"Nina Rodrigues, baseado na sua experiência profissional como professor de Medicina Legal na Bahia, dedicou-se ao estudo do comportamento dos negros que ali viviam. Em Os Africanos no Brasil (1976)32, constrói uma leitura ímpar do negro e da escravidão, que teve grande repercussão no período em estudo, principalmente no meio intelectual baiano e no Rio de Janeiro. Certamente, os autores por nós analisados conheciam sua obra ou parte dela, apesar de não fazerem quase nenhuma citação bibliográfica.
As reflexões de Nina Rodrigues baseavam-se em concepções deterministas, evolucionistas e etnográficas do seu tempo. Foi rigoroso metodologicamente para fundamentar sua concepção evolutiva de raça e explicar o comportamento, no seu entender, selvagem do negro. Para tanto, entendia que o africano vindo para o Brasil trazia diferenças de raças essenciais para a análise das suas atitudes, constituindose em objeto precioso para a ciência.
Quanto à escravidão, apesar de denunciar suas atrocidades, Nina Rodrigues construiu uma justificativa com base na escravidão preexistente na África, na concepção de inferioridade dos negros e na escassez do elemento indígena para ser utilizado como mão-de-obra.
[...] nos mostra a escravidão como um estágio fatal da civilização dos povos; em vão continuaria a oferecer-lhe tácito desmentido a África inteira, onde a intervenção dos europeus não conseguiu diminuir sequer a escravidão; sem fruto podia clamar o exemplo dos nossos negros e mestiços, livres ou escravizados, que continuavam a adquirir e a possuir escravos (p. 3).
[...] Surgiu como problema brasileiro quando, faltando o índio, que sucumbia ou era protegido pelos jesuítas, e começando a escassear os braços para a lavoura e, mais tarde, para o trabalho das minas, se criou um comércio de escravos direto, entre a nova Colônia e a África (RODRIGUES, 1976, p. 14).
Sua concepção hierárquica e determinista estava acima da defesa apaixonada da causa negra e marcou os manuais didáticos por longas décadas, como veremos adiante. Para sustentar seu pensamento, ele se fundamenta na ciência:
O critério científico da inferioridade da raça negra nada tem de comum com a revoltante exploração que dele fizeram os interesses escravistas dos norte-americanos. Para a ciência não é esta inferioridade mais do que um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões ou seções (RODRIGUES, 1976, p. 5).
Nina Rodrigues discordava das teses que afirmam serem resultado da mestiçagem o branqueamento e o apagamento aos poucos das raças inferiores. Para ele, sustentado nos estudos antropológicos, as características étnicas e raciais sobrevivem psicologicamente. As conseqüências do mestiçamento eram, assim, desastrosas:
Ao brasileiro mais descuidado e imprevidente não pode deixar de impressionar a possibilidade da oposição futura, que já se pode entrever, entre uma nação branca, forte e poderosa, provavelmente de origem teutônica, que se está constituindo nos estados do Sul, donde o clima e a civilização eliminarão a raça negra, ou a submeterão, de um lado; e, de outro lado, os estados do Norte, mestiços, vegetando na turbulência estéril de uma inteligência viva e pronta, mas associada a mais decidida inércia e indolência, ao desânimo e por vezes à subserviência, e, assim, ameaçados de se converterem em pasto submisso de todas as explorações de régulos e pequenos ditadores (RODRIGUES, 1976, p. 9).
Outro tema caro a Nina Rodrigues era a discussão em torno da procedência dos negros. Ele se propõe a conhecer os pormenores dessa raça, sua origem, suas características étnicas. De antemão, discorda dos estudos que afirmam sua uniformidade de origem e afirma a necessidade urgente de pesquisas que indiquem as especificidades culturais dos povos africanos que para cá foram trazidos. Em seu ntender, investigar as diversidades culturais do africano é de fundamental importância, para ele e para a compreensão da nossa sociedade.
Nina Rodrigues parte do princípio de que a historiografia cometeria um erro ao indicar como banto a origem étnica da maioria dos africanos, e destaca com veemência a presença sudanesa. Para ele, Varnhagen foi quem mais se aproximou da verdade ao assinalar a diversidade de nações no tráfico de africanos, que englobava um vasto território na África. Discute, também, como os desenhos de Debret serviram de orientação para outros estudiosos (como o próprio João Ribeiro), que, por engano, os generalizaram para todo o país.
A essa desigualdade na procedência dos negros introduzidos na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro, se há de atribuir, parece, o engano dos escritores avisados como Silvio Romero e João Ribeiro. Os estudos e observações de ambos particularmente se referem a Pernambuco e Rio de Janeiro e dali observaram foram provavelmente induzidos a generalizar, para todo o país, o predomínio da gente banto (RODRIGUES, 1976, p. 35).
Rodrigues mostrou-se muito impressionado com as atitudes dos negros maometanos e dedicou-se ao estudo da sua cultura e de suas revoltas na Bahia.Para ele, os levantes eram tentativas de reproduzir as nações africanas no Brasil. Os negros haussás, segundo Rodrigues, eram de uma região das mais adiantadas da África (África Central).
Assim, reafirma sua visão determinista da raça – uma raça superior como a dos haussás não poderia se adaptar a uma atividade inferior como a agricultura. Logo, concebia os bantos e angolas como inferiores culturalmente, portanto, capazes de se submeterem ao cativeiro.
Outra explicação dada por Nina Rodrigues para as revoltas dos negros maometanos era sua religião, caracterizada por uma organização rigorosa, pelo ensino e propaganda que, segundo ele, fortalecia o caráter e a vontade, não deixando se aniquilar pela escravidão. Mesmo reconhecendo essa superioridade, Rodrigues argumenta que o islamismo tende a desaparecer entre os negros, pois não será absorvido pelos crioulos e mestiços que ainda se encontram na fase fetichista, mesmo tendo se alastrado por uma grande quantidade de africanos desembarcados no Brasil.
Também estudou a experiência de Palmares e concluiu que aquele quilombo se organizou num estado em tudo parecido com os que se encontravam na África, para manter a liberdade dos negros. Na sua visão, Palmares representou uma “ameaça à civilização do futuro povo brasileiro”, uma organização exclusivamente de bantos, sem a participação de negros islamizados.
A análise de Nina Rodrigues é, assim, rica em detalhes antropológicos e etnográficos e consagra uma visão determinista, na qual as diferenças raciais são responsáveis pelo estabelecimento de funções sociais diferenciadas e hierárquicas. Nesse sentido, o futuro da sociedade brasileira estava marcado pela inferioridade da raça negra, sendo difícil, assim, o Brasil tornar-se um país civilizado. Resta saber até que ponto esse pessimismo perpassou os manuais didáticos de história, contemporâneos ou posteriores à obra de Nina Rodrigues, responsáveis também pela construção de uma identidade nacional pelas suas narrativas históricas.
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É isso!
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