A TELEVISÃO NO BRASIL


 A televisão no Brasil

Os brasileiros não vivem sem a televisão, constatação facilmente comprovada pela quantidade de aparelhos de televisão que existem nos muitos lares do nosso País. Segundo dados do último censo do IBGE, de 2001, há televisores em cerca de 87% (38.906.707) dos domicílios brasileiros. Sem contar os inúmeros aparelhos que são encontrados em empresas e locais de trabalho e lazer, através dos quais as pessoas que não possuem televisor em casa podem usufruir das vantagens e comodidades desse fantástico veículo de comunicação.

São 170 milhões de telespectadores. A partir do início da década de 1950, o Brasil tornou -se o país da televisão, num processo de conquista que começou quando as câmeras da PRF3 – TV, a extinta Tupi de São Paulo, deram início à sedução. O país abraçou com gosto o eletrodoméstico, que determina padrões estéticos, modifica a linguagem popular, dita comportamentos, oferece entretenimento fácil e, no fundo, não quer ser nada mais que uma luminosa e colorida vitrine para a venda de produtos e serviços (REVISTA CULT, 2007, p. 40).

Nascida oficialmente a 18 de setembro de 1950, em São Paulo, com o nome de PRF-3 TV Tupi-Difusora, Canal 3, a TV Tupi foi a primeira emissora de televisão brasileira, e também a primeira da América Latina. A TV Tupi fazia parte dos Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, os quais se constituíram num império da comunicação que chegou a compreender quase 100 empresas entre jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, além de uma editora, de duas agências de notícia entre outros empreendimentos.

Na noite histórica da primeira transmissão oficial, um show de variedades foi transmitido para pouco mais de 200 televisores, contrabandeados e distribuídos pelo lendário Assis Chateaubriand para políticos, empresários e amigos. Um ano e alguns meses depois (Simões, apud Reimão, 2000), o Brasil já fabricava seus próprios aparelhos de televisão – os televisores Invictus, e calcula-se que já existiam no País cerca de sete mil aparelhos.

Nos primeiros anos de televisão no Brasil, eram exibidos teleteatros, telefilmes, seriados estrangeiros, shows que copiavam modelos radiofônicos e alguns programas inspirados em produções da TV americana, a qual já funcionava desde 1941. Nessa época, a televisão ainda era um produto que somente as classes abastadas possuíam condições de comprar, e a própria programação das emissoras refletia o poder aquisitivo dos telespectadores:

A programação da TV brasileira em seus primeiros anos é considerada como tendo sido “elitista” devido à apresentação, em teleteatros, de textos de teatro clássico e de vanguarda, e por apresentar também alguns programas de música erudita. Nestes primeiros anos, o próprio aparelho de TV era um objeto apenas possuído por uma elite (REIMÃO, 2000, p.69).

Essa percepção de que a televisão tenha surgido como um produto elitista, no entanto, pode ser questionada diante de dados que dão conta de como as primeiras exibições foram abertas ao público nas grandes lojas, ou do quanto era comum as pessoas que não dispunham de aparelho de TV se reunirem na casa de vizinhos e amigos, para assistirem a telenovelas ou a programas de auditório.

Além disso, há que se ter um certo cuidado com o uso da expressão elitismo ao se falar de televisão, tanto em função do quanto seu consumo se ampliou e se popularizou com o tempo quanto devido ao caráter quase imensurável que caracteriza seu alcance Brasil afora:

A verdade é que a televisão opera numa tal escala de audiência, que nela o conceito de “elitismo” fica completamente deslocado. Mesmo o produto mais “difícil”, mais sofisticado e seletivo encontra sempre na televisão um público de massa. A mais baixa audiência de televisão é, ainda assim, uma audiência de várias centenas de milhares de telespectadores, e, portanto, muito superior a mais massiva audiência de qualquer outro meio, equivalente à performance comercial de um best seller na área da literatura (MACHADO, 2001, p. 30).

Segundo Reimão (2000), de 1950 a 1964 a TV concentrava-se no Rio de Janeiro e em São Paulo, e a partir de 1964 ela começa a se expandir por todo o território nacional. Apesar do maior alcance geográfico da televisão, a programação passou a ter sua produção concentrada nas grandes cidades, principalmente a partir do surgimento das gravações em videoteipe. Se de 1950 a 1964 havia duas grandes emissoras que concorriam pela conquista da audiência — TV Tupi e TV Record —, a partir da metade da década de 70 a Rede Globo de Televisão alcançou o primeiro lugar na preferência dos telespectadores, conseguindo assim uma hegemonia no campo da comunicação brasileira, até hoje mantida.

Com o passar do tempo, a televisão se tornou utensílio indispensável para a grande maioria das pessoas, as quais inclusive já estabeleceram uma relação de dependência com esse eletrodoméstico que ocupa lugar de destaque nas residências. Pelo menos uma vez ao dia, em algum momento de folga ou de intervalo entre as atividades, as pessoas ligam a televisão, mesmo que seja para dar uma “passada” geral por vários canais, sem se deter em nenhum.

No entanto, essa prática, comumente chamada de zapping, vem modificando a relação do público com a TV e com a própria concepção de televisão, não mais essencialmente constituída apenas pela imagem, mas também pelo ritmo e pela diversidade de suas imagens.

Os alarmados executivos de emissoras e agências de publicidade vêem no zapping um atentado à lealdade que os espectadores deveriam continuar cultivando. Contudo, seria razoável aceitarem o fato de que hoje, sem o zapping, ninguém mais assistiria à televisão. O que até quase meio século era uma atração baseada na imagem converteu -se numa atração sustentada na velocidade (SARLO, 1997a, p. 58).

De qualquer maneira, mesmo sendo a televisão uma atração que se sustenta na velocidade — e talvez justamente por fazer uso do dinamismo que é inerente a essa velocidade —, o contato que ela estabelece com o telespectador segue sendo intenso, uma vez que, mesmo dividindo espaço com outras formas de comunicação, ela continua imbuída de um poder imensurável de informar e entreter as pessoas.

A importância que foi sendo dada à televisão como espaço privilegiado para a informação e o entretenimento fez com que ela alcançasse, no Brasil, a audiência expressiva que mantém até hoje. Em função disso, pode-se dizer que, para se tornar pública e chegar até as pessoas, uma informação, por exemplo, tem que ser noticiada  pela TV, caso contrário corre o risco de ser ignorada ou ter sua credibilidade questionada:

A televisão penetrou tão profundamente na vida política das nações, espetacularizou de tal forma o corpo social, que nada mais lhe pode ser “exterior”, pois tudo o que acontece de alguma forma pressupõe a sua mediação, acontece portanto para a tevê. Aquilo que não passa pela mídia eletrônica torna-se estranho ao conhecimento e à sensibilidade do homem contemporâneo (MACHADO, 1990, p.8).

Diante dessas reflexões, percebe-se que ao homem contemporâneo tornam-se mais ou menos conhecidos, mais ou menos próximos e cotidianos os assuntos dos quais trata a televisão, uma vez que ela, de acordo com Sarlo (1997a, p. 83), “faz circular tudo o que pode ser convertido em assunto: desde os costumes sexuais até a política. E também reduz à poeira do esquecimento os assuntos de que não trata: desde os costumes sexuais até a política”.

Diante dessas noções de circulação e de esquecimento de determinados assuntos, é possível afirmar que o homem contemporâneo brasileiro conta com a presença de mais de 50 anos, em crescente ampliação, do domínio da televisão. Muito do que sabemos de nós mesmos, do País e do mundo nos foi informado e revelado através dos telejornais, dos programas jornalísticos, dos filmes, das telenovelas e seriados apresentados pela TV. Rosa Maria Bueno Fischer ressalta o quanto os modos de conhecer o mundo e de se relacionar com a vida do homem estão ligados à produção, veiculação e consumo intermediados pela televisão:

Pode-se dizer que a TV, ou seja, todo esse complexo aparato cultural e econômico – de produção, veiculação e consumo de imagens e sons, informação, publicidade e divertimento, com uma linguagem própria – é parte integrante e fundamental de processos de produção e circulação de significações e sentidos, os quais, por sua vez estão relacionados a modos de ser, a modos de pensar, a modos de conhecer o mundo, de se relacionar com a vida (FISCHER, 2001, p.15).

Conflitos como a Guerra do Golfo ou a recente Guerra do Iraque, por exemplo, os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos EUA ou o acidente com o avião da TAM ocorrido no Brasil em julho de 2007, jamais teriam os mesmos efeitos, em nível de informação e comoção, se não tivessem tido seus sons e imagens acompanhados quase que simultaneamente por milhões de pessoas, em todas as partes do mundo. A transmissão praticamente imediata dessas tragédias humanas, bem como a divulgação de possíveis causas e culpados envolvidos nesses conflitos, fornece aos telespectadores ideias e percepções específicas, quando não incentiva julgamentos e conclusões equivocadas.

Pode-se dizer que são os sons e as imagens os principais responsáveis pelo domínio e encantamento da televisão sobre as pessoas, uma vez que eles revestem fatos e circunstâncias de forte apelo dramático, extrema visibilidade e uma sedutora aura de magia e emotividade.

Os sons e as imagens também participam do processo de construção da identidade das pessoas e participam de sua constituição subjetiva, de modo que os brasileiros podem ser definidos em grande parte a partir do que costumam assistir na televisão, nesse mais de meio século de programação. Segundo Rosa Fischer, trata-se de

(...) modos de existência narrados através de sons e imagens que, a meu ver, têm uma participação significativa na vida das pessoas, uma vez que de algum modo pautam, orientam, interpelam o cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros – ou seja, participam da produção de sua identidade individual e cultural e operam sobre a constituição de sua subjetividade (FISCHER, 2001, p.16).

Levando-se em consideração que, desde muito cedo, a televisão brasileira ofereceu uma incrível variedade de produções ficcionais, capazes de mobilizarem o interesse de um público surpreendente, como no caso da telenovela Selva de Pedra (1972), cujo capítulo 152 atingiu 100% de audiência dos televisores ligados, fica evidente a participação da teledramaturgia brasileira na rotina das pessoas e no desenvolvimento de sua identidade. Mais do que servir como distração ou mero instrumento de descanso mental, após um dia árduo de serviço, as telenovelas e minisséries contribuem para práticas de interlocução dos telespectadores. Estes, mesmo sem conversarem com a pessoa ao seu lado, partilham ideias, emoções e posturas com os demais telespectadores de todo o País, construindo de forma coletiva e quase imperceptível uma subjetividade comum a milhares de brasileiros.

Essa subjetividade é caracterizada por uma constante e árdua busca de compreensão e reconstrução do conflito entre razão e emoção, entre imaginário e realidade, entre o objetivo e o subjetivo. Pode-se dizer, então, que muitas produções da televisão, principalmente as telenovelas e as minisséries, têm em comum, com os demais textos culturais produzidos pela sociedade, a importância de participarem de formas de reelaborar esse conflito:

Nascem, então, as narrativas míticas, que partem como resposta ao eterno conflito entre bem e mal, vida e morte, herói e anti-herói; numa trama básica que vai se complexificando, normalmente, em tramas paralelas, gerando num segundo momento matrizes ternárias, quaternárias e outras (CONTRERA, 1996, p.76).

Com isso, pode-se entender um pouco mais do sucesso das telenovelas e demais histórias, representadas pela teledramaturgia brasileira, nas quais os embates entre valores sociais e culturais e as distâncias entre espaços físicos e econômicos, aspectos sempre acentuados nas peripécias dos personagens, apresentam-se como fortes ilustrações de dramas e desejos, próprios da vida de cada telespectador.

Seduzidos tanto pelo mote principal quanto pelas tramas secundárias das produções da teledramaturgia, os brasileiros têm demonstrado uma surpreendente fidelidade a esse gênero televisivo, creditando à televisão um papel importante, como instrumento de expressão e de reflexo da realidade. Qual a intensidade e a importância dessa realidade, transformada em ficção, bem como quais os elementos dessa transposição do dia-a-dia “real” para um cotidiano imaginário, que de fato falam da sociedade brasileira, são temas que precisam ser analisados e discutidos, associados, principalmente, aos constantes debates acerca da qualidade da televisão.

Muito se tem dito, praticamente desde que a televisão surgiu, a respeito de críticas aos programas televisivos e à sua suposta falta de qualidade, os problemas em relação ao excesso de violência ou de cenas de sexo, bem como acerca de abordagens muitas vezes parciais de determinadas situações. Em meio a essas polêmicas, com frequência o termo “televisão de qualidade” é usado de forma equivocada, como diz Arlindo Machado:

Ademais, a expressão televisão de qualidade nem sempre é utilizada no mesmo sentido por todos. Para alguns, ela pode estar servindo apenas de rótulo para designar uma televisão meramente pedagógica, segundo o modelo das televisões estatais oficialmente encarregadas da educação infanto-juvenil, enquanto para as forças mais conservadoras ela pode estar servindo também de bandeira para a defesa de valores moralistas na televisão. O público mais careta, por exemplo, que está constantemente reivindicando restrições à exploração de sexo, violência e palavrão na tela, também chama de “qualitativa” a televisão que eles querem: uma televisão asséptica, destilada dos problemas e desligada da vida real (MACHADO, 2001, p.13).

Mesmo que, por um lado, os discursos sobre uma televisão de qualidade preconizem seu caráter mais pedagógico ou uma “programação educativa”, ou que, por outro, condenem a exploração da violência, das mazelas humanas ou da vulgaridade, todos eles parecem correr o risco de defender uma televisão que, preocupada demais em ensinar ou difundir valores morais, acabe por se tornar distante da realidade e apartada de questões do cotidiano.

Nesse sentido, é importante destacar que a busca de qualidade em televisão, por mais complexo que seja esse processo, exige da programação um compromisso com a “vida real”, com as problemáticas do dia-a-dia e com todas as diversidades brasileiras de ordem social, cultural e política. Além disso, também é necessário que a televisão paute seus produtos por uma ética, por mais que esse conceito seja tensionado constantemente, conforme analisa o jornalista Eugênio Bucci:

Não há programação ideal no sentido da ética. A tensão sempre deve existir. Ela é própria da dinâmica linguística, da dinâmica da cultura, da dinâmica dos costumes e da própria política. O ideal é que as pontes de diálogo subsistam (REVISTA CULT, 2007, p. 44).

São as pontes de diálogo que podem garantir ao ritmo próprio da televisão a reflexão sobre sua programação, de modo a manter questões como a ética e a qualidade sempre em constante reavaliação, a qual se torna fundamental, tendo em vista os inúmeros casos de invasão de privacidade, de falso moralismo ou de ausência de equidistância em batalhas eleitorais, sobre os quais reflete o filósofo Vladimir Safatle:

(...) a verdadeira questão que envolve toda a ética da comunicação de massa diz respeito à exigência de criação de espaços onde a diferença (política, religiosa, ideológica, cultural) não seja tratada de maneira estereotipada e espetacularizada (REVISTA CULT, 2007, p. 43).

A criação de espaços para as diferenças de toda ordem, bem como a abordagem dessas diferenças de maneira respeitosa e honesta, evitando a criação e a reiteração de estereótipos e a espetacularização das graças e desgraças alheias, se configura como possibilidade de alcançar uma televisão cuja programação possa se aproximar cada vez mais da idealização que se faz dela.

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Fonte:
Fernando Favaretto: “A literatura de Ariano Suassuna na TV: um estudo de formação estética”. (Dissertação apresentado ao Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª Drª Rosa Maria Bueno Fischer). Porto Alegre, 2008.

Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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