A “Seção Lombroso” foi então inaugurada por volta do ano de 1914, dando conta desta necessidade estabelecida em lei (Maciel, 1999). Ela era um projeto importante em termos assistenciais na ótica de Juliano Moreira. Segundo este (Moreira, 1905, p. 54)
Só ficará completa a missão do Estado no que diz respeito à Assistência Alienados do Distrito Federal, no dia em que fizer construir pavilhões especiais para mentecaptos que praticarem crime e para criminosos que ensandecerem, ou nos asilos comuns ou nas proximidades das prisões.
No início do seu funcionamento, a maioria dos seus pacientes eram indivíduos acusados de homicídio, embora também houvesse muitos homens que não tinham cometido crime, ou que simplesmente eram contraventores ou não se adequavam a “moral social vigente”, como “estelionatários”, “vadios”, “alcoolistas” e “pederastas” (Maciel, 1999, p.151). Indivíduos que engrossaram as primeiras levas de pacientes do M.J. Segundo Maciel (1999, p.148), Heitor Carrilho começou sua atividade clínica na “Seção Lombroso” em 1916, de quando é datado o “Livro nº1 de Observação dos Pacientes” da “Seção Lombroso” e do Manicômio Judiciário, parte do acervo do Setor de Documentação Médico do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho.
No ano de 1919 a situação da “Lombroso” já não era das mais estáveis, não dando conta dos seus objetivos (Maciel, 1999, p.146 e 152). Até que bem no início do ano de 1920 uma grave revolta de pacientes ocorreu no H.N.A. Sobre o seu início, Lima Barreto nos legou um relato muito interessante. Tendo um indivíduo subido ao telhado do hospício “(...)
Começou a destelhar o edifício (...) ele o fazia na presença da cidade toda, pois na rua se havia aglomerado uma multidão considerável (...) Num dado momento, trepado e de pé na cumeira, falando, os braços levantados para o céu fumacento, esse pobre homem surgiu-me como a imagem da revolta...” (Barreto, 1986, p.19)
Depois deste evento, uma revolta. Um grupo de indivíduos da “Seção Lombroso” sob a liderança deste mesmo homem, R. D. E., queimou e empilhou colchões, e em furor jogaram objetos e agrediram guardas, enfermeiros, acadêmicos e médicos, além de ameaçarem o administrador e sua família que residiam nas dependências do hospício. A proporção tomada pelo incidente pode ser apreendida com o contingente direcionado para sua repressão: polícia, bombeiros, praças do exército, delegado e Chefe de Polícia, com a presença do próprio Ministro da Justiça (Engel, 2001 a, pp. 295-296; Maciel, 1999, pp.113-118; Carrara, 1998, p.193). Mais uma vez temos o relato - desta vez mais atemorizado - deLima Barreto:
“Dia 27/01/1920. Revolta dos presos na casa-forte [provavelmente se refere à Seção Lombroso]. A revolta é capitaneada pelo D.E, o tal que subiu no telhado. Estão chegando bombeiros e forças de polícia. Os revoltosos armaram-se de trancas. A rua encheu-se; há um movimento de carros, automóveis com personagens, e força de polícia e bombeiros. Já tenho medo de ficar aqui” (Barreto, 1986, p.34)
Estes eventos foram também descritos por Heitor Carrilho (Carrilho, 1920). O saldo foram muitos estragos e depredações, além de 11 guardas feridos. Foram convocados para repressão ao movimento vinte praças da Brigada Policial e 45 soldados dos bombeiros (idem). Muitos indivíduos fugiram. O incidente teve muita repercussão na imprensa, que criticou bastante a administração de Juliano Moreira, que via-se mais uma vez a voltas com ataques da imprensa (Maciel, 1999, pp.116-117). Para o Jornal do Brasil e o Correio da Manhã, a administração de Moreira era culpada pela superlotação, a falta de guardas e enfermeiros, as péssimas condições de vida na instituição e ausência de tratamentos (idem). Meses depois ocorreu outra revolta, mas bem menor, e foi ela que provavelmente “apressou a votação de verba extra necessária para a construção do manicômio criminal” (idem, p.122-123). Poucos meses depois, em abril, foi lançada a pedra fundamental do Manicômio Judiciário.
Esta instituição representou uma significativa vitória médico-psiquiátrica (Antunes, 1999, p. 115), demarcando o domínio psiquiátrico dos âmbitos da perícia e da custódia (Carrara, 1998, p.220). Deveria ser destinado, nas palavras de Carrilho (Carrilho, 1920), em grande parte, aos “anômalos morais perigosos”, objetivando a “defesa social”, repressão e a “profilaxia criminal”. Porém, sua gênese decorre, em grande medida, de categorias diagnósticas ambíguas como as de “degenerado”, que analisaremos ao longo desta dissertação. Como aponta Carrara:
“Foi a partir do momento em que, nos tribunais, alguns criminosos passaram a ser classificados como degenerados que os meios socialmente instituídos para o controle e repressão aos transgressores viram-se paralisados, comprometidos em seu funcionamento (...) Casos mais ou menos escandalosos vão surgindo motivando psiquiatras e magistrados a lutar em prol da construção de um asilo criminal” (Carrara, 1998, pp.191 e 197).
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É isso!
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