Raízes da Guerra do Contestado

Texto extraído do belíssimo livro "Guerra do Contestado", de autoria de Luiz Alves,  livro este que está disponível digitalmente no excelente site Domínio Público

Fanáticos da Irmandade de São Sebastião

Foram inúmeras as causas que acenderam o estopim que levou a “Guerra do Século, o famoso contexto do contestado. Após a queda da monarquia, o país estava completamente falido e sem nenhum recurso financeiro, porque os Imperadores sempre adotaram o regime Feudalista que enforcava mortalmente o panorama de igualdade social, levando os menos favorecidos a terem somente uma opção, trabalhar como escravos com uma mínima bonificação mensal aos protegidos do regime imperialista”.

A “lei do ventre livre” foi a primeira grande derrota dos senhores de engenho, que tiraria de suas mãos o filete de ouro, a futura mão-de-obra produtiva. Em 1888 a princesa Isabel legaliza a “lei Áurea”, abolindo todo e qualquer regime de escravidão. O que levou os senhores de engenho ao completo desespero, e consecutivamente ao princípio de sua falência econômica, privando-os dos luxos nos salões da corte imperial. Pois, a partir daquele momento humanitário histórico, teriam de pagar por seus serviços braçais, não obrigá-los a trabalhar e nem colocá-los no tronco para serem açoitados.

E na calada da noite em 1889, os parlamentares, políticos provincianos, empresários e comerciantes, ministros e os marechais das forças armadas compram dos Estados Unidos da América um regime republicano corrompido, corrupto e capitalista, que levaria toda a população brasileira a mais completa miséria social e econômica. A monarquia cai e toma posse o poder republicano. Parlamentares, ministros e os marechais julgavam ter em suas mãos um país rico e próspero, mas encontram um país em completa falência econômica e social. E, outra vez compram dos Estados Unidos da América a idéia de venda de títulos coronelistas aos senhores de engenhos, visando economicamente tirá-los desse buraco sem fim.

Em meio a todo esse caos da república, em 1893 o almirante Custódio de Melo revolta-se, tendo sob o seu comando vários navios de guerra ancorados em pontos estratégicos do Rio de Janeiro. Convoca todos os poderes na época a lutar por novas eleições republicanas, sob a ameaça de detonar os seus canhões contra tudo e todos. A revolta armada força o Presidente Marechal Floriano Peixoto e parlamentares, a convocarem eleições urgentemente, contendo no ambiente à podridão da manipulação de conveniência e o cheiro podre de corrupção.

Os Estados Unidos fazem a sua parte no acordo, faltando somente que o poder republicano do país fazer agora a sua parte. Nesse momento histórico se inicia o maior de todos os pecados capitais: empresas públicas e empresas privadas que comandavam a economia são vendidas aos empresários americanos. O país, que já estava naufragado na completa miséria econômica e social, acaba se transformando praticamente numa sucata ambulante e quase sem nenhum valor comercial. Os empresários americanos como sempre, são filantrópicos e humanitários com o resto do mundo, assim como as nuvens de gafanhotos são com as plantações, firmam um contrato com o poder republicano na construção de uma ferrovia do estado de São Paulo ao estado do Rio Grande do Sul, cobrando a simples bagatela de vinte contos de réis por quilômetro construído, depois reajustado por quarenta contos de réis, além de terem a posse de quinze quilômetros em ambos os lados da ferrovia, onde poderiam explorar todos os recursos naturais e povoar com emigrantes europeus.

Só que o governo republicano brasileiro se esquece que, dentro dos limites da ferrovia construída, e nesses trinta quilômetros, já moravam famílias que herdaram as propriedades de seus antepassados, pela própria lei natural e verdadeira eram os donos, não precisando de nenhum papel para provar que aquelas terras eram suas.

Na época da construção, chegam uma autoridade do governo, representante do grupo Farquhar e os seus pistoleiros, dizendo que a terra onde nasceu o seu bisavô, seu avô, seu pai, ele e todos os seus filhos não era mais sua, porque tinham comprado do governo e teria de sair das terras, porque já tinham vendido aos emigrantes estrangeiros. Caros leitores imaginem só como fica a cabeça de um simples caboclo, nascido e criado no sertão brasileiro. Com toda certeza, deixaria qualquer um que não tem sangue de barata, furioso e perderia a sua própria razão e até poderia levar o acontecimento às últimas conseqüências. E foi o que realmente aconteceu, desencadeando a “Guerra do Século”.

Veremos agora o outro lado da questão, a emigração de europeus no sul do país. O grupo Farquhar tinha feito um negócio da China, cria na Europa uma grande propaganda enganosa na venda de acres de terra num país de futuro. Os acres são comercializados a peso de ouro aos emigrantes, sendo que já estavam desanimados com a crise e a guerra em seu continente, havendo diversas nações falidas ou a beira da falência social e econômica.

Os emigrantes chegam ao sul do país em banheiras flutuantes, que o grupo chamava-o de navio, viajando na mesma situação deplorável dos navios negreiros que trouxeram escravos do continente africano. E quando os emigrantes chegam ao sul do país, dão de cara com a dura realidade, vendo à sua frente uma terra praticamente despida de recursos naturais, logicamente com um solo de grande riqueza em recursos agropecuários. Mas mesmo assim, uma terra virgem, que com certeza teria muito trabalho à frente para deixá-la igual à terra dos sonhos. E no decorrer de sua árdua batalha diária, em tornar a terra produtiva, surgem caboclos revoltados, dizendo que aquela propriedade era sua e a queriam de volta, e que se fosse preciso iriam até as últimas conseqüências.

Caros leitores, com quem os emigrantes iriam reclamar? O grupo Farquhar já estava construindo a ferrovia Madeira Mamoré no Amazonas, tiram e levam centenas de cargas de madeiras nobres em navios para o continente europeu e americano e que os seus legítimos proprietários se contentem com o osso que lhes deixaram. Iriam reclamar com o poder republicano na época? Sendo que os parlamentares e políticos provincianos estavam mais preocupados em gastarem a sua fortuna com a alta sociedade parisiense, com o status de novos milionários. Reclamar com o Presidente da Republica na época? O mesmo estava mais preocupado em saber qual cobra seria a que lhe morderia primeiro, porque as tentativas de golpes de estado eram uma constante. O presidente tinha uma nação falida em suas mãos, mesmo assim a concorrência era enorme. Como se não bastasse os parlamentares boicotaram o seu governo, ainda um conjunto de empresários brasileiros, europeus e americanos patrocinaram revoluções centralizadas, visando desestabilizar o atual governo. Isso sem contar com a rivalidade entre os marechais e almirantes nas forças armadas brasileira. Naquela época o nosso país enfrentava um verdadeiro caos interno, transformando-se numa “torre de babel” e tendo em seu poder uma grande “caixa de pandora”. O contrato do governo republicano com o grupo Farquhar consta que, o contratante forneceria toda mão-de-obra bruta na construção da ferrovia e para o desmatamento, nos estados de São Paulo até o Rio Grande do Sul. Os cargos administrativos ficariam com os empresários americanos, além de pagar vinte e após quarenta contos de réis, cedendo o direito de explorar o transporte na linha férrea por vinte anos, tendo exclusividade e direito na renovação do contrato. Como no Brasil existia pouca mão-de-obra bruta, devido ser tarefa dos escravos libertos e o governo não querer que essa bomba explodisse em suas mãos, pois os escravos libertos não eram confiáveis para a realização do serviço. A opção que lhe restou, foi fechar um acordo com marginais da sociedade de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e os jagunços de Conselheiro na guerra de Canudos, garantindo-lhes que seriam postos em liberdade se cumprissem a sua parte. Mas ao final da ferrovia, deixam um terço jogado a sua própria sorte e na completa miséria num sertão desconhecido, enquanto os parlamentares, republicanos e o grupo Farquhar saem transportando muitos baús abarrotados de ouro. A opção que restou a esses miseráveis, excluídos da sociedade foi adaptar-se nessa terra estranha, trabalhar para os emigrantes europeus ou servir de jagunços a algum coronel. Aos demais, restou ir para a terra que vertia leite e mel, melhor dizendo, o Arraial de Bom Jesus do Taquaruçú. Um dos principais pivôs no conflito do século, na minha humilde visão, foi o coronel Albuquerque - intendente da vila de Curitibanos. O coronel era um forte comerciante e dono de terras, possuindo uma fortuna bastante considerável. Era um homem que tinha ambição pelo poder provinciano e também um temperamento violento, se fosse contrariado. Era portador de uma mania obsessiva em perseguição política, julgando que os seus adversários políticos queriam lhe tomar o poder. E para complicar mais a situação o coronel era compadre do governador de Santa Catarina, também pivô do conflito armado. Se o coronel fosse pelo menos um pouco inteligente e se estivesse preocupado com a miséria social da vila, com toda certeza não teria acontecido o conflito no contestado.

Os coronéis Felippe Schimidt e Vidal Ramos, governadores de Santa Catarina, também tiveram uma expressiva participação nos assassinatos dos errantes do século, por terem enviado tropas de soldados estaduais para exterminar, a até então fanática irmandade pacífica. Outro ponto crucial foi à cobrança tributária, que gerou mais revolta entre os pequenos fazendeiros e comerciantes, ocasionados pelo desleixo de ambos os governos na demarcação de limites entre os dois estados sulistas. À frente dessa ociosidade dos governos paranaense e catarinense, acaba se transformado numa terra de ninguém, onde os pequenos fazendeiros e comerciantes teriam de pagar os seus impostos duas vezes.

Outros governantes que acenderam o estopim da revolta foram o Dr. Afonso Alves de Camargo e Carlos Cavalcânti do Paraná, que também ficaram ociosos com a demarcação de limites entre os estados, devido não cobrar dos parlamentares e nem do próprio Presidente da República, uma solução definitiva para o problema. E para alterar mais o fato conflituoso, Dr. Afonso prestava serviços de assistência jurídica ao grupo Farquhar, causa principal na revolta dos caboclos no contestado. O governador Afonso trabalhava pelos seus próprios interesses e particulares, ficando ocioso com a crescente miséria social no sertão, empurrando os sertanejos excluídos da sociedade corrupta e capitalista, a uma guerra impossível de vencer. Em suas visões, nem que para isso os cordeiros levassem o caso até as últimas conseqüências, foi o que de fato aconteceu, a guerra do século.

A onipresença da Igreja Católica Apostólica Romana nos sertões da área contestada foi outro motivo muito marcante que agravou o conflito. O santo, Frei Rogério, fez com toda certeza, a sua parte como apóstolo de Cristo, mas uma simples andorinha sozinha não faz verão diante da imensidão do sertão catarinense. Levaria vários anos para o santo padre visitar os vilarejos mais distantes, o povo ficaria à mercê de diversas superstições e de mitos espirituais que dominavam a crendice popular do humilde caboclo.

Como toda a população do contestado encontrava-se esquecida pela Igreja Católica, há muito tempo, se entregam às crendices populares diante de sua fragilidade espiritual. Nesse momento entram os benzedores e curandeiros, principia com o monge João Maria D’Agostin que peregrinou seis anos após a Revolução Farroupilha, entre os anos de 1851 a 1856. O monge era uma pessoa muito inteligente, receitava poções e chás naturais, aconselhava o humilde sertanejo e também fazia previsões. O santo monge segundos os depoimentos na época foi em direção à Sorocaba no estado de São Paulo, após nada mais consta de concreto.

Devido ao abandono da região do rio Iguaçu até os campos de Palmas, o ditador paraguaio Francisco Solano Lópes decide invadir e tomar o território em Novembro de 1864, visando presentear uma cortesã alemã que conheceu em Paris, inclusive possuir um eixo de ligação com o Oceano Atlântico, facilitando o comércio da nação emergente. O conflito se estende até Novembro de 1870 com a morte de Solano Lópes. Vários oficiais do alto comando, anos mais tarde viriam a proclamar a república no Brasil. Evitando novas invasões estrangeiras, povoam a região com emigrantes europeus, simpatizantes e familiares de políticos, inclusive centenas de oficiais e soldados que participaram na Guerra do Paraguai. Outro fato importante, nesse conflito foi os milhares de escravos negros, com a promessa de ganhar a sua liberdade.

Nos anos de 1893 a 1895 quando acontecia a Revolução Federalista, nascida no Rio Grande do Sul, tendo como objetivo que o marechal Floriano Peixoto destituísse o presidente Júlio de Castilhos, concedendo-lhes o sagrado direito político e financeiro na província, além de estar aliado ao saudosismo Monárquico. Aparece na área contestada outro monge de nome Atanás Marcaff, muito idêntico ao monge João Maria, o qual os sertanejos acreditavam ser o mesmo santo. O monge Atanás também era muito inteligente, benzia, receitava poções e chás naturais, aconselhava e fazia muitas previsões aos sertanejos. Os mais sépticos que não acreditavam ser o monge João Maria, julgavam que era a encarnação do santo profeta.

Aproveitando as peregrinações dos monges: João Maria D’Agostin e Atanás Marcaff, ou João Maria de Jesus na área do conflito, inesperadamente surge Miguel Lucena Boaventura, vulgo José Maria, intitulando-se irmão do santo profeta, mas na realidade era um benzedor místico vindo da vila de Campos Novos. José Maria era mais um visionário e fanático com as idéias monarquistas e revolucionárias, tinha um pouco de instrução intelectual, sabia usar as palavras ao que lhe convinha, conforme os seus revolucionários pensamentos. Sendo assim, incentivou o coração doentio e místico que os desesperançados sertanejos tinham, desencadeando a guerra do contestado. O José Maria foi um mal necessário no instante e que marcou o tempo de um povo esquecido pela Igreja e pelo poder republicano.

A notícia da construção da ferrovia percorreu os quatro cantos do país, sendo um colírio para os olhos de grileiros de terra e coronéis inescrupulosos. Como se não bastassem às ameaças de pistoleiros do grupo Farquhar, surgem diversos grileiros patrocinados por inúmeros coronéis, que os ameaçavam de morte se não deixassem as suas propriedades. E após, vendiam a um preço insignificante ao grupo Farquhar, com isso aumentando a tensão no contestado.

A miséria social na área contestada levava a população menos favorecida a um mar de sacrifícios diários, assim como todos os matutos caboclos do sertão. Muitos perderam a posse de terras, e ainda os republicanos queriam tirar também a sua dignidade, como ser humano. Pois na longa história do Brasil, todos os seus governantes olhavam sempre as suas ambições e gula pelo poder, e naquela época não iria ser diferente da atual.

Certos estavam os ditados populares antigos: “Todos os políticos são cegos porque nunca vêem as necessidades e os anseios da nação” ou “Todo político não tem cérebro porque depois de eleito esquecem as propostas de campanha e quem os elegeu”. O sertanejo não tinha nenhuma perspectiva melhor de vida, porque os governantes não lhes davam essa opção, tendo somente a escolha em sobreviverem as suas vidas miseráveis no presente que tinham à frente.

Caros amigos, as causas da guerra do contestado foram muitas, mas esse acontecimento histórico deixou inúmeras seqüelas que até nos dias de hoje nos apavora, mediante tanta injustiça sofrida por esse povo do sertão, com a sua humildade intelectual, sua simplicidade de vida que não continha quase nenhuma ambição. A meu ver, meus amigos, os eternos causadores da guerra do contestado montaram a mentira do século ao resto do país, forçando os jagunços a lutar por seus direitos violentados, construindo uma grande armadilha para eles em seus mínimos detalhes, jogando-os na descrença popular por mais de noventa anos.

Meus amigos, para que vocês tenham uma explícita idéia dos fatos, a imprensa dos Estados Unidos e os países da Europa deram muitas manchetes em seus jornais, como uma injustiça imperdoável ao que se estava fazendo com o povo humilde do sertão. Eram políticos corruptos e empresários desumanos que jogavam na lama o verdadeiro sentimento humano. Uns poucos historiadores são merecedores de créditos, se esforçaram ao máximo para reverter à situação, e hoje o Brasil e todo o mundo conhecem a história que anteriormente era: “Os errantes do século” e agora conhecida como: “Os injustiçados do século”.

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Fonte (texto e imagem)
Luiz Alves: “Guerra do Contestado”, livro publicado pelo próprio autor em 2009, e disponibilizado digitalmente no site: Domínio Público (Creative Commons License)

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