A violência é tema de múltiplas investigações que se presta a inúmeras controvérsias e polêmicas. Existe uma
realidade atual inegável: o aumento das diferentes formas de violência
presentes nas sociedades contemporâneas.
Acredita-se que a violência é parte significativa do cotidiano,
assim como retrata a trajetória humana através dos tempos. Como afirma Freud (1974),
a violência é intrínseca à própria existência de uma civilização.
À medida que a violência é uma das formas de manifestação externa da
agressividade natural do homem, a história da civilização traz consigo, por
conseqüência, registros de diferentes tipos de violência. Tal agressividade,
além de fazer parte do ser humano, é vital para sua sobrevivência, visto que é
por meio dela que o homem defendeu-se e manteve-se vivo como indivíduo e como
espécie. No entanto, com a evolução do homem, a agressividade transformou-se,
acompanhando as
mudanças morais, educacionais e sociais. Segundo Santos, J.
(1996), no processo civilizatório, vincula-se a supressão da violência a uma transformação da agressividade e a um
investimento no controle social.
“A etimologia do termo
violência vem do latim violentia, que
significa violência, caráter violento ou bravio, força. Tais termos devem ser
referidos a vis, que quer dizer força,
vigor, potência, emprego de força física, mas também quantidade, abundância, essência ou
caráter essencial de uma coisa. A palavra vis significa a força em ação, o
recurso de um corpo para exercer sua força e portanto a potência, o valor, a
força vital”. Michaud (1989, p.8)
A partir da definição deste sociólogo francês, pode-se dizer que
um indivíduo usa a agressividade como
defesa para proteger a vida ou como uma forma de destruição e de ataque. Assim,
a violência, além de impulsionar uma ação construtiva que permite defender e
manter a vida, pode ser usada de forma
negativa, produzindo aumento e atuação descontrolada da mesma agressividade.
Lacan (1985), argumentando sobre a agressividade na constituição
do sujeito, afirma que é no caráter agressivo do estabelecimento dos limites
que se demarca a geografia do ser humano em formação. Para
Corso et al. (s.d., p.5),
“(...) a criatura humana tão dependente, encontra na presença
física do adulto que exerce a função de criá-lo algo de invasivo em relação ao
qual a agressividade é justamente o termo que demarca de até onde vai o um e
começa o outro.”
Conforme Gauer (1999), de um modo paradoxal existe uma escalada de
violência nos tempos atuais, ao mesmo tempo em que exige uma maior sensibilidade frente ao sofrimento humano, já
que os ícones da violência Hiroshima, a intolerância às minorias étnicas, a
fome, a deterioração generalizada das formas societárias de existência, trazem
como resultado um estado geral de indiferença, sendo encarados como simples
dados do cotidiano.
Concorda-se com Gauer (1999), Balestreri (1999) e Santos (1999) quando
esses afirmam que, sendo a sociedade atual extremamente violenta, formas mais intensas e perversas desse
fenômeno são geradas. Assim, à medida que a violência se incorpora ao
cotidiano, a sociedade, muitas vezes, é
permissiva, cúmplice e incentivadora da mesma.
Segundo Santos (1996), a violência define-se como um fenômeno cultural
e histórico. O autor (1999) enfatiza que a expansão difusa na sociedade em
processo de globalização assume várias formas e atinge grupos sociais, estando,
entre esses, a família no contexto doméstico.
Acredita-se que os diferentes modos de violência, integrantes de
cada um dos conjuntos de relação que formam o social, devem ser entendidos como atos de excesso, qualitativamente
diferentes uns dos outros, que se mostram no exercício de cada relação de poder
que configura as relações sociais.
Gauer (1999), cita que há uma dramática instabilidade dos sistemas
de valores a ponto de que a não-reação,
a não-resistência e a vulgarização da violência, da miséria e da morte alteram
as regras básicas de convívio social. O autor (op. cit., p.13) entende que “a violência significa constrangimento
físico ou moral, uso de força, coação, torcer o sentido do que já foi dito, estabelecer o contrário do
direito à justiça”. Considera-se, assim,
que esses padrões de comportamento não estão à margem da cultura, mas a
compõem, conduzindo a sociedade contemporânea a uma crueldade que se torna mais aberrante à medida
que passa a ser um elemento do
cotidiano.
Segundo Minayo (1990a), o “Centro Latino Americano de Estudos sobre a Violência e Saúde”, revisando o
assunto, estabeleceu cinco concepções principais na abordagem da violência,
conforme vem a seguir:
a) explicações biologicistas e psicologicistas que norteiam os
estudos nas áreas da Medicina,
Psiquiatria e Direito. Segundo Meneghel (1996), cabe incluir nessa corrente os
estudos epidemiológicos, pois privilegiam
explicações baseadas no modelo de risco. Para Minayo (1990a), essas informações
são criticadas, já que expressam o aumento de tendências anti-sociais na
consciência coletiva e o isolamento e a alienação dos indivíduos, antítese
entre indivíduo e sociedade. A psicologização da violência é equivocada, uma
vez que visa à humanização do social por meio do tratamento da psique humana e
o fim da discórdia social perante o aperfeiçoamento moral; b) mudanças sociais,
industrialização, urbanização e favelização como o locus da violência;
c) estudos que entendem as condutas violentas como estratégias de sobrevivência
das camadas populares, vítimas das contradições gigantes do capitalismo no país. Porém, essa
concepção, segundo análise de Meneghel (1996), deixa de lado aspectos da
violência social e cultural que têm origem em aspectos individuais;
d) o crescimento dos índices de criminalidade pela falta de um
adequado aparato repressivo do Estado. Para Meneghel (1996, p.19), essa concepção
tende a omitir o papel da violência
“como instrumento de domínio econômico das classes dominantes” percebendo o
Estado como neutro;
e) um enfoque interdisciplinar, no qual a violência estrutural
oferece um marco à violência do comportamento, pois cada faceta tem dinâmica própria,
articulando-se com as demais, ou seja, a violência de pequenos grupos
relaciona-se com a violência do Estado; a violência dos conflitos, com a ordem
estabelecida. Nesta perspectiva, Meneghel (1996, p.20), assim, observa:
“Há um constante contraste nesta maneira de estudar o fenômeno: de
um lado, procura entendê-lo na totalidade
da formação social, e do outro, na sua diferenciação e especificidade de acordo
com o tipo e aspecto a serem analisados”.
Minayo (1990b), ao referir-se à violência brasileira a classifica
em três categorias, sendo elas a violência estrutural, a violência
revolucionária ou de resistência e a
violência da delinqüência.
A violência estrutural é aquela criada pelo sistema social cujas conseqüências
são, por exemplo, a fome e o desemprego. A violência de resistência é aquela
expressa por manifestações de classes e grupos sociais discriminados, enquanto a violência da
delinqüência compreende roubos, seqüestros,
tiroteios entre gangues, delitos sobre efeito de álcool e outras drogas, etc.
Essa última é a forma mais comentada pelo senso comum.
Concorda-se com essa reconhecida socióloga brasileira (1992, p.263), para quem “a violência é uma
construção histórica que tem a cara da sociedade que a engendra”. A partir
dessa afirmação a qual me agrego, acredita-se
que são nas relações assimétricas entre o adulto e a criança, entre o marido e a mulher, socialmente
determinados, que se encontram os fundamentos da produção da violência familiar
que se perpetua. É um comportamento que
ocorre nos âmbitos coletivo e privado, configurando a violência estrutural e
das relações interpessoais. Entende-se por violência estrutural da sociedade o
acesso desigual às condições de vida e subsistência, proporcionando uma
violência reativa e reforçadora desta condição. A violência estrutural é a
determinante maior da violência familiar, pois é a que nasce das próprias relações
dentro da sociedade, criando as iniqüidades e suas conseqüências, como
discriminações. É a violência que ocorre sempre de forma velada não costuma ser
explícita e discutida; é vista como natural; - a histórica - e que, como a
própria ordem das coisas, é organizada na sociedade. É sentida e indicada por
condições alienantes de vida e de trabalho, provocando no indivíduo raiva e
frustração, descarregadas de forma agressiva na família.
Observa-se que as condições sociais atuais são muito adversas.
Vive-se em meio à miséria, ao desemprego, às guerras, ao terrorismo, aos preconceitos,
aos noticiários cotidianos banalizadores de violência. Cercados pela violência
diária, acredita-se no destino trágico da humanidade. Perplexos com o aumento
dos índices de violência, os indivíduos negam-se, muitas vezes, a refletir
sobre ela. A questão da gênese da violência afigura-se complexa e polêmica.
Santos (1999), considera que existe uma relação entre o processo
de globalização e a produção de novas formas de violência, expressa também na violência doméstica. Entretanto, neste
estudo, pretende-se fazer um pequeno recorte com algumas considerações sobre a violência,
particularmente do tipo que envolve pais
contra filhos, embora esse seja um fenômeno sempre presente em diferentes
momentos históricos e considerado, atualmente, um problema de saúde coletiva em
muitos países do mundo.
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Fonte:
SIMONE
ALGERI: “CARACTERIZAÇÃO DE FAMÍLIAS DE CRIANÇAS SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
INTRAFAMILIAR”. (Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Enfermagem da
Escola de Enfermagem da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, como requisito
parcial à obtenção do título de MESTRE em ENFERMAGEM. Orientadora: Profª. Drª
Beatriz Regina Lara dos Santos). Porto Alegre, 2001
Nota:
A imagem
inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e
referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente
catalogadas na citada obra.
O texto
postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma
compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua
totalidade.
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da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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