrentar em relação ao corpo, às paixões sensuais, aos bens materiais e até mesmo à morte.

No que diz respeito ao corpo, considera-se a sua dualidade: deve ser reconhecido o seu devido valor, mas nunca maior do que se deve dar à alma, sua parte divina, sendo ela quem deve comandar as ações humanas.

Por ser a alma divina, detém força e poder singular: é “Um deus morando num corpo humano”. Esse parentesco com a divindade é a raiz da sua perfeição, motivo de o homem lutar para favorecer a sua liberdade, visto que se acha presa ao corpo, que se constitui em um cárcere para ela, sendo limitada e condicionada por ele. Dessa forma, o corpo é para a alma um obstáculo para a perfeição; portanto a parte superior e mais nobre da natureza humana se acha submetida e escravizada pela parte inferior do homem (PEREIRA MELO, 2004).

[...] De facto este nosso corpo é para o espírito uma carga e um tormento; sob o seu peso o espírito tortura-se, está aprisionado, a menos que dele se aproxime a filosofia para o incitar a alçar-se à contemplação da natureza, a trocar o mundo terreno pelo mundo divino. Esta a liberdade do espírito, estes os seus vôos: subtrair-se ocasionalmente à prisão e ir refazer as forças no firmamento![...] (SÊNECA, 1991, p..233).

Para Sêneca, mesmo que corpo e alma andem juntos, não são sócios com partes iguais, pois, enquanto aquele pode ser escravizado, esta é livre.

O homem que entende essa dinâmica de forma inversa torna-se escravo da sua parte inferior e possibilita que as paixões comandem suas ações, e a alma presa ao corpo submetido às paixões perde a liberdade para a qual nasceu. Ao homem cabe controlar as necessidades do seu corpo, satisfazer-se com o que as circunstâncias lhe possibilitam. Ao dominar a si mesmo, abre o caminho para a perfeição, busca que exige esforço e persistência.

Nessa mesma esteira, está a escravidão do homem em relação à fortuna. “[...] As riquezas, para o sábio, são escravas, e para o tolo são senhoras [...]” (SÊNECA, 2001, p. 71). A aquisição de bens desnecessários leva o homem a perder sua liberdade, porque ele passa a depender de quem as ofertou ou de outros para a direção da sua vida, vindo a perder totalmente sua liberdade. A forma com que a fortuna é utilizada pode trazer alegrias ou tristezas, e a alma, parte espiritual do homem, é que poderá saber de que forma agir para não ser escravo dela.

Qualquer forma de dependência retira do homem a possibilidade de ser o seu próprio dono, portanto retira-lhe a liberdade. Faz-se necessário, então, que a fortuna pertença ao homem, e não o homem pertença a ela.

[...] estar pronta a utilizar os dons da fortuna, sem ser escrava deles [...] que daí se seguem uma tranqüilidade e uma liberdade contínuas [...] segue-se uma imensa alegria, sólida e invariável, e depois a paz [...] (SÊNECA, 2001, p..9-10)

O homem, é um ser social, dependente dos demais homens para sua existência; no entanto essa dependência não pode escravizá-lo. Nem mesmo a amizade, outra necessidade da alma, pode levar a essa situação, a sua nobreza está no fato de não impor qualquer forma de submissão e/ou opressão àquele que a exercita. Dada a sua importância, para Sêneca, até mesmo o sábio, apesar de bastar-se a si mesmo, deve ter amigos, desde que em nada comprometa a sua independência.

Outro aspecto que Sêneca levanta, também em relação à liberdade do homem, diz respeito à morte, fator que atormenta a existência humana, o que faz que ele procure orientar os homens, apresentando a morte como possibilidade de libertação frente aos entraves que a vida possa trazer; isso faz que, para Sêneca, a morte não seja um mal, mas um bem, que liberta o homem da sua escravidão.

[...] Quem assim fala não vê como está tornando impossível a liberdade! Nada de melhor concebeu a lei eterna do que, embora apenas nos dando uma porta de entrada na vida, ter-nos proporcionado múltiplas saídas [...] A vida agrada-te? Então, vive! Não te agrada? És livre de regressar ao lugar donde vieste![...] (SÊNECA, 1991, p. 267)

Graças à possibilidade de optar pela morte, a vida deve ser levada adiante até o momento em que for digna; caso contrário, será legítimo morrer voluntariamente. A esse termo, vale colocar que Sêneca inicia uma reflexão sobre a imortalidade da alma.

Também mereceu especial atenção de Sêneca a questão da escravidão, no seu aspecto social, mesmo quando não chegou a propor uma nova orientação sobre a questão, visto que, no seu tempo, a escravidão era tida como natural.

A liberdade somente teria sentido no processo autoformativo senequiano, caso parte do seu tempo fosse destinado à reflexão, o que levou Sêneca a considerar o “ócio útil” a esfera apropriada para a realização do seu modelo educacional.

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Fonte:
MIRIAM MARIA BERNARDI MIGUEL: “IDÉIAS EDUCACIONAIS DE SÊNECA NAS CARTAS À LUCÍLIO”. (Dissertação apresentada por MIRIAM MARIA BERNARDI MIGUEL, ao Programa de Pós-graduação em Educação, Área de concentração: Fundamentos da Educação, da Universidade Estadual de Maringá, como um dos requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Dr. José Joaquim Pereira Melo). Maringá – PR, 2005.

Nota
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