A Igreja Católica na Ditadura Militar


A IGREJA CATÓLICA NA DITADURA MILITAR

O ano de 1945 representou um marco para a história mundial, não apenas pelo fim da Segunda Grande Guerra. Para muitos estudiosos, a Segunda Guerra Mundial marcou a alteração das perspectivas humanas, inclusive com mudanças de paradigmas. Se antes das Guerras as pessoas respiravam o ar das transformações racionais-tecnológicas que lhes enchiam o corpo e a mente de expectativas e sonhos românticos em relação ao progresso humano, ao baixar da poeira atômica no Japão, o mundo viu-se diante de sua própria crueza.

Assim, o pós-guerra trouxe múltiplas conseqüências. Destacaremos, aqui, apenas algumas delas. Com relação ao sistema político, o mundo dividiu-se em dois grandes blocos hegemônicos. De um lado, estava o capitalismo; de outro, o bloco do socialismo real. Representavam dois lados de uma mesma moeda, qual seja, a ampliação de domínio político. O mundo estava envolto pela Guerra Fria e o espectro de um conflito apocalíptico ameaçava o mundo, principalmente os europeus, por sua proximidade geográfica. Cada um dos grandes blocos ideológicos buscava conquistar o maior número de aliados. Essa situação fez eclodir, em quase todos os continentes, um espírito de nacionalismo que, mais tarde, por via de regra, transformar-se-ia em ditaduras, através de golpes militares. Apenas para citar os mais conhecidos da América Latina, no Brasil, temos Castelo Branco e Médici; no Chile, Pinochet; na Argentina, Videla.

De 1945 a 1961, pairava, na política brasileira, um espesso e tenso ar, onde se sucederam democracia e ditadura. O recrudescimento na política da Guerra Fria fazia-se sentir também em terras brasileiras.

Resultante de uma política de propaganda bem articulada contra o governo de João Goulart, mulheres católicas realizaram, no dia 19 de março de 1964, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que reuniu em torno de 500 mil pessoas (Barros, 1999). Logo após o golpe de Estado daquele ano, foram realizadas “Marchas da Vitória” (Wanderley, 2003, p. 464). O Golpe foi apoiado pela grande maioria da hierarquia católica (Matos, 2003). Contudo, após os dois primeiros anos do regime de exceção implantado pela ditadura, e tendo parte do clero sofrido perseguições e prisões, além do assassinato de sete religiosos (Fonseca, 2002), a CNBB escreveu documentos, fazendo duras críticas ao Regime (Wanderley, 2003). Em termos de influência pública, a Igreja Católica centrou-se na crítica ao governo ditatorial, pelo desrespeito aos Direitos Humanos, à falta de liberdade e de democracia, à política econômica concentradora de riqueza e ao beneplácito ao capital estrangeiro (Barros, 2003a). As igrejas tornaram-se, então, em espaço privilegiado de reflexão e de denúncias ao Regime 66 (Löwy, 1997; Souza, 2003).

A partir de 1968, com o Ato Institucional n° 5 e o conseqüente recrudescimento do sistema repressivo, a Igreja Católica colocou-se ao lado dos perseguidos políticos. Foi realizada, em Medellín, a II Conferência Episcopal Latino-americana. Os resultados dessa Conferência foram importantes para o catolicismo brasileiro, na medida em que acentuavam uma pastoral voltada às necessidades e à organização das populações empobrecidas do país. Enfim, a Igreja imiscui-se nos movimentos sociais, motivada pela Teologia da Libertação.

Durante o governo do General Médici (1969-1974), foi criada a Comissão Bipartite, na tentativa de amenizar as tensões entre o Estado ditatorial e a Igreja Católica (Matos, 2003). Esse grupo foi idealizado e operacionalizado pelo general Antônio Carlos Muricy, reconhecidamente católico. Nas reuniões dessa Comissão, eram discutidos assuntos e propostas soluções que procurassem diminuir os conflitos entre as duas instituições. Para o historiador Serbin, representava a “‘conciliação da elite’, onde ‘homens poderosos, levados pela fé e pelo desejo de exercer poder e influência, juntaram-se para prevenir um conflito aberto, que poderia ter sérias implicações para a sociedade brasileira’” (Serbin apud Fonseca, 2002, p. 95).

No Brasil, a década de 1980 presenciou dois fatos relevantes para nosso estudo. O primeiro foi o surgimento do Partido dos Trabalhadores – PT, para onde confluíram várias tendências, intelectuais, movimentos sociais e sindicatos. Parte da militância católica aderiu a essa nova proposta partidária (Souza, 2003).

O segundo fato relevante encontra-se na visita do Papa João Paulo II ao Brasil. Meio ano após sua visita, o Pontífice escreveu uma carta, advertindo os bispos brasileiros sobre sua acentuada atuação social. Dentro do episcopado brasileiro, alguns bispos questionavam o envolvimento político da CNBB. Assim, “a Teologia da Libertação é colocada sob suspeita, até mesmo com o respaldo de documentos emanados da Congregação Romana para a Doutrina da Fé (1984)” (Matos, 2003, p. 235).

Com o processo de redemocratização do país, com a campanha das Diretas Já, em 1988, o país inaugurou uma nova fase. Um dos primeiros passos foi a instauração de uma Assembléia Constituinte, sendo que, acerca do papel da Igreja nesse contexto, está claro que a instituição religiosa

teve ativa participação em todo esse processo. A partir de estudos fecundos, ela conseguiu mobilizar milhões de pessoas, por meio de eventos e assinaturas em projetos encaminhados ao Congresso Nacional, participando de articulações com outras instituições importantes e aglutinadas no Plenário Pró-Participação Popular, discutindo propostas com os Constituintes diretamente na sede da Conferência em Brasília e em outros espaços (Wanderley apud Matos, 2003, p. 238).




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Fonte:
VALDIR PEDDE: “CABEÇA, SIM; CAUDA, NÃO!”: Um estudo antropológico sobre os evangélicos na Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul”. M(UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL. Tese apresentada no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para a obtenção do título de Doutor Orientador: Prof. Dr. Ari Pedro Oro). Porto Alegre, 2005.

Imagem:
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Notas:
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