Darwin também é literatura!

Por:

Eça de Queiroz, em "Crônicas de Londres" ( Londres, 15 de Agosto de 1877):


Notícias do amigo Pongo.

"Está ótimo. Como parecia aborrecer-se bastante, os sábios, que o vigiam zelosamente, resolveram cercá-lo de alguma sociedade. Vieram dos jardins zoológicos três chimpanzés para lhe fazerem – ia quase a dizer, a partida de whist –, para lhe fazerem companhia ao jantar e falarem das queridas florestas de África. Um dos chimpanzés é engraçado como um clown e estróina como um lorde: desde a sua chegada, a casa do amigo Pongo ressoa de gritos, vacila com os pulos, vibra de toda a ágil, espirituosa, ladina inquietação do faceto chimpanzé. Pongo aprecia esta vivacidade, e tem por ele uma estima refletida e protetora: faz em geral, aos seus três hóspedes, as honras da casa com benevolência, mas as delicadezas mais especiais são para esse chimpanzé: se lhe dão charutos, oferece-lhe sempre o maior; há dias deram-lhe um chapéu e o excelente Pongo foi logo enterrá-lo na cômica cabeça do seu amigo, recuando um pouco, depois de saborear a pilhéria daquela toilette humana. Quando bebe, passa-lhe logo em seguida o copo, gravemente, com um sorriso. Agora uma coisa extraordinária: Mr. Pongo detesta Darwin!


Darwin é, como sabem (é quase ridículo lembrá-lo), o grande filósofo e naturalista que primeiro estabeleceu a teoria da descendência do homem, e declarou-o nascido diretamente do macaco. Parecia natural que Pongo, vendo pela primeira vez o sábio ilustre que lhe deu uma tão alta posição na criação, fazendo-o pai do gênero humano, lhe daria ao menos um
shakehands cordial. Pois não senhor! Detesta-o. Com uma ingratidão africana, apenas o avista, franze a testa, arreganha os dentes, fita-o, volta-lhe as costas. E todavia se há uma bela e doce fisionomia, é a de Darwin com a sua longa barba branca! A amizade de Pongo é pelo ilustre professor Tyndall: quando o vê, atira-se- lhe aos braços e, com uma ideia infame da limpeza do grande sábio, começa a catá-lo com frenesi! E o que Tyndall ri! Comoveu-me, há dias, ver Darwin, e Tyndall, e Fawcett, e outros sábios famosos, honra e esplendor da humanidade, virem fazer a sua visita de amizade a este venerável avô da raça humana! Mas francamente, a atitude do gorila para com Darwin chocou-me. Estimo-o talvez menos. E a única explicação é esta: Pongo conhece que Darwin o declarou pai do homem: e Pongo, que já tem viajado bastante, que esteve em Berlim, que conhece a população toda de Londres, que tem feito observações prolongadas sobre o homem, está furioso com Darwin e com a sua teoria. «O quê!», pensa ele; «isto, este ser de chapéu alto e luneta no olho, que paga um xelim para me vir ver, é que é o meu descendente? E a isto que Darwin chama um gorila aperfeiçoado? Mas esse sábio não tem então escrúpulo em lançar uma nódoa infamante na respeitável classe dos gorilas? Esse sábio é um mau homem!» E volta-lhe as costas. A razão é clara: ele não o considera um observador profundo, acha-o um reles caluniador!"


É "iço"! ((rs))

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