PEÇA: “O PORTUGUÊS QUE SE CORRESPONDEU COM DARWIN”, DE PAULO RENATO TRINCÃO
Estando a folhear, como diria um bom português, o livro “De Marx a Darwin: a desconfiança das ideologias”, de Onésimo Teotónio Almeida, dei por conta de um apêndice intitulado “O darwinismo nos Açores: Arruda Furtado, Sena Freitas e não só”, com o qual o autor pinça de maneira sucinta algumas idéias sobre a recepção da Teoria da Evolução em Portugal, especialmente por meio das citações dos evolucionistas supramencionados.
Especificamente em relação a Arruda Furtado (1854-1887), Oésimo faz menção de alguns trechos com os quais este evolucionista português remete às eternas polêmicas que sempre acompanharam a Teoria da Evolução ao longo de sua história, tais como:
RELIGIÃO/EVOLUÇÃO:
“A crença na Bíblia começou a tirar a venda e a vêr já boa luz nos livros da ciencia. O velho Testamento começou a ter o seu verdadeiro lugar, como livro excelente, porque tinha domado os povos, mas inútil presentemente, para o mesmo fim, porque se pode e deve recorrer, entre os homens civilizados, a outros processos mais dignos e proveitosos.”
HOMEM/MACACO:
“Temos visto muitas vezes propor a escolha entre o Cristo e entre o padre, mas encaminhar-se para fazer o mesmo entre o Cristo e o macaco, só agora”. / “A semelhança do macaco com o homem, é um fato que o povo mais do que ninguém se diverte a mostrar. Ide por uma aldeia com um desses homens de realejo e mandril e ouvireis em todas as bocas: «Parece mesmo ser gente.» Esta semelhança, reconhecida pelo próprio povo, impressionou mais de perto os homens de ciencia (cita-se Darwin pricipalmente), e eles disseram, não que o homem e o macaco de hoje eram descendentes um do outro, mas somente que ambos deveriam ter sido produzidos pela transformação de um animal perdido e mais caracterisado como macaco do que como homem."
ÓRGÃOS VESTIGIAIS (OU RUDIMENTARES)
“Os órgãos que tem de servir para a adaptação a um meio, crescem e transformam-se; os que não tem de ser chamados a desempenhar função alguma no meio novo, vão-se atrofiando, mas conservam-se ainda por muito tempo em algumas espécies no estado rudimentar. Todos esses orgãos que nos parecem inúteis em muitos animais, não são mais que orgãos que, em outro tempo, prestaram grande serviço, não são mais que orgãos rudimentares.”
Arruda parece ter sido aficcionado pelas idéias de Darwin. Isto fica claro nesta espécie de paráfrase que ele faz do trecho final do livro do naturalista inglês “A Origem do Homem e a Seleção Sexual”:
“Se o homem devesse ter orgulho e ambição de glorias, nada haveria mais glorioso para ele do que ter vindo da funda eternidade por uma série imensa de transformações, libertando-se pouco a pouco das formas inferiores, até chegar ao seu estado presente, E ISTO APENAS Á CUSTA DO SEU TRABALHO. Bem longe de nos envergonharmos, por sabermos que somos um macaco aperfeiçoado, como vulgarmente se costuma dizer, devemos ter nisso a maior glória, pois o nosso estado atual é uma saída vitoriosa do inferior para o superior, Á CUSTA DA MAIOR SOMA DE LUTAS PELA EXISTÊNCIA QUE TEM PODIDO SUSTENTAR UMA ESPÉCIE.”
Arruda Furtado, para quem não sabe, menteve algumas correspondências com Charles Darwin, e até lhe enviou espécies açorianas a fim de que estas confirmassem suas teorias sobre evolução. Estas correspondências com o autor de “A Origem das Espécies” rendeu-lhe, no ano passado, uma peça de teatro intitulada “O português que se correspondeu com Darwin”, de Paulo Renato Trincão, levada à cena pela Contigo Teatro.
É isso!
Fonte:
Onésimo Teotónio Almeida: “De Marx a Darwin: a desconfiança das ideologias”. Editora Gradiva. Lisboa, 2009, pgs. 173-178.
Fonte das imagens:
Contigo Teatro
Partilhei este fantástico post, com frases tão interessantes.
ResponderExcluirEspero ver se algum mais haverá por esta altura (do aniversário de Darwin).
O livro mencionado, dadas as citaçoes interessou-me.