O amor poético

Por: Iba Mendes (2006)

O amor é, sem de dúvida, o tema de maior primazia entre os poetas. Na verdade, ambos, amor e poesia, são, de certa forma, elementos ligados entre si. Isso pode ser facilmente atestado quando examinamos as obras dos grandes poetas. Em algum momento o amor despontará em suas penas.

É bem verdade que a concepção acerca do que seja o amor varia muito entre cada poeta e suas épocas. Contudo, nas suas mais variadas formas, nos seus múltiplos aspectos, o amor sempre foi e continuamente há de ser o assunto por excelência daqueles que inspirados (como Luís Camões) ou “secos” e objetivos, (como João Cabral de Melo Neto) externaram tão belo sentimento.

A seguir, apresentamos uma seleção de poemas relacionados ao tema. Observe como cada escritor abordou o assunto; perceba o estilo pessoal de cada um deles; note a visão pessoal que eles tiveram acerca do assunto. Vejamos...

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LUÍS DE CAMÕES

Amor é um fogo que arde sem se ver
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

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Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

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CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

AS SEM-RAZÕES DO AMOR
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

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DOMINGOS CALDAS BARBOSA

O QUE É AMOR
Levantou-se na cidade
um novo e geral clamor;
todos contra o amor se queixam,
ninguém sabe o que é amor.

Dizem uns que ele é doçura
outros dizem que ele é dor;
não lhe acertam nome próprio,
ninguém sabe o que é amor.

Que importa que alguém presuma
nestas cousas ser doutor,
se ele ignora como os outros?
Ninguém sabe o que é amor.

Amor é uma ciência
que não pode haver maior,
pois por mais que o amor se estude,
ninguém sabe o que é amor.

Em mil formas aparece
o menino encantador;
inda assim não se conhece...
Ninguém sabe o que é amor.

Ao valente faz covarde,
ao covarde dá valor;
como é isto não se sabe,
ninguém sabe o que é amor.

Choram uns o seu desprezo,
outros cantam seu favor,
de amor choram, de amor cantam...
Ninguém sabe o que é amor.

A uns faz gelar de susto,
noutros causa um doce ardor;
não se sabe a qualidade,
ninguém sabe o que é amor.

Amor tem um ser divino,
não tem forma, corpo ou cor,
sente-se mas não se vê...
ninguém sabe o que é amor.

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JOSÉ DE ABREU ALBANO


“AMAR É DESEJAR O SOFRIMENTO”
Amar é desejar o sofrimento
E contentar-se só de Ter sofrido,
Sem um suspiro vão, sem um gemido,
No mal mais doloroso e mais cruento.

É vagar desta vida tão isento
É deste mundo enfim tão esquecido,
É pôr o seu cuidar num só sentido
E todo o seu sentir num só tormento.

É nascer qual humilde carpinteiro,
De rudes pescadores rodeado,
Caminhando ao suplício derradeiro.

É viver sem carinho nem agrado,
É ser enfim vendido por dinheiro,
E entre ladrões morrer crucificado.

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SE AMAR É PROCURAR A COUSA AMADA...
Se amar é procurar a cousa amada
E unir duas vontades num desejo,
Se é ressentir um mal tão benfazejo
Que quanto mais tortura, mais agrada;

Se amar é sofrer tudo por um nada
E a um tempo achar que é pouco e que é sobejo,
Já claramente agora entendo e vejo
Que não há quem de amor me dissuada.

Ó doce inquietação e doce engano,
Doce padecimento e desatino
De que não me envergonho, antes me ufano!

Comigo quantas vezes imagino:
Se é tão doce na terra o amor humano,
Que não será no céu o amor divino?!

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GUILHERME DE ALMEIDA

AMOR, FELICIDADE
Infeliz de quem passa pelo mundo,
procurando no amor felicidade!
A mais linda ilusão dura um segundo,
e dura a vida inteira uma saudade.

Taça repleta, o amor, no mais profundo
íntimo, esconde a jóia da verdade:
só depois de vazia mostra o fundo,
só depois de embriagar a mocidade...

Ah! quanto namorado descontente,
escutando a palavra confidente
que o coração murmura e a voz não diz,
percebe que afinal, por seu pecado,
tanto lhe falta para ser amado,
quanto lhe basta para ser feliz!

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TOBIAS BARRETO

AMAR
Amar é fazer o ninho,
Que a duas almas contém,
Ter medo de estar sozinho,
Dizer com lágrimas: vêm,
Flor, querida, noiva, esposa...
Cabemos na mesma lousa...
Julieta, eu sou Romeu;
Correr, gritar: onde vamos?
Que luz! que cheiro! Onde estamos!
E ouvir uma voz: no céu!

Vagar em campos floridos
Que a terra mesma não tem;
Chegarmos loucos, perdidos
Onde não chega ninguém...
E, ao pé de correntes calmas,
Que espelham virentes palmas,
Dizer-te: senta-te aqui;
E além, na margem sombria.
Ver uma caroça bravia,
Pasmada, olhando p’ra ti!

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LUÍS EDMUNDO

AMOR
Este é um carro triunfal, plaustro de rodas de ouro;
Arrasta-o sobre o mundo em fúria desabrida
Um estranho animal, que lembra na corrida
A bravura de um leão e os ímpetos de um touro.

Nada lhe embarga o passo; o abismo, o sorvedouro,
Tudo calca e subjuga e leva de vencida;
E os homens em tropel cheios de ardor e vida
Vão atrás dele como atrás de algum tesouro.

Triunfalmente altiva, o olhar forte, os cabelos
Irradiando como a luz de setestrelos,
No plaustro, uma mulher passa o mundo fitando;

Na mão esquerda, como símbolo perfeito,
Leva um lírio que tem o cálice direito,
Na outra, fera e brutal, leva um punhal sangrando...

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É isso!

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Imagem:
Pierre Ribeira: "Na borda do abismo", revista Ilustração Brazileira, edição de 1911, disponível digitalmente no site: Domínio Público

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