O caráter fomativo da poesia trágica de Sêneca



O CARÁTER FOMATIVO DA POESIA TRÁGICA DE SÊNECA

No presente capítulo pretende-se fazer uma reflexão sobre o caráter formativo da poesia trágica de Sêneca, tendo em vista a formação do homem ideal, o sábio, aquele que seria capaz de manter o domínio e a racionalização dos sentimentos, dos impulsos e das paixões.

As tragédias estóicas de Sêneca
A obra filosófica de Sêneca tem como fio condutor a ética estóica, cuja finalidade suprema é a perfeição moral, identificada com a sabedoria, o bem supremo, a vida bem-aventurada (Sobre a vida feliz, 3,3; 4,2-3; 5,1; 6,2). Sábio é aquele que mantém sob controle os seus impulsos e emoções, obtendo uma completa tranquilidade da alma independente das vicissitudes do destino (Sobre a constância do homem sábio, 5, 4).

O sábio tem êxito nisso porque vive em conformidade com a ordem racional dada ao mundo e que também está inserida na sua natureza.

[...] não importa se esse ideal jamais pôde ou alguma vezpoderá ser concretizado; ele mantém a função de uma diretriz, pela qual deve orientar-se quem quer alcançar a vida bem-aventurada (FUHRER, 2003, p. 140).

O ser humano, desde o nascimento, se habitua a obedecer a falsos impulsos, deixando de viver conforme a natureza racional. A filosofia, por meio de suas prescrições, tem a função auxiliar no combate desses erros. No entanto, Sêneca encontrou uma forma mais agradável para falar sobre esses assuntos ao abordar essas questões por meio da poesia dramática.

Assim, Sêneca não se limitou apenas aos seus tratados filosóficos e cartas para transmitir as suas preocupações pedagógicas, mas também utilizou do teatro como instrumento exemplar para a formação humana (PEREIRA MELO, 2005).

As suas peças, apesar de inspiradas nas tragédias gregas, principalmente as de Eurípides (c. 485-406 a.C.), são tratadas com originalidade e com uma linguagem característica de sua época.

Para o desenvolvimento das questões propostas neste trabalho, conforme já mencionado, foram privilegiadas as peças Fedra, Medéia e Tiestes. Nessas tragédias, Sêneca explora o extremo do que pode acontecer quando há o afastamento de uma atitude condizente com a razão e o não controle dos impulsos e das paixões.

Fedra: sinopse da peça
A história acontece em Atenas, diante do palácio real. Em frente ao palácio tem um altar e uma estátua da deusa Diana. As personagens são:

Fedra, mulher de Teseu; Hipólito, filho de Teseu e da amazona Antíope; companheiros de Hipólito; a ama de Fedra; escravos do palácio; coro de atenienses; Teseu, rei de Atenas e o mensageiro.

A peça se inicia com o monólogo de Hipólito no qual ele faz uma exaltação da natureza. Hipólito salienta também sua disposição para a caça, arte da qual é perito. Exorta essa atividade aos seus companheiros, sendo ele quem coordena as caçadas nas regiões dos montes da Ática. Ainda em seu monólogo, Hipólito se mostra devoto da deusa Diana, para quem remete suas preces.

Em diálogo com a sua ama, Fedra se lamenta por ser esposa de Teseu e pela dor que toma conta de si e lhe tira a tranqüilidade, pois está loucamente apaixonada por Hipólito, seu jovem enteado. Fedra não quer reconhecer como culpa sua o desejo pecaminoso de possuir Hipólito e procura atribuir esse amor a Vênus e Cupido, os quais, para ela, são inimigos de sua raça. A sua ama e confidente da paixão que lhe consome, repreende-lhe de forma incisiva, aconselhando-a para que caia em si, demovendo-a de seus pérfidos desígnios. Fedra então decide por termo a sua vida. Diante dessa situação, a ama não vê outra saída senão tentar ajudar a sua rainha a convencer o jovem Hipólito para que ele possa corresponder ao seu amor.

A ama mostra-se preocupada por esse amor desenfreado que consome a rainha. Fedra, segundo a descrição da ama, está com a alma inquieta e insatisfeita. Por vezes cambaleia moribunda que mal se sustenta, desvanecendo-se. Os olhos cobertos de lágrimas já não trazem o brilho de outrora. Diante da ama, Fedra em lamentos recusa as vestes costumeiras tingidas de púrpura e de ouro, assim como as jóias que lhe ornam e lhe conferem esplendor.

O coro aconselha a ama que faça uma prece a Diana, deusa protetora de Hipólito. A ama segue o conselho e eleva suas preces a deusa das florestas, pedindo para que ela dê aos sinistros presságios uma face favorável, se possível desarmar o espírito inflexível de Hipólito para que seu coração se tornasse mais brando. Hipólito, ao ver a ama diante do altar de Diana, a interroga sobre o porquê ela estaria ali invocando a deusa. A ama tenta convencer Hipólito de que ele deve aproveitar a juventude, os melhores dias que se tem na vida, e para que se entregue ao amor, deixando assim de dormir num leito solitário e sua vida celibatária. Mas Hipólito censura duramente as palavras da ama afirmando não existir outra vida que deseje mais do que uma vida livre e sem vícios, que só é possível nas florestas, longe das muralhas da cidade. Hipólito revela ainda o seu ódio pelas mulheres, artífices de crimes e que por causa de seus adultérios nações entram em guerra. Não hesita em dizer que abomina todas as mulheres, que as evitará e a todas amaldiçoará.

Fedra se aproximando da ama e de Hipólito, com a face transparecendo uma palidez mortal, desfalece, mas é amparada por Hipólito. Preocupado, o enteado pergunta a sua madrasta qual o motivo para o seu desprezo pela vida. Fedra vacilante, sem coragem, não consegue dizer que está, por ele, apaixonada. Apenas lhe conta que um amor ardente a domina. Hipólito insiste para que Fedra não seja misteriosa, então ela lhe confessa o seu amor por ele. Hipólito fica atônito com esse amor criminoso que supera até mesmo aquele cometido pela mãe de Fedra, do qual foi gerado um monstro. Fedra tenta tocar Hipólito que a repudia ferozmente e, por um instante, não lhe dá uma morte que julga justa. Não o faz, abandona a espada cujo toque da madrasta a tornou impura e segue em direção aos bosques. Diante do ocorrido, astuciosamente, a ama articula para que seja ocultado por outro crime: chamando os cidadãos de Atenas e distorcendo a verdade diz para todos que Hipólito violentou a rainha e fugiu assustado, deixando cair a sua espada, a prova do crime.

Teseu, diante do palácio real, fala de sua aventura pelo Hades. Lamenta por não ter mesmo vigor de outrora e por sua força que está gasta devido ao esforço para escapar do mundo dos mortos. Saindo do palácio, a ama vai ao encontro de Teseu para comunicar-lhe que Fedra está obstinada a se matar. Surpreso com o desejo de sua esposa, Teseu vai até ela para saber o porquê quer apartar-se da vida, apesar do regresso de seu esposo. Fedra, relutante, procura manter em segredo o motivo. Diante de seu silêncio, Teseu decide torturar a ama para saber o aconteceu, mas Fedra se antecipa e, mentindo para Teseu, afirma que foi violentada por Hipólito.

Transtornado e sem suspeitar da farsa em curso, Teseu se questiona por onde anda o jovem de austeridade fingida, cujo despudor se ocultava pela castidade e que conheceu pela primeira vez a virilidade com um crime no leito de seu próprio pai. Dirigindo-se a Netuno, Teseu funestamente pede ao soberano deus do mar que seu jovem filho vá ao encontro dos mortos.

Um mensageiro chega trazendo a informação de que Hipólito está morto. Teseu, querendo saber como se deu a morte de seu filho, pede para o mensageiro que dê mais detalhes. O mensageiro conta-lhe que Hipólito, após deixar a cidade, se deparou com um ser monstruoso que surgiu das profundezas do mar. Uma imensa criatura, um touro monstruoso de músculos salientes com um pescoço azulado e uma crina verde. De sua traseira, coberta de escamas, arrasta uma enorme cauda. Fazia tremer a terra assuntando animais e caçadores, menos Hipólito que o enfrenta. Mas os seus cavalos, assustados e enlouquecidos pelo medo do monstro, perdem o controle. Hipólito, atrelado ao carro, é arrastado e arremessado entre as rochas e arbustos; tem o corpo desfigurado e dilacerado em pedaços, deixando um enorme caminho de sangue. Alguns companheiros de Hipólito trazem para Teseu pedaços do corpo que foram recuperados para que sejam levados para a pira fúnebre.

Fedra, tresloucada e com a espada de Hipólito na mão, chora copiosamente diante dos restos do corpo desfigurado. Inquieto, Teseu lhe questiona porque chora diante do odiado corpo. Fedra se lamenta por ter provocado essa desgraça e decide livrar-se de sua vida, livrando-se assim também do crime da qual é culpada. Vê na morte o único alívio para o amor perverso que maculou o leito do esposo. Dirigindo-se a Teseu conta-lhe toda a verdade, de como Hipólito era inocente das acusações e de como o incestuoso crime fora concebido no seu coração insano. Fedra trespassa-se com a espada, tirando a própria vida.

Teseu profere lamentos, condenando-se como criminoso por ter tirado a vida de seu filho inocente. Implora aos deuses por um suplício eterno no fundo dos abismos, pois não se acha merecedor de um fim fácil, revolta-se porque suas preces não são atendidas. Aconselhado pelo coro, prepara as exéquias de Hipólito, reunindo os seus pedaços e ordenando para que a pira real seja preparada. Para Fedra, algo desprezível: ordena que seu corpo seja sepultado numa cova profunda para que a terra pese sobre a sua sacrílega cabeça.

Medéia: sinopse da peça
A história se desenvolve em Corinto, diante do palácio real. As personagens são: Medéia, esposa de Jasão; a ama de Medéia; Creonte, rei de Corinto; Jasão; os filhos de Medéia e Jasão; coro de coríntios e o mensageiro.

A peça tem início com Medéia invocando os deuses para que a sua vingança se concretize, pois fora repudiada por Jasão. Pede-lhes auxílio para que o rei Creonte e sua filha Creúsa, futuros sogro e esposa de Jasão sejam mortos. Suplica aos deuses para que ao seu infiel esposo recaia um mal ainda mais terrível do que a morte.

Medéia vangloria-se de seu cruel passado e da força que sua alma tinha para cometer os crimes de outrora. Considera que esses crimes foram medíocres, sendo apropriados apenas para o tempo em que era virgem, mas agora, como mãe, é preciso um crime maior.

Medéia ouve o canto nupcial e, desesperada, não consegue aceitar como Jasão pôde fazer isso com ela, pois por ele deixou o pai e a pátria e cometeu crimes em seu favor. Medéia adverte que esses crimes não foram cometidos num momento de ira, mas por um infeliz amor que lhe armava as mãos. Colérica e consumida pela dor, Medéia planeja vingar-se de forma terrível. A sua ama procura dissuadi-la, pedindo-lhe sensatez e silêncio para que seu ódio não seja exposto; alerta-a de que agora não lhe resta alternativa, pois está sozinha, longe de casa e traída pelo esposo. Mas Medéia corrige sua ama afirmando que ainda resta ela mesma: Medéia, na qual se pode ver o ferro e o fogo.

Creonte aparece e, vendo Medéia, cuja presença lhe é inquietadora, se questiona porque ela ainda não saiu do seu reino e fica preocupado com a possibilidade dela estar tramando algum outro crime. Dirigindo-se a ela, afirma que lhe poupou a vida graças às suplicas de Jasão e ordena que deixe Corinto o mais rápido possível por causa dos crimes que cometeu. Medéia faz sua autodefesa afirmando que os crimes que lhes são imputados não foram cometidos em proveito próprio, mas para o favorecimento de Jasão. Pede ao rei um tempo para que possa se despedir dos filhos e preparar a sua partida. Creonte, mesmo temeroso, concede a Medéia um dia para ela preparar-se para o desterro.

A ama descreve o furor de Medéia: parece tomada por um delírio divino, correndo com passo louco, destituída de razão, trazendo na face todos os m sinais da furiosa demência. A ama fica muito preocupada, pois reconhece os sinais precedentes da cólera de Medéia e sabe que não se trata de um crime comum que ela está meditando, mas algo atroz e inumano.

Medéia, falando consigo mesma, não admite sofrer com tamanha traição sem se vingar. Fala que enquanto o firmamento desenrolar suas regulares revoluções jamais o seu furor vingativo irá desaparecer. O verdadeiro amor nada teme, nem mesmo as armas do rei. Mas o dia que lhe foi concedido antes do desterro é suficiente para concretizar sua vingança.

A ama pede-lhe que acalme seu furor, mas sem sucesso. Medéia diz que não descansará enquanto junto de sua ruína não aniquilar todo o universo.

Jasão se lamenta de sua situação, pois se permanecesse fiel a sua esposa, a morte recairia sobre si e também sobre os seus filhos; foi por eles e não por medo do rei é que não teve outra saída senão aceitar as núpcias de uma nova esposa. Olhando para Medéia, Jasão percebe o ódio em seu rosto.

Medéia, dirigindo-se a Jasão, lhe fala quantas vezes agiu em seu favorecimento e dos crimes que cometeu por ele. Por seus sacrifícios perdeu a pátria, o pai, o irmão e o pudor. Jasão diz que foi por suas lágrimas que Creonte poupou-lhe a vida e o mais sensato agora seria conter a cólera e ir embora para salvar a própria vida. Medéia pede para que lhe deixe pelo menos levar consigo os filhos para lhe fazerem companhia no exílio, mas Jasão não consente. Jasão diz que isso não poderia permitir por seu amor paterno e porque eles são a razão de seu viver e o consolo para os seus sofrimentos. Prefere morrer a perder os filhos.

Medéia descobre o ponto fraco de Jasão. Pede a sua ama para que lhe ajude a preparar os presentes que vai enviar para Creúsa, através de seus filhos. A ama descreve Medéia em seus preparativos para a vingança. Relata como o seu desumano furor vai aumentando e como ela se exalta com isso. Expõe como, sobre um altar preparado, ela espalha todas as ervas venenosas e objetos misteriosos; por seu encantamento, atrai os répteis cobertos de escamas. A ama conta como Medéia mistura as mortíferas ervas e o veneno coletado dos répteis; acrescenta também o coração de um animal e as vísceras arrancadas de uma coruja ainda viva.

Medéia invoca as divindades maléficas e, em solene sacrifício, de cabelos soltos e com os seios despidos fere os próprios braços com uma faca para que seu sangue escorra sobre o altar. Por seu encantamento, impregna o manto que vai presentear Creúsa, a fim de que quando ela o tocar uma chama possa consumi-la, queimando até os ossos.

A mando de Medéia, a ama traz os seus filhos. Medéia pede para que ambos levem os preciosos presentes para sua madrasta e depois voltem imediatamente para que possa lhe dar o último abraço antes de partir para seu desterro.

O mensageiro anuncia que, após a entrega dos presentes, Creúsa e Creonte foram mortos, reduzidos a cinzas por um fogo voraz que ameaça todo o palácio.

A ama pede a Medéia para que fuja. Medéia se recusa em partir enquanto observa com regozijo o espetáculo, mas que não passa de apenas um esboço de sua vingança. Medéia julga que a viuvez para Jasão é muito pouco e que os crimes que cometera no passado foram medíocres, próprios dos furores de uma virgem. Agora é preciso algo grandioso. Condenada ao exílio: já perdeu os filhos; mas Jasão ainda não. Oscila entre o ódio e o amor. Abraça os filhos e mata um deles. Levando-o em seus braços, entra juntamente com sua ama e o outro filho no palácio.

Jasão pede ajuda para que se possa capturar a autora desses crimes horríveis. Medéia aparece no alto do palácio e fala para Jasão preparar a fúnebre fogueira para os filhos, sendo que um já está morto e o outro será morto na presença do pai. Jasão pede a Medéia que seja clemente com o segundo filho. Medéia diz que apenas um filho não poderia saciar o seu desejo de vingança. Tira a vida do segundo filho e atira os cadáveres aos pés de Jasão.

Vindo do céu, aparece um carro alado puxado por duas serpentes. Medéia e sua ama sobem nele, desaparecendo entre as nuvens.

Tiestes: sinopse da peça
A história se desenvolve em Argos, diante do palácio dos tantálidas. As personagens são: o espectro de Tântalo, avô de Atreu e Tiestes; a Fúria; coro de cidadãos de Argos; Atreu, neto de Tântalo, filho de Pélope, atual rei de Argos e irmão de Tiestes; ministro; Tiestes; Tântalo, filho de Tiestes; Plístenes, filho de Tiestes; terceiro filho de Tiestes; escravos de Atreu e o mensageiro.

A peça tem início com um diálogo travado entre o espectro de Tântalo, avó de Tiestes e Atreu, e uma Fúria. O espectro de Tântalo lamenta-se porque a Fúria, interrompendo por um algum tempo o seu castigo o conduz do mundo infernal até o mundo dos vivos.

A Fúria traz Tântalo até o palácio de Argos no qual reina Atreu, seu neto, para que com a presença de seu espectro infeste o palácio e quem ali vive, inspirando assim, em seus descendentes, crimes mais perversos do que aqueles que ele próprio havia cometido. A Fúria anuncia o que vai acontecer com a família dos tantálidas, que será marcada por adultérios, assassinatos, incestos e questiona-se porque a mão de Atreu ainda está impune e Tiestes não está chorando pelos filhos mortos.

O espectro de Tântalo tentou recusar o que a Fúria lhe tentara, mas diante de sua dureza não conseguiu resistir, submetendo-se a ela.

Num monólogo, Atreu se pergunta o porquê ainda não colocou em curso a merecida vingança que seu irmão Tiestes merece devido aos crimes e perfídias que ele cometera. Atreu revela que deseja vingar-se por meio de uma forma atroz e que seja feito o quanto antes para pegá-lo desprevenido e antes que seu irmão se robusteça e adquira força novamente.

O ministro de Atreu pede para que ele tenha calma e moderação, pois cometer um crime contra um mau irmão não deixa de ser um crime. Mas as palavras do ministro servem apenas para excitar ainda mais a cólera de Atreu e sua vontade de vingar-se de Tiestes.

Atreu afirma que é possível se fazer contra Tiestes o que seria condenável fazer a um irmão e recorda os atentados que seu mau irmão perpetrou contra ele. Lamenta-se de como foi privado da esposa pelo adultério e de como Tiestes se apossou ilicitamente do velo de ouro, antigo símbolo do poder. Por causa dele teve a esposa seduzida, a confiança abalada, a estirpe ofendida e a legitimidade dos filhos incerta.

Atreu diz para o seu ministro que a morte pelo ferro ou pelo fogo seria pouco e que seu espírito deseja algo monstruoso que ultrapasse os limites dos costumes humanos. Conta-lhe que matará os filhos de Tiestes e depois servirá para ele as suas carnes num banquete. Para atrair o seu irmão, Atreu diz ao ministro que irá fingir uma reconciliação com Tiestes, a fim de conduzi-lo até Argos.

Tiestes e seus três filhos regressam para Argos. Entretanto Tiestes sente-se inquieto com a sua chegada, pois se por um lado é tomado de alegria por rever a casa paterna e a cidade natal, por outro lado se sente angustiado por se aproximar outra vez da sede do poder, depois de um longo exílio do qual já estava habituado. Tiestes também sente temor por Atreu estar lhe preparando algo, hesita pelo retorno e pensa em voltar atrás, pois se regressar para Argos estará caminhando em direção às duas coisas mais incertas, isto é, o seu irmão Atreu e a realeza. Contudo seu filho Tântalo o interroga por que estando tão perto da pátria e da oportunidade de reconciliar-se com seu irmão que lhe prometera uma parte do reino agora quer desistir. Tiestes receoso diz para o seu filho que num reino não cabe dois senhores e que teme por um embuste de Atreu, pois o seu ódio é tão grande quanto o seu poder. Mas pressionado por seus filhos e pela lembrança da comodidade da vida palaciana, Tiestes deixa-se convencer.

Ao ver Tiestes e seus filhos se aproximarem, Atreu regozija-se por eles terem caído em sua armadilha. Dirigindo-se a Tiestes, Atreu fala de sua alegria por ver o irmão e de seu desejo de sepultar a inimizade que há entre eles. Tiestes ajoelha-se suplicante, mas Atreu logo o levanta pedindo-lhe para que não se humilhe. Diz a ele que deve vestir-se com trajes apropriados e tomar a sua parte no reino. Tiestes hesita em receber a sua parte e suplica apenas que seja aceito como mais um no meio da multidão, mas Atreu não aceita e, por fim, convence Tiestes para que ele receba o que está oferecendo.

Um mensageiro atônito, com a fala vacilante em diálogo com o coro, conta que acabara de presenciar uma cena horrorosa que até mesmo a Tântalo e Pélope causaria espanto. O coro percebe que um dos dois irmãos cometeu o crime e pergunta qual deles o fizera.

O mensageiro diz que na parte mais profunda da casa há um lugar secreto que abriga um denso vale com um antigo e sombrio bosque. Um local sinistro no qual vagueia uma multidão saída de antigos túmulos e monstros enormes. Para lá Atreu arrastou os filhos de Tiestes. Com as próprias mãos enterrou a sua espada no pescoço de Tântalo. Em seguida decapitou Plístenes e por fim trespassou o corpo de lado a lado do filho mais novo de Tiestes.

Diante do horror do coro, o mensageiro diz que a ira de Atreu não se conteve apenas com esse crime. Preparando um banquete para o irmão, arrancou as vísceras, cortou os cadáveres em pedaços e preservou apenas as cabeças e as mãos. Estando prontas as iguarias, Atreu serviu o banquete ao seu irmão que, entorpecido pelo vinho e faminto, sem saber, começou a se alimentar das carnes dos filhos.

Atreu diante de seus escravos diz que já houve tempo suficiente para que Tiestes fizesse a sua refeição, assim como tempo o bastante para Baco, pois para a sua desgraça maior é preciso que esteja sóbrio. Os escravos abrem as portas e Atreu pode contemplar Tiestes com os cabelos perfumados e a testa coroada com flores, se banquetear com a carne dos filhos.

Dirigindo-se a Tiestes, Atreu diz que é preciso celebrar este dia festivo. Tiestes fala para seu irmão que já está saciado de tantas iguarias. Por fim, Atreu oferece a Tiestes uma taça de vinho, na qual misturou o sangue das crianças. Tiestes confessa para seu irmão que a alegria seria ainda maior se pudesse compartilhar tal felicidade com os seus filhos.

Atreu garante a Tiestes que os seus filhos estão junto dele e nunca mais o abandonarão. Destampa os pratos cobertos que contêm as cabeças e as mãos das crianças e pergunta a Tiestes se reconhece os seus filhos. Tiestes diz que reconhece o seu perverso irmão e pede-lhe ao menos que lhe devolva o que restou dos corpos. Mas Atreu conta-lhe que não é necessário, pois seus filhos foram devorados por ele num sacrílego banquete.

Atreu se mostra satisfeito por levar a cabo a vingança que acabara de cometer. Troca recriminações e ameaças com Tiestes, que deseja vingar-se pelo crime do qual foi vítima.

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Fonte:
MARCELO AUGUSTO PIRATELI: “O CARÁTER EDUCATIVO DAS TRAGÉDIAS DE SÊNECA”. (Dissertação apresentada Programa de Pós-Graduação em Educação, Área de Concentração: História e Historiografia da Educação, da Universidade Estadual de Maringá, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr.: JOSÉ JOAQUIM PEREIRA MELO). Maringá, 2010.

Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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