Nazismo, darwinismo e cristianismo

Quando escrevo que o conteúdo ideológico arraigado nos ideais de evolução como progresso de Charles Darwin influenciaram na constituição do regime nazista, muitos me acusam de omitir propositalmente a influência da religião na política racista do ditador Adolf Hitler.

Não há dúvidas de que o conceito de evolução como progresso impregnado em Darwin realmente exerceu influência nos ideais eugenistas do regime nazista. O fato do ditador alemão ter se utilizado da “Teoria da Evolução” ao seu modo, deturpando-a segundo seus próprios critérios eugênicos, não exime Darwin de ter idealizado uma “raça superior e civilizada”.

Todavia, Darwin e os demais darwinistas sociais não foram os únicos a exercerem ideologicamente influência sobre o nazismo alemão. Hitler bebeu em muitas fontes, e uma delas veio da própria tradição cristã em que ele estava iserido, especialmente da linha protestante do luteranismo. O mesmo Hitler faz menção de Lutero como um dos três grandes reformadores (os outros, escreveu, foram o imperador Frederico o Grande e o músico Richard Wagner):

“Q
uanto maiores forem as obras de um homem pelo futuro, tanto menos serão elas compreendidas pelo presente; tanto mais pesada é a luta tanto mais raro é o sucesso. Se em séculos esse sorri a um, é possível que em seus últimos dias o circunde um leve halo da glória vindoura. É verdade que esses grandes homens são os corredores de Maratona da História. A coroa de louros do presente toca mais comumente às têmporas do herói moribundo.
Entre eles se contam os grandes lutadores que, incompreendidos pelo presente, estão decididos a lutar por suas idéias e seus ideais. São eles que, mais tarde, mais de perto, tocarão o coração do povo. Parece até que cada um sente o dever de no passado redimir o pecado cometido pelo presente. Sua vida e sua ação são acompanhadas de perto com admiração comovidamente grata, e conseguem, sobretudo nos dias de tristeza, levantar corações quebrados e almas desesperadas. Pertencem a essa classe não só os grandes estadistas, como também todos os grandes reformadores. Ao lado de Frederico o Grande, figura aqui Martinho Lutero, bem como Ricardo Wagner
.” (“Minha Luta”).

No que concerne propriamente à influência cristã, a historiadora Maria Luiza Lucci Carneiro, a sintetiza da seguinte forma:

“O extermínio dos judeus pelos nazistas deve ser avaliado como uma progressão lógica nas relações entre cristãos e judeus ao longo da história ocidental. Desde que o cristianismo se tornou a religião do Ocidente, o tratamento dado aos judeus tem se caracterizado por três etapas que se alternam: conversão, expulsão e eliminação. O nazismo nada mais fez do que recorrer a esta prática secular, valendo-se de novos conhecimentos científicos e de nova tecnologia. Até mesmo a imagem estereotipada do judeu foi inspirada em textos que remontam ao século XVI. A grande inovação está, realmente, nos argumentos pseuocientíficos e na invenção da Solução Final.

Se retrocedermos no tempo verificaremos que muitos dos decretos anti-semitas promulgados pelos nazistas têm modelos equivalentes nas decisões ds concílios e sínodos cristãos do século IV (quando o cristianismo se tornou, em Roma, a religião do Estado) ao século XV. Por exemplo: as Leis de Nuremberg (1935), que proibiam casamentos e relações sexuais entre judeus e arianos, foram antecipadas por uma interdição semelhante por ocasião do Sínodo de Elvira, no ano 306. Medidas similares foram adotadas na Espanha, a partir do século XV, e, com base nas leis de limpeza de sangue, proibiam os cristãos-novos de exercerem funções públicas, freqüentarem universidades, receberem títulos de honra, ingressarem em corporações profissionais. Em diferentes momentos, os descendentes de judeus foram obrigados a pagar impostos diferenciados dos cristãos e a viver reclusos em guetos. A mesma prática pode ser observada em Portugal, onde, a partir de 1536, os cristãos-novos foram perseguidos e levados à fogueira pelo Tribunal do Santo Oficio.

Na Idade Média os judeus foram considerados culpados por terremotos, pela peste negra e pelo envenenamento de poços de água; da mesma forma que, séculos depois, Hitier os responsabilizaria pela Segunda Guerra e pelas epidemias de tifo que atingiam a Alemanha.

Em pleno século XIV, judeus foram queimados numa ilha do Reno pelos habitantes de Basiléia (Suíça) sob a acusação de terem envenenado a água. Até o século XIX — momento de eclosão das teorias raciais e biológicas que iriam caracterizar o anti-semitismo moderno — persistiu a crença de que os judeus assassinaram Cristo. Esse pensamento deicida pode ser considerado a essência do anti-semitismo tradicional, cujas raízes são identificadas no cristianismo" (p. 17-18).

Segundo a autora, embora muitos judeus tivessem se convertido ao catolocismo e ao luteranismo, isso em nada fez diminuir o ódio contra eles:

"A partir de 1890 aumentaram as pressões dos grupos de direita (Liga Agrária, Liga dos Empregados de Comércio, Liga Pangermánica, etc.) que identificavam o judeu com o socialismo internacional e o liberalismo. Por outro lado, os judeus apresentavam-se como eminentes nacionalistas procurando se integrar à sociedade alemã, havendo inclusive muitas conversões ao catolicismo e ao luteranismo. Lembramos que a religião luterana (do Estado) constituía, ao lado da língua, um dos elementos da identidade alemã: ser luterano significava ser alemão.

Com a publicação do Tratado de Marr, o anti-semitismo ganhou força, sendo reativado no governo de Otto von Bismarck. Por motivos puramente políticos, o movimento foi deflagrado usando os judeus como “bodês expiatórios”. Parte da classe média, sentindo-se atingida pelo alegado poder econômico e financeiro dos judeus, formulou queixas (ao Reichstag (Parlamento).

Adolf Stoecker, agente do governo e capelão protestante da corte imprial, fundou a União Social Cristã dos Trabalhadores Anti-Semitas com o objetivo de combater o “socialismo judaico”. O pastor Stoecker, representante do pensamento conservador, foi aplaudido por um público de pequeno-burgueses (lojistas, comerciantes e artífices) interessados em expurgar os judeus que, segundo eles, faziam-lhes concorrência. Com o tempo, esse movimento ganhou adeptos e fanáticos. Na Áustria surgiu um partido com características semelhantes: o Partido Cristão- Social Austríaco, liderado pelo político católico Karl Lueger, eleito prefeito de Viena e por quem Hitler tinha grande admiração" (p. 19).

Já especificamente em relação a Martinho Lutero, o grande reformador protestante, é notório que ele nutria de um ódio avassalador pelos judeus. É de autoria dele o tratado "Dos Judeus e de suas Mentiras", com o qual conclama os cristãos a queimar suas sinagogas, tirar-lhes os livros e impedi-los de louvar a Deus sob pena máxima.

Quando teço críticas ao darwinismo por sua postura historicamente favorável a ideais racistas, não o faço por conivência a qualquer outra ideologia. A ênfase ao darwinismo deve-se ao óbvio fato de que realmente ele colaborou em todo esse processo e de que aqui, neste blog, discute-se exatamente questões relacionadas.


É isso!

Fonte:
Maria Luiza Lucci Carneiro. "Holocausto, Crime contra a humanidade". Editora Ática, 2000.


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