Darwin no divã de Freud

O que poderia haver de comum entre o freudismo e o darwinismo e a Seleção Natural e o complexo de Édipo?

Bem. Da mesma forma que Sigmund Freud reduziu tudo no complexo de Édipo, Charles Darwin sintetizou na Seleção Natural a origem e o fim de todas as cousas. Tanto o complexo de Édipo quanto a Seleção Natural são conceitos redutivistas, circulares e totalitários. Ademais, ambas as idéias sofrem do mesmo dilema da irrefutabilidade, isto é, não podem ser submetidas a testes ou corroboradas pela prova empírica. A especulação é assim preponderantemente a mola-mestra tanto do darwinismo quanto do freudismo. Outra característica comum entre ambos os conceitos refere-se à influência ideológica que exerceram e ainda exercem sobre a sociedade de um modo em geral. Tem-se ainda em comum a postura ditatorial exercida para com aqueles que se esforçam por oferecer novas alternativas aos dogmas estabelecidos. Acrescente-se ainda a tudo isso, as constantes menções que Freud sempre fez em relação às idéias de Darwin, a quem denominou de “grande Darwin”. Por exemplo:

Em:Sobre a psicopatologia da vida cotidiana”:
“- O grande Darwin estabeleceu uma “regra de ouro” para o trabalhador científico, baseada em seu discernimento do papel desempenhado pelo desprazer como motivo para o esquecimento” (p. 98).

Em: Totem e tabu e outros trabalhos”:
“Essa tentativa baseia-se numa hipótese de Charles Darwin sobre o estado social dos homens primitivos. Deduziu ele dos hábitos dos símios superiores, que também o homem vivia originalmente em grupos ou hordas relativamente pequenos, dentro dos quais o ciúme do macho mais velho e mais forte impedia a promiscuidade sexual. ‘Podemos na verdade concluir, do que sabemos do ciúme de todos os quadrúpedes masculinos, armados, como muitos se acham, de armas especiais para bater-se com os rivais, que as relações sexuais promíscuas em um estado natural são extremamente improváveis (…) Dessa maneira, se olharmos bastante para trás na corrente do tempo (…) a julgar pelos hábitos sociais do homem, tal como ele hoje existe (…) a visão mais provável é que o homem primevo vivia originalmente em pequenas comunidades, cada um com tantas esposas quantas podia sustentar e obter, as quais zelosamente guardava contra todos os outros homens. Ou pode ter vivido sozinho com diversas esposas, como o gorila, pois todos os antigos “concordam que apenas um macho adulto é visto num grupo; quando o macho novo cresce, há uma disputa pelo domínio, e o mais forte, matando ou expulsando os outros, estabelece-se como chefe da comunidade”. (Dr. Savage, no Boston Journal of Nat. Hist., vol. V, 1845-7, p. 423.) Os machos mais novos, sendo assim expulsos e forçados a vaguear por outros lugares, quando por fim conseguiam encontrar uma companheira, preveniram também uma endogamia muito estreita dentro dos limites da mesma família.’ (Darwin, 1871, 2, 362 e seg.)
Atkinson parece ter sido o primeiro a perceber que a conseqüência prática das condições reinantes na horda primeva de Darwin deve ter sido a exogamia para os jovens do sexo masculino. Cada um deles poderia, depois de ter sido expulso, estabelecer uma horda semelhante, na qual a mesma proibição sobre as relações sexuais imperaria, por causa do ciúme do líder. Com o decorrer do tempo, isto produziria o que se tornaria uma lei consciente: ‘Nenhuma relação sexual entre os que partilham de um lar comum’. Após o estabelecimento do totemismo, a regra assumiria outra forma e diria: ‘Nenhuma relação sexual dentro do totem’” (p. 91).

“A psicanálise revelou que o animal totêmico é, na realidade, um substituto do pai e isto entra em acordo com o fato contraditório de que, embora a morte do animal seja em regra proibida, sua matança, no entanto, é uma ocasião festiva - com o fato de que ele é morto e, entretanto, pranteado. A atitude emocional ambivalente, que até hoje caracteriza o complexo-pai em nossos filhos e com tanta freqüência persiste na vida adulta, parece estender-se ao animal totêmico em sua capacidade de substituto do pai. Se, agora, reunirmos a interpretação psicanalítica do totem com o fato da refeição totêmica e com as teorias darwinianas do estado primitivo da sociedade humana, surge a possibilidade de uma compreensão mais profunda - um vislumbre de uma hipótese que pode parecer fantástica, mas que oferece a vantagem de estabelecer uma orrelação insuspeita entre grupos de fenômenos que até aqui estiveram desligados.
Naturalmente, não há lugar para os primórdios do totemismo na horda primeva de Darwin.Tudo o que aí encontramos é um pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si próprio e expulsa os filhos à medida que crescem. Esse estado primitivo da sociedade nunca foi objeto de observação. O tipo ais primitivo de organização que realmente encontramos – que ainda se acha em vigor, até os dias de hoje, em certas tribos - consiste em grupos de machos; esses grupos são compostos de membros com direitos iguais e estão sujeitos às restrições do sistema totêmico, inclusive a herança através da mãe. Poderia essa forma de organização ter-se desenvolvido a partir da outra? E, se assim foi, ao longo de que linhas?” (p. 101).

“Todos sabemos que, há pouco mais de meio século, as pesquisas de Charles Darwin e seus colaboradores e precursores puseram fim a essa presunção por parte do homem. O homem não é um ser diferente dos animais, ou superior a eles; ele próprio tem ascendência animal, relacionando-se mais estreitamente com algumas espécies, e mais distanciadamente com outras. As conquistas que realizou posteriormente não conseguiram apagar as evidências, tanto na sua estrutura física quanto nas suas aptidões mentais, da analogia do homem com os animais. Foi este o segundo, o golpe biológico no narcisismo do homem” (p. 87)

Em: História de uma neurose infantil”:
“Em outras palavras, precisamos de mais informações sobre a origem da reprodução sexual e dos instintos sexuais em geral. Trata-se de problema capaz de atemorizar um leigo, e que os próprios especialistas ainda não foram capazes de resolver. Assim, forneceremos apenas o mais breve resumo do que parece pertinente à nossa linha de pensamento, entre as minhas assertivas e concepções discordantes. Uma dessas concepções despoja o problema da reprodução de sua fascinação misteriosa, representando-o como manifestação parcial do crescimento. (Cf. a multiplicação por fissão, brotação e gemiparidade). A origem da reprodução por células germinais sexualmente diferenciadas pode ser representada segundo sóbrias linhas darwinianas, imaginando-se que a vantagem da anfimixia, a que se chegou em determinada ocasião pela conjugação fortuita de dois protistas, foi retida e posteriormente explorada para desenvolvimento ulterior. Segundo essa concepção, o ‘sexo’ não seria nada de muito antigo e os instintos extraordinariamente violentos, cujo objetivo é ocasionar a união sexual, estariam repetindo algo que outrora ocorrera por acaso e desde então se estabelecera, por ser vantajoso” (p. 37).

"Em 1912 concordei com uma conjectura de Darwin, segundo a qual a forma primitiva da sociedade humana era uma horda governada despoticamente por um macho poderoso. Tentei demonstrar que os destinos dessa horda deixaram traços indestrutíveis na história da descendência humana e, especialmente, que o desenvolvimento do totemismo, que abrange em si os primórdios da religião, da moralidade e da organização social, está ligado ao assassinato do chefe pela violência e à transformação da horda paterna em uma comunidade de irmãos. Para dizer a verdade, isso constitui apenas uma hipótese, como tantas outras com que os arqueólogos se esforçam por iluminar as trevas dos tempos pré-históricos, uma ‘estória mais ou menos’, como foi divertidamente chamada por um crítico inglês sem maldade; porém essa hipótese para mim tem mérito se se mostrar capaz de trazer coerência e compreensão a um número cada vez maior de novas regiões” (p. 76).

Em: O ego e o ID”:
“Se novamente voltamos os olhos para as diversas resistências à psicanálise antes enumeradas, evidencia-se que apenas uma sua minoria pertence ao tipo que habitualmente surge contra a maior parte de inovações científicas de qualquer importância considerável. A maioria delas se deve ao fato de que poderosos sentimentos humanos são feridos pelo tema geral da teoria. A teoria darwiniana de descendência defrontou-se com a mesma sorte, de vez que pôs

abaixo a barreira arrogantemente erguida entre os homens e os animais. Chamei a atenção para essa analogia em um trabalho anterior, no qual demonstrava como a visão psicanalítica da relação do ego consciente com um inconsciente irresistível constituía um golpe severo para o amor-próprio humano. Descrevi-o como sendo o golpe psicológico ao narcisismo dos homens, e o comparei com o golpe biológico desfechado pela teoria da descendência e o golpe cosmológico, mais antigo, a ele dirigido pela descoberta de Copérnico” (p. 132).

É isso!

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