HISTÓRIA DA VERDADE, INVENÇÃO E ORIGEM



História da verdade, invenção e origem

A constituição do sujeito, em outras palavras, a constituição da subjetividade no interior da história tem como condição de possibilidade um cenário de práticas sociais. Nesse contexto histórico de determinadas práticas sociais estão inscritas as condições de possibilidade, portanto, para a formação, para a constituição do sujeito. Nesse sentido, temos que afirmar que a singularidade histórica do indivíduo, sua personalidade, se origina de um determinado tipo de subjetivação. Ou seja, aquilo que o constitui como indivíduo, sua identidade, é algo histórico; ela/ele, identidade e indivíduo, são construídos a partir dum universo de valores, práticas que lhes permitem realizar-se de modo singular. (BARTOLOMÉ RUIZ, 2004c, p. 65)

Não obstante essa constatação, não devemos ignorar o fato de que o indivíduo não se “esgota nas formas de subjetivação; ele, enquanto pessoa, é sempre inexaurível pela racionalidade, seja instrumental ou emancipadora, não pode ser determinado de modo absoluto por nenhum dispositivo de poder” (BARTOLOMÉ RUIZ, 2004c, p. 64).

Feito esse parênteses, voltamos à temática inicial para dizer que, dentre as diversas práticas sociais existentes, a história das práticas judiciárias, especificamente no que se refere sua evolução no campo do direito penal, coloca-se como de primeira importância. Em direção a essa história, veremos o curso das questões aqui debatidas.

Cumpre assinalar que às práticas sociais estão associados domínios de saber. Ou melhor, a partir de práticas sociais se fez possível a formação de domínios de saber. De que maneira se deu isso? No caso do século XIX, Foucault nos mostrará o aparecimento de um novo saber acerca do homem, viabilizado por práticas sociais de controle e vigilância. Ao mesmo tempo, essas práticas de vigilância e controle fizeram nascer um novo sujeito de conhecimento. A hipótese que se apresenta é a de que, com a formação da sociedade  capitalista, com o aparecimento de determinadas práticas sociais, deu-se o aparecimento de novos saberes e, por fim, de uma reelaboração da teoria do sujeito.

As práticas judiciárias, pois – voltamos a elas –, constituem uma das formas pelas quais a sociedade ocidental definiu tipos de subjetividade, formas de saber e, por conseguinte, relações entre o homem e a verdade. A sociologia, a psicoterapia, a psicanálise, a criminologia, portanto, são exemplos desses saberes que foram constituídos em simultaneidade a certo número de controles políticos e sociais, no momento da formação da sociedade capitalista. A “história-genealogia” de Foucault, não se deve olvidar, vai se preocupar com a narrativa das práticas, ou seja, “as tramas que ela narra são a história das práticas em que os homens enxergaram verdades e das suas lutas em torno dessas verdades” (VEYNE, 1998, 280).

A proposta de Foucault parte – seguindo o que já havia sido apresentado quando tratamos do tema do poder em Foucault e, especificamente, da genealogia do poder, bem como quando fizemos uma aproximação entre Nietzsche e Foucault – de uma premissa: na raiz do conhecimento há algo como o ódio, a luta, a relação de poder. Esse argumento remonta uma proposta nietzscheana, que sustenta que “para conhecer o conhecimento” (...) “devemos nos aproximar, não dos filósofos, mas dos políticos, devemos compreender as relações de luta e de poder” (FOUCAULT, 2005a, p. 23). Em outros termos, Foucault pretende fazer uma história política do conhecimento. Senão, vejamos o que nos diz o autor:

Quando Nietzsche fala que o conhecimento é sempre uma perspectiva ele não quer dizer, no que seria uma mistura de kantismo e empirismo, que o conhecimento se encontra limitado no homem por um certo número de condições, de limites derivados da natureza humana, do corpo humano ou da própria estrutura do conhecimento. Nietzsche quer designar o fato de que só há conhecimento sob a forma de um certo número de atos que são diferentes entre si e múltiplos em sua essência, atos pelos quais o ser humano se apodera violentamente de um certo número de coisas, reage a um certo número de situações, lhes impõe relações de força. Ou seja, o conhecimento é sempre uma certa relação estratégica em que o homem se encontra situado. É essa relação que vai definir o efeito de conhecimento e por isso seria totalmente contraditório imaginar um conhecimento que não fosse em sua natureza obrigatoriamente parcial, oblíquo, perspectivo. O caráter perspectivo do conhecimento não deriva da natureza humana, mas sempre do caráter polêmico e estratégico do conhecimento. (FOUCAULT, 2005a, p. 25)

Em suma, não há continuidade entre conhecimento e mundo a conhecer, bem como não há continuidade entre conhecimento e natureza humana. Desenha-se, portanto, um caráter perspectivo ao conhecimento.


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Fonte:
TIAGO CARDOSO: “A ARTE DE GOVERNAR NA FILOSOFIA DE MICHEL FOUCAULT: O BIOPODER, O INIMIGO E O RACISMO”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia — PPGFilo da Área de Ciências Humanas da Universidade do Vale do Rio      dos      Sinos  — UNISINOS, para obtenção do título         de        MESTRE       EM FILOSOFIA. Orientador Prof.            Dr.      Alfredo Santiago Culleton). São Leopoldo, 2008.

Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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