História da verdade, invenção e origem
Não obstante essa constatação, não
devemos ignorar o fato de que o indivíduo não se “esgota nas formas de
subjetivação; ele, enquanto pessoa, é sempre inexaurível pela racionalidade,
seja instrumental ou emancipadora, não pode ser determinado de modo absoluto
por nenhum dispositivo de poder” (BARTOLOMÉ RUIZ, 2004c, p. 64).
Feito esse parênteses, voltamos à
temática inicial para dizer que, dentre as diversas práticas sociais
existentes, a história das práticas judiciárias, especificamente no que se
refere sua evolução no campo do direito penal, coloca-se como de primeira
importância. Em direção a essa história, veremos o curso das questões aqui
debatidas.
Cumpre assinalar que às práticas
sociais estão associados domínios de saber. Ou melhor, a partir de práticas
sociais se fez possível a formação de domínios de saber. De que maneira se deu
isso? No caso do século XIX, Foucault nos mostrará o aparecimento de um novo
saber acerca do homem, viabilizado por práticas sociais de controle e
vigilância. Ao mesmo tempo, essas práticas de vigilância e controle fizeram
nascer um novo sujeito de conhecimento. A hipótese que se apresenta é a de que,
com a formação da sociedade capitalista,
com o aparecimento de determinadas práticas sociais, deu-se o aparecimento de
novos saberes e, por fim, de uma reelaboração da teoria do sujeito.
As práticas judiciárias, pois –
voltamos a elas –, constituem uma das formas pelas quais a sociedade ocidental
definiu tipos de subjetividade, formas de saber e, por conseguinte, relações
entre o homem e a verdade. A sociologia, a psicoterapia, a psicanálise, a
criminologia, portanto, são exemplos desses saberes que foram constituídos em
simultaneidade a certo número de controles políticos e sociais, no momento da
formação da sociedade capitalista. A “história-genealogia” de Foucault, não se
deve olvidar, vai se preocupar com a narrativa das práticas, ou seja, “as
tramas que ela narra são a história das práticas em que os homens enxergaram
verdades e das suas lutas em torno dessas verdades” (VEYNE, 1998, 280).
A proposta de Foucault parte –
seguindo o que já havia sido apresentado quando tratamos do tema do poder em
Foucault e, especificamente, da genealogia do poder, bem como quando fizemos
uma aproximação entre Nietzsche e Foucault – de uma premissa: na raiz do
conhecimento há algo como o ódio, a luta, a relação de poder. Esse argumento
remonta uma proposta nietzscheana, que sustenta que “para conhecer o
conhecimento” (...) “devemos nos aproximar, não dos filósofos, mas dos políticos,
devemos compreender as relações de luta e de poder” (FOUCAULT, 2005a, p. 23).
Em outros termos, Foucault pretende fazer uma história política do
conhecimento. Senão, vejamos o que nos diz o autor:
Quando Nietzsche fala que o
conhecimento é sempre uma perspectiva ele não quer dizer, no que seria uma
mistura de kantismo e empirismo, que o conhecimento se encontra limitado no
homem por um certo número de condições, de limites derivados da natureza
humana, do corpo humano ou da própria estrutura do conhecimento. Nietzsche quer
designar o fato de que só há conhecimento sob a forma de um certo número de
atos que são diferentes entre si e múltiplos em sua essência, atos pelos quais
o ser humano se apodera violentamente de um certo número de coisas, reage a um certo
número de situações, lhes impõe relações de força. Ou seja, o conhecimento é
sempre uma certa relação estratégica em que o homem se encontra situado. É essa
relação que vai definir o efeito de conhecimento e por isso seria totalmente
contraditório imaginar um conhecimento que não fosse em sua natureza
obrigatoriamente parcial, oblíquo, perspectivo. O caráter perspectivo do
conhecimento não deriva da natureza humana, mas sempre do caráter polêmico e
estratégico do conhecimento. (FOUCAULT, 2005a, p. 25)
Em suma, não há continuidade entre
conhecimento e mundo a conhecer, bem como não há continuidade entre
conhecimento e natureza humana. Desenha-se, portanto, um caráter perspectivo ao
conhecimento.
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Fonte:
TIAGO
CARDOSO: “A ARTE DE GOVERNAR NA
FILOSOFIA DE MICHEL FOUCAULT: O BIOPODER, O INIMIGO E O RACISMO”. (Dissertação
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia — PPGFilo da Área de
Ciências Humanas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos — UNISINOS, para obtenção do título de MESTRE EM
FILOSOFIA. Orientador Prof. Dr. Alfredo Santiago Culleton). São Leopoldo,
2008.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
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