Charles Darwin e Paul Broca: confronto ideológico

Discorrendo acerca da craniometria de Paul Broca, professor de cirurgia Antropológica e fundador da Sociedade Antropológica de Paris (1824-1880), Sthepen Jay Gould, em “A Falsa Medida do Homem”, sintetiza a “ciência” deste médico e antropólogo francês, com o seguinte depoimento:

Dediquei um mês à leitura das principais obras de Broca, concentrando-me em seus procedimentos estatísticos. Assim, comprovei que seus métodos se ajustavam a uma fórmula definida. A distância entre os fatos e as conclusões era por ele descoberta através de um caminho que poderia ser o habitual, se bem que percorrido em direção contrária. Começando pelas conclusões, Broca chegava às cren­ças compartilhadas pela maioria dos indivíduos brancos do sexo mas­culino que triunfaram em sua época: por graça da natureza, estes ocupavam a posição mais elevada, enquanto que as mulheres, os negros e os pobres figuravam em posição inferior. Seus dados eram fidedignos (contrariamente aos de Morton), mas foram recolhidos de maneira seletiva e posteriormente manipulados inconscientemen­te em favor de conclusões estabelecidas a priori. Tal procedimento permitia atribuir às conclusões a sanção da ciência e também o prestígio dos números. Broca e sua escola não usaram os fatos como documentos irrefutáveis, mas apenas como ilustrações. Começaram pelas conclusões, logo comparando-as com seus dados para, por fim, e através de uma rota circular, voltar a essas mesmas conclusões. Seu exemplo justifica um estudo mais minucioso, pois, ao contrário de Morton (que manipulou os dados, embora inconscientemente), refletiram seus preconceitos através de um outro procedimento, pro­vavelmente mais comum: fazer passar por objetividade o que é apo­logia” (p. 78).

E mais adiante:
O corpo humano pode ser medido de mil maneiras. Qualquer investigador convencido de antemão da inferioridade de determinado grupo pode selecionar um pequeno conjunto de medições para ilus­trar a maior afinidade do mesmo com os símios. (Tal procedimento, evidentemente, também poderia ser aplacado no caso de indivíduos brancos do sexo masculino, embora ninguém ainda o tenha tentado. Os brancos, por exemplo, têm lábios finos — propriedade que compar­tilham com os chimpanzés — enquanto que a maioria dos negros africanos tem lábios mais grossos e, conseqüentemente, mais "humanos".) O preconceito fundamental de Broca consiste em sua crença de que as raças humanas podiam ser hierarquizadas em uma escala linear de valor intelectual. Ao enumerar os objetivos da etnologia, Broca inclui o de "determinar a posição relativa das raças dentro da escala humana" (in Topinard, 1878, p. 660). Não lhe ocorreu que a variação humana pode-se ramificar de forma aleatória, em lugar de linear a hierárquica. E, uma vez que conhecia a ordem de antemão, a antropometria não foi para ele um exercício numérico de empirismo elementar, mas uma busca das características capazes de ilustrar a hierarquia correta” (p. 81).

Fonte:
Stephen Jay Gould: “A Falsa Medida do Homem”. Editora Martins Fontes. São paulo, 1991.

Como não haveria de ser de outra forma (Broca teve uma influência instigante no âmbito da ciência ao seu tempo), Charles Darwin também fez uso deste cientista francês como fonte para “fundamentar ainda mais” suas idéias sobre Seleção Natural e Seleção Sexual. Em seu livro menos conhecido “A Origem do Homem e a Seleção Sexual”, o nome de Broca aparece várias vezes, sendo denominado por Darwin de “prudente e imparcial observador”:

Poderia consultar a obra do prof. Broca, um prudente e impar­cial observador, na qual poderia encontrar uma ótima prova de que algumas raças são completamente férteis, acasa­lando-se entre si, mas daria também com uma prova de natu­reza oposta em relação a outras raças. Assim é que se tem afirmado que as mulheres indígenas da Austrália e da Tasmâ-nia raramente concebem filhos com homens europeus; con­tudo foi demonstrado que, sobre este ponto, a prova não tem nenhum valor. Os mulatos são mortos pêlos negros puros: recentemente foi publicado um relatório sobre onze jovens mulatos que foram mortos e queimados ao mesmo tempo, cujos restos foram encontrados pela polícia . Tem-se ainda dito com frequência que, ao se casarem entre si, os mulatos geram poucos filhos; sobre este último ponto o Dr. Bachman, de Charleston, afirma que conheceu famílias de mulatos que se casaram entre si durante diversas gerações e em média têm continuado a ser tão férteis quanto os brancos puros e os negros puros” (p. 203).

“Na Eu­ropa as antigas raças ficavam todas "mais embaixo na esca­la do que se acham os mais rudes selvagens atuais", confor­me Schaaffhausen; por conseguinte, devem ter sido em certa medida diferentes de qualquer outra raça existente. Os vestígios de Lês Eyzies descritos pelo prof. Broca indicam uma raça com a mais singular combinação de características baixas ou simiescas e elevadas, embora infelizmente não pa­reçam ter pertencido a uma única família. Esta raça é "com-pletamente diferente de qualquer outra, antiga ou moderna, da qual sempre temos ouvido falar". Difere pois da ra­ça quaternária das caverna da Bélgica” (p.
216).

O prof. Broca notou que no século XIX os crânios dos cadáveres em Paris eram mais am­plos do que aqueles encontrados nos túmulos do século XII e estavam na relação de 1484 a 1426 (80); e que o aumento de grandeza, como se vê pelas medidas, se dava exclusivamente na parte frontal do crânio, sede das faculdades intelectivas.
[...]
No interessante artigo a que fiz agora menção, com acerto Broca observou que nas nações civilizadas a capacidade média do crânio é reduzida pela presença de um considerável número de indivíduos, fracos de intelecto e de corpo, que no estado selvagem teriam sido imediatamente eliminados. Por outro lado, nos selvagens a média abrange somente os indivíduos hábeis, que foram capazes de sobre­viver em condições de vida extremamente árduas. Broca explica assim o fato, que de outra forma não teria explicação, de que a capacidade média do crânio do antigo troglodita de Lozère é maior do que aquela do francês moderno” (p. 70).

Fonte:
Charles Darwin: “A Origem do Homem e a Seleção Sexual”. Tradução: Attílio ancian e Eduardo Nunes Fonseca; Hemus Livraria e Editora. São Paulo, 1974.

É isso!


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