Segundo Stephen Jay Gould, em “A Falsa Medida do Homem”, “O conceito de evolução transformou o pensamento durante o decorrer do século XIX. Quase todas as questões referentes às ciências da vida foram reformuladas à luz desse conceito. Até então, nenhuma idéia havia sido objeto de um uso, ou de um abuso, tão generalizado (por exemplo, o "darwinismo social", ou seja, o uso da teoria evolucionista para apresentar a pobreza como algo inevitável). Tanto nos criacionistas (Agassiz e Morton) quanto os evolucionistas (Broca e Galton) puderam explorar os dados a respeito do tamanho do cérebro para estabelecer distinções falsas e ofensivas entre grupos humanos. Mas outros argumentos quantitativos surgiram como apêndices da teoria evolucionista” (p. 111).
E uma das conseqüências oriunda do surgimento dos conceitos evolutivos de Charles Darwin refere-se à busca de provas que pudessem demonstrar a ascendência gradual e progressiva do ser humano. Para isso passou a haver entre grupos darwinistas um forte interesse por pesquisar traços simiescos nos selvagens, e mais propriamente nos negros africanos, traços esses que servissem como exemplos de intermediação evolutiva entre os chimpanzés e os brancos.
Não foi á toa que em 1904 um pigmeu chamado Ota Benga fora capturado no Congo por Samuel Verner, sendo levado para os Estados Unidos e em seguida exposto no Museu de História Natural de Nova Iorque e, mais tarde, no Zoológico do Bronx, onde foi apresentado como sendo um representante da evolução homem-macaco (o “mais antigo ancestral do ser humano") dividindo uma jaula com um orangotango.
Observe o que noticiou o New York Times naquele momento:
“Domingo no parque havia 40.000 visitantes. Quase todos, homens e mulheres foram até a jaula onde estavam os macacos para ver a principal atração, o homem selvagem da África. O dia todo ele foi importunado com gritos e gracejos. Alguns lhe pressionavam as costelas, outros o derrubava e riam muito dele”.
E o New York Daily Tribune:
"A exibição de um pigmeu africano ao lado de um orangotango na mesma jaula em um Zoológico de Nova York, na semana passada, suscitou muitas críticas. Algumas pessoas declararam que a intenção do diretor Hornaday era demonstrar uma estreita relação entre os negros e os macacos. O doutor Hornaday negou: 'Se o pequeno sujeito esta na jaula', disse, 'é porque ali está mais confortável e porque estamos em dúvida a respeito do que fazer com ele'”.
Fonte:
Philips Verner Bradford, Harvery Blume, Ota Benga, The Pygmy in the Zoo, Canada, October 1993, p. 267, 266.
Sim, é bem verdade que o racismo não é um fenômeno exclusivo do darwinismo social. Absolutamente. Bem antes de Darwin, muitas das religiões oficializadas desempenharam seu devido papel neste âmbito deplorável. Porém, como bem escreveu Stephen Jay Gould, em se livro anteriormente citado (“A Falsa Medida do Homem”):
“A teoria evolucionista eliminou a base criacionista que sustentava o intenso debate entre os monogenistas e os poligenistas, mas satisfez ambas as partes proporcionando-lhes uma justificação ainda melhor para o racismo de que ambas compartilhavam.Os monogenistas continuaram a estabelecer hierarquias lineares das raças segundo seus respectivos valores mentais e morais; os poligenistas tiveram então de admitir a existência de um ancestral comum perdido nas brumas da pré-história, mas afirmavam que as raças haviam estado separadas durante um tempo suficientemente prolongado para desenvolver diferenças hereditárias significativas quanto ao talento e à inteligência.
O historiador da antropologia George Stocking escre ve (1973, p. 1XX) que "as tensões intelectuais resultantes foram resolvidas depois de 1859 por um evolucionismo amplo que era, ao mesmo tempo, monogenista e racista, e que confirmava a unidade humana mesmo quando relegava o selvagem de pele escura a uma posição muito próxima à do macaco".
A segunda metade do século XIX não foi apenas a era da evolução na antropologia. Outra corrente, igualmente irresistível, contaminou o campo das ciências humanas: a fascinação pelos números, a fé em que as medições rigorosas poderiam garantir uma precisão irrefutável e seriam capazes de marcar a transição entre a especulação subjetiva e uma verdadeira ciência, tão digna quanto a física newtoniana. A evolução e a quantificação formaram uma temível aliança” (p. 65).
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