A divulgação do darwinismo no Brasil

"A primeira conferência de Miranda Azevedo sobre o darwinismo ocorreu em 11 de abril de 1875, um domingo, e o título foi “Darwinismo: seu passado, seu presente, seu futuro”. O Globo assim anunciou essa conferência:

[...] propoe-se o Sr. Dr. Miranda Azevedo a expor a teoria moderna da história natural, que de presente, preocupa os sábios dos países mais adiantados. A doutrina que a tese contém ainda não foi debatida entre nós e poucos a têm estudado.

Como um dos propósitos das Conferências Populares da Glória era difundir um conhecimento dito científico, discorrer sobre o darwinismo neste local era fundamental, pois as Conferências repercutiram na imprensa carioca, e assim como esta, constituíram-se como um espaço formador de opinião pública. O Globo sublinhou o fato de a teoria de Darwin já ser difundida nos “países mais adiantados”, ou seja, se ela fosse discutida aqui ajudaria a colocar o Brasil no rol dos países civilizados. Essa colocação do jornal dava à conferência uma conotação positiva mesmo antes de ser realizada, sugerindo a sua boa aceitação.

O Jornal do Commercio anunciou a conferência como a exposição de uma “teoria moderna de história natural, que atualmente preocupa a atenção dos mais eminentes naturalistas e sábios da Europa e dos Estados Unidos” – o darwinismo – salientou ainda que pela primeira vez ela seria abordada cientificamente, seja na academia, seja na imprensa. A ênfase estava no caráter científico da teoria e por ser abordada pela primeira vez, levando a crer que ou o redator soubesse das discussões a respeito das idéias de Darwin em outros locais, ou talvez tivesse recebido um prospecto de Miranda Azevedo com o resumo de sua preleção. Levanto esta hipótese pois o Jornal do Commercio mencionou que a teoria de Darwin já circulava entre os norte-americanos e os europeus e era desconhecida no Brasil. Estas foram observações que Miranda Azevedo fez em seu discurso, publicado na revista Conferencias Populares em 1876,8 no qual enfatizou:

Tratarei do darwinismo e da doutrina, evolutiva dessa teoria que ocupa atualmente a atenção de todos os sábios da velha Europa, e dos Estados-Unidos e que infelizmente é quase desconhecida entre nós. Anima-me vir ocupar a vossa atenção, a convicção profunda que tenho de assim contribuir para o aperfeiçoamento dos estudos e da instrução popular no Brasil. [...] Se, pois, na classe médica, se naqueles que de alguma maneira devem estar a par das ciências naturais, existe tão grande ignorância, que muito é que na classe dos bacharéis em direito, dos graduados em teologia e outras ciências, haja completa ignorância sobre a teoria?

Destacar que a teoria já era conhecida na Europa e no Estados Unidos indicava que ela também deveria ser não só conhecida, mas também aceita no Brasil, uma vez que esses eram os locais civilizados nos quais o Brasil se inspirava.

Referindo-se ao que foi dito pelo orador, todos os jornais pesquisados que noticiaram a primeira conferência assinalaram o fato de Miranda Azevedo ter exposto o darwinismo como uma nova teoria já conhecida na Europa e nos Estado Unidos, como um argumento essencial para que ela também fosse aqui tratada. Ou seja, havia a necessidade de se estar a par dos termos discutidos em centros mundiais considerados como “mais civilizados”. Almejava-se alcançar um novo e mais alto patamar da civilização, via um mod elo pré-estabelecido que serviria a qualquer localidade do mundo, portanto, seria assim este mais um aspecto cosmopolita.

Após a realização da preleção, o Jornal do Commercio reafirmou ser o preletor o primeiro a defender e discutir o darwinismo em público, ressaltou inicialmente que o orador disse proferir aquela conferência pois estava certo de prestar um “serviço à pátria e ao povo”. Segundo a folha, o médico pretendia demonstrar a serventia da doutrina darwinista para as academias e para a “massa popular”. Observo que, para Miranda Azevedo, o darwinismo forneceria o instrumental para se pensar e resolver os problemas da sociedade brasileira, logo, sua ação de propagar tal conhecimento só poderia ser encarada como um ato de envergadura.

Miranda Azevedo afirmou serem o sistema oficial de ensino e os preconceitos religiosos os principiais atravancadores da “propaganda desta doutrina científica”. A fim de formar opinião pública13 a favor do darwinismo, O Globo destacou que o médico “Para combater o primeiro mal, encontra eficaz apoio na tribuna”, pois Manoel Francisco Corrêa, idealizador das Conferências, em suas preleções preconizava uma mudança da estrutura de ensino do país. Para dar legitimidade ao discurso de Miranda Azevedo, O Globo afirmou: “Dispondo de palavra fácil, estilo elegante e linguagem correta, o orador tratou da matéria com sumo critério, revelando bem assentadas convicções acerca do assunto.” Elogiar a retórica do médico sugere que o periódico também simpatizava com as idéias expostas.

Sobre os motivos que dificultavam a difusão da teoria de Darwin no Brasil, Miranda Azevedo marcou a necessidade de não se misturar a razão com a fé:

Eu reconheço que uma das causas que mais tem contribuído para a ignorância da teoria darwinista, para até hoje como que haver um seqüestro dessa doutrina científica, é o predomínio de certas idéias teológicas e ortodoxas; acredita-se que essa questão afeta de uma maneira profunda as crenças religiosas que recebemos de nossos avós, e que contribui para toda espécie de subversão dos princípios da moral. Mas, senhores, no estudo da teoria darwinista nada temos que ver com a religião. É um erro profundo, um erro que sempre tem prejudicado a ciência, querer-se essa aliança heterogênea, sem razão de ser, entre a ciência e a religião produtos de dois fatores diferentes – a razão e a fé. [...] Deveria deixar-vos com a convicção dessa verdade ou ao menos chamar a vossa atenção para tão importante assunto, fiz apenas o que cabia na minha fraca palavra para provar-vos que não há razão para que no ensino oficial de nossas academias seja banida do programa a teoria darwinista. [...] Assim, a teoria que muito superficialmente expus, deve ser a cogitação constante das nossas academias, do médico, do engenheiro, do jurisconsulto e até do teólogo, para que ela possa talvez formar uma idéia majestosa de divindade.

No final de sua preleção o médico expôs sua crença na aplicabilidade do darwinismo nos diversos setores da sociedade, estendendo, desta maneira, a teoria biológica para a sociedade.

O Jornal do Commercio noticiou que para Miranda Azevedo o desconhecimento da teoria no Brasil era conseqüência do preconceito das pessoas e do sistema de ensino oficial, no caso o ensino não laico, que encaravam a teoria como “anti-religiosa e subversiva”. De acordo com O Diario do Rio de Janeiro, em sua primeira conferência, ao abordar a temática darwinista, o médico, acreditando apresentar uma teoria moderna, afirmou que a doutrina era quase desconhecida no Brasil; e que o darwinismo não era contrário à Bíblia, diferente das doutrinas antidarwinistas, conforme Henry Huxley havia provado.

Uma das aplicações da teoria darwinista na sociedade, indicada por Miranda Azevedo, estava relacionada à seleção do serviço militar, porque a mesma retirava os homens sadios da sociedade e deixava os defeituosos para procriarem:

Todo mundo grita que o gênero humano decai, que o homem de hoje não é o homem atlético e possante das eras passadas. Sabeis a razão disso? É pela aplicação da teoria de Darwin que a percebemos. Por todo mundo civilizado atualmente está grassado a preocupação do predomínio militar; e qual a causa dessa preocupação? A ignorância das leis de Darwin, na maneira por que são confeccionadas as legislações militares. Procuram para o exército os entes sadios, fortes, vigorosos e desprezam, deixam para constituir família, para organizar a sociedade aqueles que têm alguns defeitos, que são fracos fisicamente. Qual a conseqüência desse fato? A conseqüência lógica e imediata de uma lei de Darwin da hereditariedade. Todos aqueles que forem robustos e sadios não podem constituir família, porque as leis militares os roubam a seus lares para deixarem o sangue mais generoso e forte do país nos campos de batalha, e são precisamente os débeis, os que têm defeitos físicos que hão de constituir famílias, e assim transmitirem a seus filhos, à sua descendência os germes desse raquitismo, dessa degeneração que todos os estadistas proclamam.

Fonte:
KAROLINE CARULA: "As Conferências Populares da Glória e as discussões do darwinismo na imprensa carioca - 1873-1880” (Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientação da Profa Dra Iara Lis Franco Schiavinatto). Campinas. FEVEREIRO – 2007.

Nota:
O título e a imagem não se incluem na referida tese.


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