Existe uma lei da evolução?

Por: Karl Popper, em "A Miséria do Historicismo". Edusp, 1980, p. 59, 60:

"As doutrinas do historicismo que denominei “naturalísticas” têm muito em comum com as doutrinas antinaturalísticas. Exemplificativamente, elas estão sob a influência do pensamento holístico e nascem de inadequada interpretação atribuída ao papel dos métodos empregados pelas Ciências Naturais. Uma vez que as doutrinas representam esforço mal orientado de imitação desses métodos, elas podem ser descritas como doutrinas “cientísticas” (para adotar a terminologia de Hayek). São típicas do historicismo, exatamente como as doutrinas antinaturalísticas – mas talvez se revistam de importância maior. Mais especificamente, a crença de que compete às Ciências Sociais exibir, em toda sua nudez, a lei da evolução da sociedade, com o propósito de determinarlhe o futuro (idéia já examinada nas seções 14 a 17, acima), poderia ser dada, possivelmente, como a doutrina historicista por excelência. Com efeito, essa concepção de uma sociedade que se move através de sucessivos períodos é a concepção que gera, de um lado, o contraste entre um mundo social em mutação e um mundo físico imutável; de outro lado, é a mesma concepção que gera a crença naturalística (e científica) em “leis naturais de sucessão” – crença que podia reclamar apoio das previsões a longo prazo, próprias da Astronomia, nos tempos de Comte e Mill, e reclamar apoio do darwinismo, em dias mais recentes. Na verdade, a voga do historicismo pode ser vista como simples reflexo da voga do evolucionismo – uma filosofia que deve sua influência, em grande parte, ao choque violento entre uma brilhante hipótese científica, relativa à história de várias espécies de animais e plantas que vivem na Terra, e uma antiga teoria metafísica que, por sinal, fazia parte de uma crença religiosa bem-estabelecida.

A chamada hipótese evolutiva é uma explicação de numerosas observações biológicas e paleontológicas (e.g., de certas similaridades entre vários gêneros e várias espécies), feita com base no pressuposto de uma ancestralidade comum de formas relacionadas. Essa hipótese não tem o status de lei universal, embora algumas leis universais da natureza, como as leis de hereditariedade, segregação e mutação, acompanhem a hipótese, na explicação em que se traduz. A hipótese tem, melhor dizendo, o caráter de um enunciado histórico particular (singular, ou específico). (Tem, a rigor, o mesmo
status do enunciado histórico “Charles Darwin e Francis Galton possuíam um mesmo ancestral” – ambos eram netos de uma dada pessoa.) O fato de a hipótese evolutiva não ser uma lei natural universal, mas um enunciado histórico particular (ou, mais precisamente, um enunciado histórico singular) acerca dos antepassados de vários animais e de várias plantas terrestres, vê-se freqüentemente obscurecido pelo fato de o termo “hipótese” ser usualmente utilizado para caracterizar o status de leis universais da natureza. Não olvidemos, porém, que o termo também é empregado, com freqüência, em sentido diverso. Exemplificando, seria perfeitamente correto descrever como hipótese um diagnóstico médico, embora essa hipótese tenha caráter histórico e singular, e não caráter de lei universal. Dito de outra maneira: o fato de que todas as leis da natureza são hipóteses não deve contribuir para que olvidemos que nem todas as hipóteses são leis – e que, em particular, as hipóteses históricas são, em geral, enunciados singulares (não universais) a respeito de um evento individualizado ou de um grupo de eventos individualizados.

Existe uma lei de evolução? Pode haver uma lei científica no sentido pretendido por T. H. Huxley quando ele escreveu: “(...) deve ser apenas meio filósofo aquele que (...) duvida de a ciência, mais cedo ou mais tarde, (...) vir a englobar a lei da evolução das formas orgânicas – a ordem invariável da grande cadeia de causas e efeitos (...) cujos elos são todas as formas orgânicas, passadas e presentes (...)”?

Creio que a resposta a essa pergunta deve ser “Não” e que a busca da lei da ordem invariável, na evolução, está impossibilitada de ver-se abrangida pelo escopo do método científico, seja em Biologia, seja em Sociologia. As razões que sustentam minha crença são muito simples. A evolução da vida na Terra (como a evolução da sociedade humana) é um processo histórico peculiar. Esse processo – podemos admiti-lo tem lugar em consonância com todos os tipos de leis causais, como, digamos, as leis da mecânica, da Química, da hereditariedade e da segregação, da seleção natural, e assim por diante. Sua descrição, entretanto, não é uma lei, mas apenas um enunciado histórico singular. As leis universais fazem afirmações a propósito de alguma ordem invariável, como sugere Huxley, ou seja, fazem afirmações a propósito de todos os processos de determinado tipo. Não há razão, é claro, que nos impeça, a partir de um caso particular único, de formular uma lei universal; também não há razão para supor que não possamos, se tivermos sorte, atingir uma verdade. Contudo, é óbvio que qualquer lei – seja qual for o modo que conduziu à sua formulação – deve ser submetida a testes, perante novos casos, antes de ver-se admitida no reino da ciência. Mas não podemos esperar submeter a testes uma hipótese universal, como não podemos encontrar uma lei natural aceitável, se nos confinamos à observação de um processo peculiar e único. A observação de um processo peculiar e único também não pode ajudar-nos a prever seu futuro desenvolvimento."

É isso!

4 comentários:

  1. Todavía más estricto era Popper en su obra principal“Conjectures and Refutations: The Growth of Scientific Knowledge” de 1963 (Paidós, Barcelona, 1ªed. 2ª reimp, 1989).

    Dice:


    “No existe ninguna ley de la evolución, sino sólo el hecho histórico de que las plantas y los animales cambian, o, más precisamente, que han cambiado. La idea de una ley que determine la dirección y el carácter de la evolución es un típico error del siglo XIX que surge de la tendencia general a atribuir a la “Ley Natural” las funciones tradicionalmente atribuidas a Dios.” (p. 408) .


    Lamentablemente y supongo que por la influencia del entorno, opinión tan clara e impecable se ve progresivamente enturbiada y obscurecida. En el párrafo indicado en la entrada ya vemos como habla de la Selección Natural.........En escritos posteriores todo se vuelve confuso. A esta confusión es lo que los darwinistas llaman "retractación", pero uno se retracta cuando ha hecho algo mal para corregirlo, no al revés.


    Postdata: He tomado una imagen de su blog para una entrada reciente:

    http://www.madrimasd.org/blogs/biologia_pensamiento/2010/05/20/131800

    Espero que no le moleste.

    Un cordial saludo,

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  2. A teoria da evolução não tem uma lei, mas somente um princípio: o da seleção natural.

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  3. Principio y fin: Teoría, hecho, causa, fuerza, etc.....

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