Huxley e a Seleção Natural

"A divergência entre Huxley e Darwin que realmente merece atenção, principalmente para os historiadores e filósofos interessados em questões científicas, é aquele que gira em torno do mecanismo de seleção natural. As dúvidas levantadas por Huxley em relação à seleção natural foram de caráter estritamente científico, e não caracterizam de forma alguma uma rejeição da mesma. Em sua resenha da Origem das Espécies para o The Times, em 1860, Huxley começa sua exposição dizendo que embora a teoria de Darwin explicasse uma grande gama de fatos sobre o mundo natural, ele preferia pessoalmente adotar o aforismo de Goethe “Thatige Skepsis”, a qual define como “ a dúvida que tanto adora a verdade a ponto de não ousar permanecer na dúvida nem tampouco extingui-la por meio de uma crença injustificada” (HUXLEY, [1859] 1893, v.II, p. 21). Ele aconselha todos os estudiosos a manterem esse estado de espírito frente à questão da origem das espécies. Entretanto, admite que pesquisas futuras sobre o tema poderiam confirmar se

(...) as causas modificadoras e o poder seletivo que o Sr. Darwin satisfatoriamente mostrou existir na Natureza são competentes para produzir todos os efeitos que ele lhes confere; ou se, por outro lado, ele foi levado a superestimar o valor do princípio de seleção natural, da mesma forma que Lamarck superestimou sua vera causa da modificação por exercício” (HUXLEY,[1859] 1893, v.II, p.75).

Portanto, Huxley não negou que a seleção natural pudesse existir de fato na Natureza, mas não estava completamente convencido que ela desse conta de todos os efeitos que Darwin propunha. E, embora tenha feito uma analogia com a teoria transmutacionista de Lamarck, ele reconheceu, como apontamos anteriormente, o avanço que a teoria de Darwin apresentava em relação àquela. Huxley acreditava que a hipótese darwiniana possibilitava a “justificativa para muitas aparentes anomalias na distribuição dos seres vivos no espaço e no tempo, não sendo contestada pelos principais fenômenos da vida e de sua organização” (HUXLEY, [1839] 1893, v.II, p.44). Assim sendo, a hipótese darwiniana constituía, para ele, “não uma simples trilha ilusória, mas uma ponte sólida e ampla de fatos”, e que conduzia nosso conhecimento sobre o mundo natural “a uma região livre das armadilhas daquelas fascinantes, mas estéreis virgens, as Causas Finais” (HUXLEY, [1859] 1893, v.II, p. 20).

Huxley coloca algumas questões aos leitores: “Está satisfatoriamente provado, de fato, que as espécies podem ser originadas por seleção natural? Há tal coisa como a seleção natural?” (HUXLEY, [1859] 1893, v.II, p. 47). Até que essas questões fossem respondidas, sustenta, a proposta de Darwin deveria permanecer uma hipótese, pois “não está absolutamente provado que um grupo de animais tendo todas as características exibidas pelas espécies na Natureza tenha sido originado por seleção, seja artificial ou natural” (HUXLEY, [1859] 1893, v.II, p.47)

Podemos perceber que, diferentemente de outros críticos à teoria da seleção natural de Darwin, Huxley aceitou sem maiores problemas a analogia com a seleção artificial, admitindo inclusive que ela produzisse grandes e diversas divergências entre os organismos assim selecionados, e que as novas raças formadas por tal seleção tinham uma forte tendência a se reproduzir e gerar descendentes com as mesmas características. Além disso, sustentou que se algumas dessas variedades de raças criadas artificialmente fossem extintas, e encontradas por um naturalista de modo independente, seus fósseis poderiam perfeitamente ser erroneamente identificados como sendo “boas e distintas espécies morfológicas” (HUXLEY, [1859] 1893, v.II, p. 44). Entretanto, enquanto não fosse provado que a seleção natural fosse capaz de gerar novas espécies, Huxley a consideraria apenas uma hipótese, não uma teoria, embora considerasse uma hipótese bastante provável, e a única até então condizente com aquele que considerava o método científico adequado.

De acordo com a visão de Huxley, para uma hipótese receber um status de teoria, deve apresentar evidências em forma de 'fatos da natureza', mesmo que não deixe claro o que considera como sendo esses fatos (LYONS, 1999, p. 233). As dificuldades que Huxley apresentou em relação ao princípio de seleção natural como sendo o principal mecanismo na geração de novas espécies biológicas, podem se consideradas por duas vias distintas: a primeira, que pode ser descrita como tendo um caráter teórico, postulando acerca de qual critério devemos utilizar para definir quais características que devem ser consideradas como cruciais para identificar uma espécie enquanto tal, gira em torno da questão da descendência estéril, ou barreira sexual; a segunda, que pode ser descrita como tendo um caráter metodológico pois remete à justificação, isto é, ao posicionamento sobre o que deve ser considerado como aquilo que constitui a prova de uma hipótese, diz respeito à diferença do uso que Huxley e Darwin davam à noção de vera causa. Vejamos, portanto, cada um desses pontos mais detalhadamente.

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É isso!

Fonte:
GABRIEL PEREIRA PORTO: “O BULDOGUE DE DARWIN: A interconexão entre agnosticismo e evolução em Thomas Huxley”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federalde Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção de título de mestre em Filosofia). Orientador: Prof. Dr. Gustavo Andrés Caponi. FLORIANÓPOLIS, 2010.

Nota:
A imagem em destaque não se inclui na referida tese.

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